Abrir-se ao ecossistema de inovação tem sido um imperativo inescapável para qualquer companhia que esteja seriamente decidida a não “comer poeira” da concorrência. Na Visa, uma gigante com 3,3 bilhões de cartões emitidos aceitos em mais de 53 milhões de estabelecimentos comerciais no mundo, 2016 foi um ano-chave dessa transformação.
“Percebemos que precisávamos nos abrir para a inovação. Antes, nós ficávamos um ou dois anos desenvolvendo um produto ou serviço. Quando lançávamos, já era velho ou as pessoas já não o queriam mais.”
A avaliação acima é de Érico Fileno, que chegou à Visa em março daquele ano para ocupar o cargo até então inexistente de diretor de inovação. Ele diz que um passo fundamental nessa mudança de mindset se deu no mês anterior, quando a Visa abriu sua plataforma global de APIs (Interfaces de Programação de Aplicativos), permitindo que outras empresas e startups pudessem acessar seus serviços e produtos e interagir entre si no mundo todo.
Atualmente, são mais de 250 APIs comercializadas no mundo. Assim como o mapa do Google está “dentro” de vários aplicativos, a Visa possui produtos e serviços em aplicativos de outras empresas, que podem se conectar e pensar soluções por meio da plataforma Visa Developer Center.
Uma dessas soluções é o Visa Checkout, na prática um botão que carrega as informações do usuário de aplicativos como o iFood, por exemplo, permitindo ao cliente utilizar essa opção mais prática em vez de ter de inserir todos os dados pessoais e bancários para a realização do pagamento.
“É uma opção segura para quem quer realizar o pagamento de forma mais rápida e prática, e ótima para o comerciante, que não perde vendas. Essa é uma conexão direta do iFood com um API da Visa”
Hoje, segundo Érico, existem mais de 15 mil estabelecimentos virtuais brasileiros com o botão do Visa Checkout. “Isso não seria possível no ambiente físico.”
O DESIGN THINKING INSERIDO NA ROTINA DO ESTÚDIO DE INOVAÇÃO
Inaugurado em setembro de 2016, o estúdio de inovação da Visa em São Paulo foi o primeiro da América Latina (hoje há outro no México) e é um dos 14 no mundo. No seu escopo está o desenvolvimento de projetos como o Programa de Aceleração de startups e o Cidades do Futuro, programa da Visa que busca aumentar o uso do pagamento digital em parceria com estabelecimentos locais. Lançada em 2018 em Maringá (PR), Campina Grande (PB) e Belém (PA), a iniciativa já foi expandida para 200 cidades.
Especialista em design thinking, Érico chegou para comandar o estúdio e trouxe mudanças efetivas no dia-a-dia da empresa.
“Antes, desenvolvíamos a solução dentro de casa e a empurrávamos para o mercado. Atualmente, nós trabalhamos de forma mais colaborativa. Escutamos os nossos clientes e os clientes dos nossos clientes.” Ele completa:
“Organizamos sessões com todos os envolvidos para discutir problemas e oportunidades. Priorizamos as questões, prototipamos e validamos com o cliente do nosso cliente”
Para mudar a mentalidade cotidiana, Érico passou a organizar hackathons com a equipe. As maratonas de 24 horas chegam a reunir até 50 pessoas do time de Visa, que participam de forma voluntária, com três desafios internos para resolver e a meta de entregar um protótipo até o meio-dia. “É um novo jeito de gerar solução.”
Outra mudança foi promover a aproximação entre os clientes e o time de inovação. Érico conta que a rede Suplicy Cafés procurou a Visa para pensar novos produtos. Nesses casos, as equipes são multidisciplinares e se reúnem durante dois ou três dias para discutir ideias e prototipar soluções.
Dessa imersão, as empresas decidiram desenvolver um aplicativo com o qual os usuários podem fazer pedidos e realizar pagamento (com o botão Visa Checkout) com antecedência dentro do próprio app, passando na loja apenas para retirar o produto. A ferramenta foi lançada em junho de 2018. Neste momento, segundo Érico, eles trabalham numa segunda versão, em que o consumidor poderá solicitar a entrega do pedido no endereço escolhido.
“Quando o cliente chega aqui, ele percebe nossa capacidade de ajudar na jornada como um todo, não só no momento do pagamento”, explica. A Visa lançou, em junho deste ano, um cartão digital pré-pago em parceria com a Rappi. Isento de anuidade, pode ser usado mesmo por pessoas não bancarizadas, pois é possível “abastecê-lo” por meio do RappiPay (uma carteira digital disponível dentro do aplicativo), via boleto ou transferência bancária.
Érico cita ainda a parceria com a MetrôRio. A concessionária começou a aceitar, em abril deste ano, formas alternativas de pagamento dentro das 41 estações do metrô na capital fluminense. Os usuários podem pagar via celular, cartão de crédito, pulseira e relógio com a tecnologia NFC (Near Field Communication). Esta solução foi produzida em parceria com Banco do Brasil, Bradesco e Cielo.
Na visão do head de inovação, design thinking é isso: equilibrar o lado criativo e analítico, estimular o lúdico e o racional, antecipando as necessidades do consumidor. Para o futuro, ele aposta na desconstrução do plástico, com o uso mais intenso das tecnologias hoje já operacionais, como o cartão de crédito “dentro” do celular ou do relógio, e a ampliação da Internet das Coisas, permitindo que geladeiras e carros sejam usados para pagamentos.
O PROGRAMA DE ACELERAÇÃO BUSCA STARTUPS PRONTAS PARA ESCALAR
Outro pilar é o Programa de Aceleração. Desde 2017, a Visa acelerou 53 startups, com um investimento médio de R$ 215 mil por participante. São quatro meses de mentoria, novos contatos e duas semanas no Vale do Silício, com visitas ao Google, às aceleradoras 360 Lab e 500 Startups e ao Centro de Inovação da Visa em São Francisco.
Hoje, 54 pessoas do time brasileiro atuam no programa como mentores. “Isso representa um terço da equipe total da Visa no Brasil”, diz Beatriz Montiani, gerente de inovação da empresa no país. “É muito significativo.”
São duas edições por ano. Na última terça-feira (23), a Visa anunciou as cinco startups selecionadas para o segundo semestre (após um pitch na véspera, que eliminou outras sete candidatas). Entre elas, a Safeticket, uma plataforma para venda e gestão de eventos que anuncia já ter emitido 12 milhões de ingressos; e a Medicinae, que facilita de forma gratuita a gestão de recebíveis médicos para donos de clínicas e consultórios. Segundo Beatriz:
“Neste ano, optamos por projetos que já têm produtos e estão prontos para escalar. Dessa forma, essas startups já estão no estágio adequado para fazer conexões com o nosso ecossistema”
O programa é uma oportunidade para as startups fecharem contratos com a Visa e seus parceiros e clientes. Acelerada em 2018, a Celcoin desenvolveu um app gratuito que o usuário utiliza para prestar serviços diversos a outras pessoas, como pagar contas de terceiros, realizar transferências e pagamentos, e revender desde recargas de celular a produtos do GooglePlay, como filmes, músicas e livros.
“Por exemplo, se o dono de uma banca de jornal tem o aplicativo, ele pode aumentar sua renda vendendo esse tipo de serviço”, diz Beatriz, afirmando que a ferramenta da Celcoin será agora expandida em parceria com o programa Cidades do Futuro, da Visa.
Em última instância, segundo a gerente de inovação, o objetivo é desenvolver o empreendedorismo e mudar o mindset interno da companhia.
“Empresas consolidadas têm muito o que aprender com as startups. Aprendemos como ouvir mais os consumidores, como experimentar… E essa cultura nos permite errar mais e trazer novas soluções. A gente acelera as startups, mas também somos aceleradas por elas.”
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