Primeiro você cria um negócio, depois investe tudo na reinvenção dele: conheça a mentora virtual Clara

Maria Clara Machado - 21 mar 2017Daniel Pereira, CEO da Luz, espera que a Clara seja o braço direito do pequeno empreendedor
Daniel Pereira, CEO da Luz, espera que Clara, seu chatbot de mentoria, seja o braço direito do pequeno empreendedor.
Maria Clara Machado - 21 mar 2017
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“O Brasil tem 50 milhões de empreendedores, e metade da população considera o empreendedorismo uma opção de carreira”, diz Daniel Pereira, 36, CEO da Luz Planilhas Empresariais e que já teve participação em outras cinco empresas (em atividades que vão de ótica no varejo à extinta aceleradora Papaya Ventures). “Então, tem muita gente querendo empreender ou já empreendendo, tem muito conteúdo incentivando, mas pouco ou nenhum ensino prático sobre como lidar com os desafios de gestão de uma empresa. É este gap que a gente quer preencher”.

Desde 2013, Daniel está à frente da Luz, um e-commerce de planilhas de Excel que ajudam empreendedores em áreas como gestão, marketing e financeiro. O negócio fatura 2 milhões de reais por ano, comercializando cerca de 650 planilhas por mês. A mais baixada é a de análise de Fluxo de Caixa, que custa 180 reais. Daniel diz que a média é de 2,15 compras por cliente, e conta que o negócio atinge empreendedores brasileiros e também de lugares como Angola e Portugal.

Mas o que há de mais inovador na trajetória de Daniel é o novo produto de sua empresa, a Clara, uma mentora virtual que ajuda empreendedores e aspirantes a se informar sobre gestão e superar os desafios de seus negócios— e que nasceu de uma estratégia de marketing. Isso mesmo, pois para que o empreendedor conheça as planilhas da Luz, faça o melhor uso delas e veja mais valor no que está comprando há muita documentação sobre como cada planilha pode ajudá-lo na gestão de seu negócio. Foi justamente este conteúdo da Luz que abriu caminho para a nova empreitada.

QUANDO UM PRODUTO É QUASE UMA NOVA EMPRESA

A Clara nasce como um produto da Luz (não é uma nova empresa). Ela é um chatbot, ou seja, um “robô que conversa via chat”, disponível 24 horas por dia. Funciona assim: o empreendedor (chamado de “empreendiz”, corruptela de empreendedor e aprendiz) fala para a Clara em que etapa do empreendimento ele está – se pretende abrir um negócio, se acabou de abrir sua empresa ou se já é empreendedor há muito tempo. Em seguida, ela pergunta qual é o desafio atual do empreendiz – finanças, estratégia, vendas, formalização… Desafio identificado, a Clara apresenta conceitos naquela área e em seguida propõe situações de negócio em que o conteúdo se aplica.

 

Interface Clara

A interface de Clara (acima) reproduz uma conversa com o empreendedor e oferece diferentes caminhos, ou “jornadas”, nas quais ela oferece mentoria virtual e remota, por 29,90 reais ao mês.

“As jornadas são fictícias, mas sempre baseadas em casos reais. Temos anos de consultoria e a cada nova jornada conversamos com pelo menos cinco empreendedores para identificar os gargalos mais comuns e assegurar que as situações são próximas do que viveram em seus negócios”, conta Daniel.

Hoje há 18 jornadas. O empreendedor diz que o número está sempre aumentando, e que há, também, um fórum. “Nem tudo a Clara sabe. Então a pessoa a coloca ali qual é o seu desafio e nós chamamos especialistas ou a própria comunidade responde”, diz ele. Esses especialistas não recebem remuneração e o fórum irá basear novas jornadas automatizadas, seja mostrando quais são as principais dúvidas dos empreendedores, seja fornecendo conteúdo para que a Clara aprenda e responda sozinha aos desafios propostos pelos usuários. A previsão é que até junho deste ano nasça a primeira jornada construída 100% sobre o conteúdo do fórum.

Clara foi lançada oficialmente em 16 de janeiro, e cobra uma mensalidade de 29,90 reais, depois do primeiro mês sem taxas. Por enquanto, o acesso ao fórum é gratuito. Menos de um mês após o lançamento, a Clara já tinha trocado 250 mil mensagens com cerca de 3 000 empreendedores — poucos deles pagantes, e muitos vindos da base de seguidores da Luz.

Aqui no Draft já falamos sobre novas tecnologias e consultorias virtuais, como a Aussi. Mas, enquanto estas plataformas tiram as dúvidas de empreendedores com outros empreendedores, a Clara se posiciona como uma mentora virtual, dedicada à educação empreendedora. Para o futuro, Daniel espera que seu chatbot supere o papel educacional e torne-se tão sofisticada a ponto de ser um apoio virtual na gestão dos negócios. Ele fala:

“Já estamos vivendo o futuro, basta olhar as assistentes Siri, Cortana, Alexia. Ninguém espera que a Clara fale como uma pessoa normal amanhã, mas todos os dias damos pequenos passos nessa direção”

Ele prossegue: “Um dia ela vai oferecer o que as planilhas oferecem e será possível fazer um estudo de viabilidade econômica, acompanhar o fluxo de caixa, tudo 100% através da Clara. Isso provavelmente estará pronto no final de 2018”.

Pode parecer ambicioso, mas desde o fim de 2015 Daniel e a Luz estão trabalhando pesado para isso se concretize. Só de investimento, a Clara já consumiu 1,5 milhão de reais – 450 mil reais vindos de investidores-anjo e o restante bancado pela própria Luz. Além disso, a Luz investe cerca de 80 mil reais por mês na Clara, e quase toda a mão-de-obra da Luz hoje trabalha exclusivamente na nova plataforma – dos sete funcionários e quatro sócios, só dois se dedicam às planilhas, e apenas parcialmente. Todo o restante da equipe está focado na Clara.

DE EMPRESA JÚNIOR A UM NEGÓCIO DE 2 MILHÕES POR ANO

Em 1999, Daniel entrou na faculdade de administração da PUC-Rio com o empreendedorismo em mente. Passou pela Empresa Júnior da instituição, onde ajudou mais de 300 empreendedores a montarem seus planos de negócios, e da qual foi presidente. Depois, passou pelas áreas de vendas para Pequenas e Médias Empresas da IBM e de desenvolvimento de projetos da ASSESPRO-Rio. Nesta última, abriu um CNPJ e passou a prestar consultoria para pequenos negócios. Assim nascia a Luz Consultoria, empresa de um homem só em que Daniel ajudava na estruturação do plano de negócios e acompanhava sua aplicação durante um ano (o valor da consultoria era diluído em 12 prestações).

Em 2008, os negócios iam tão bem que ele saiu da ASSESPRO e deixou a casa dos pais. Em seguida, tomou o primeiro grande susto. “Veio a crise da bolsa, dos subprimes. Eu tinha aplicações que se desvalorizaram muito, justamente quando abri mão do salário e aumentei meu custo de vida”. Ele lembra o perrengue:

“Passei dois dias sem dormir, com uma dor de cabeça absurda. No terceiro, me toquei que eu não estava doente e que tinha condições de correr atrás. Nesse dia, virei empreendedor. Foi a primeira vez que eu senti o risco de falência pessoal”

A guinada deu certo e, depois de um ano batalhando no mercado, Daniel começou a dar consultoria para grandes incubadoras cariocas – como Shell Iniciativa Jovem, Rio Criativo e COPPE-UFRJ. O aumento na demanda o fez chamar um sócio: Leandro Borges (atual COO da Luz), que conhecia da época da Empresa Junior da PUC.

A Luz ia bem, mas era pouco escalável. Então, em 2011 tentaram um novo modelo: padronizaram os serviços em pacotes, menos customizados, e criaram um blog para fomentar a demanda. Conseguiram aumentar a escala, mas não como desejavam. O passo seguinte foi um novo teste: oferecer via e-commerce as ferramentas da consultoria (como planilhas, modelos de cartas e checklists). Deu certo. As vendas foram surpreendentes.

A esta altura, Daniel e Leandro chamaram mais dois sócios para ajudar no crescimento: Rafael Ávila (CCO) entrou em 2012 e desenvolveu melhor os produtos virtuais, e Filippo Ghermandi (CMO) se juntou ao time em 2013 para agregar à Luz sua experiência com marketing digital. O negócio deslanchou e a Luz não só conquistou a escala desejada, como passou a ter impacto em todo o Brasil e em outros países de língua portuguesa.

Os sócios mataram as ofertas presenciais e se focaram nas planilhas, que vendiam muito mais que os outros documentos. Assim, a Luz Consultoria virou Luz Planilhas Empresariais, que hoje fatura 2 milhões de reais por ano — e gera caixa para que invistam na Clara.

COMO UM APAGÃO FEZ SURGIR UM NOVO NEGÓCIO

A principal estratégia da Luz era marketing de conteúdo, ancorado no blog e em envio de e-mails automatizados, numa sequência envolvente, usando uma ferramenta internacional. Era um sucesso. Em 2014, o dólar disparou e eles mudaram para uma ferramenta brasileira, que enviou spams e os fez verem a base de assinantes cair de 300 mil para 30 mil endereços. A empresa perdeu 2/3 do faturamento e precisou demitir funcionários. “Conseguimos fechar o ano no azul, mas essa crise nos mostrou a importância da receita recorrente”, conta Daniel, que compartilhou no Medium o que o apagão lhe ensinou sobre e-mail marketing.

O trabalho de marketing teve de recomeçar do zero, e uma ferramenta interna de disparo de e-mails passou a ser desenvolvida. Com a recuperação nos trilhos, no fim de 2015 a prioridade passou a ser a receita recorrente. O que oferecer para que as pessoas paguem um valor mensal? “Percebemos que oferecer conteúdo não era apenas a nossa estratégia de marketing, era um valor. Aí resolvemos que nossa oferta seria em um produto educacional voltado para empreendedores”, conta Daniel.

Mãos à obra: eles buscaram investidores, encomendaram duas pesquisas para entender como o empreendedor brasileiro se educava e procuraram consultores em educação para validar a metodologia que criaram. Uma experiência bem-sucedida de comunicação interna com chatbots fez com que uma das premissas do novo produto fosse o caráter conversacional. Outra exigência era que possibilitasse o ensino prático. “Nossas grandes referências eram a CodeAcademy e o Duolingo, plataformas em que o usuário pratica o que aprende”, diz Daniel.

Em abril de 2016, uma versão beta da Clara foi disponibilizada para um grupo fechado de empreendedores, da base de clientes das planilhas. A primeira jornada completa da Clara foi um pequeno desastre, pois era grande demais. Daniel fala sobre o aprendizado:

“O empreendedor precisa resolver tudo para ontem. Ele não quer um MBA que dure dois anos, não quer um livro que lhe custe um mês de leitura”

Ele conta que isso também se aplica às “jornadas” da Clara, que passaram a ser cada vez menores e mais objetivas. Hoje, cada uma leva cerca de 15 minutos para ser concluída.

Hoje, a conversa com a Clara acontece por meio de opções fechadas de respostas (exceto, é claro, no Fórum), e as jornadas não são personalizáveis. Mas a Luz já trabalha para que as histórias se adaptem ao perfil do empreendedor e seu negócio. Assim, se uma empreendedora estiver abrindo uma agência de marketing digital, por exemplo, sua jornada será apresentada no feminino e considerando elementos específicos desse segmento de negócio. Em breve, também será possível fazer as jornadas da Clara pelo Facebook Messenger. Em breve, neste futuro que já chegou.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Luz Planilhas Empresariais
  • O que faz: Planilhas configuradas para gestão de negócios. Em janeiro de 2017, a Luz lançou a mentora virtual de empreendedorismo Clara
  • Sócio(s): Daniel Pereira, Leandro Borges, Rafael Ávila e Filippo Ghermandi
  • Funcionários: 11 (incluindo os sócios)
  • Sede: Rio de Janeiro
  • Início das atividades: 2007
  • Investimento inicial: não teve
  • Faturamento: R$ 2 milhões (em 2016)
  • Contato: [email protected]
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