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Metas iguais, feedback diferente: como a SAP conseguiu construir um programa focado na permanência de autistas na empresa

Marco Britto - 28 jun 2022
Eliane De Mitry, gerente de RH da SAP Brasil. (Foto: Divulgação)
Marco Britto - 28 jun 2022
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Toda empresa busca mentes brilhantes, e no caso da SAP, gigante alemã de tecnologia conhecida pelos seus sistemas de gestão, não é diferente. Para ampliar seu radar para novos talentos e tornar a empresa mais inclusiva, desde 2015 a operação no Brasil adota um programa especial para pessoas com transtorno do espectro autista (TEA), que compromete a comunicação e interação social. Indivíduos com sintomas brandos dessa condição são completamente funcionais e aptos ao trabalho, porém o preconceito mantém uma grande parcela desta força de trabalho fora do mercado.

A SAP mantém mundialmente o programa Autism at Work, iniciado em 2013 e que conta com cerca de 140 colaboradores com TEA em 13 países. No Brasil são 29 funcionários, a maioria em equipes de programação e desenvolvimento, onde a capacidade de foco e o olhar para o detalhe são pontos fortes para gerar bons resultados.

A porta de entrada pode ser tanto por meio dos programas de estágio da SAP como por contratações visando profissionais experientes. A parceria da empresa com uma consultoria especializada em processo de seleção de pessoas com TEA ajuda na triagem para apresentar o candidato certo para a vaga ideal – um ponto-chave para o sucesso do programa, como observa a gerente de RH da SAP Brasil, Eliane De Mitry.

“Temos funcionários [com TEA] de 2015 que ainda estão na empresa. O nível de retenção é bem grande. Agora em junho entrou uma pessoa com experiência no Labs [unidade da SAP em São Leopoldo (RS), focada em pesquisa, inovação e desenvolvimento]”, conta a executiva.

ATENÇÃO NA ADAPTAÇÃO DEFINE SUCESSO DO PROGRAMA

No programa Autism for Work, a preocupação em manter o funcionário é tão grande ou mesmo maior do que na hora da contratação. Na prática, mesmo que um colega que tenha TEA de forma branda não tenha sua condição identificada por companheiros de equipe, a atenção para a adaptação, e principalmente para a comunicação com esse colaborador, é central para o êxito da parceria.

A definição de tarefas bem delineadas, metas claras e feedbacks objetivos são algumas das diretrizes do programa, que prepara o gestor da área e também os colegas de equipe para receberem o novo colaborador. O funcionário com TEA que chega na empresa tem um “buddy”, especialmente preparado pelo RH, que é um colega que servirá como ponto de referência para tirar dúvidas do dia a dia, aprender como funciona a empresa e conhecer os colegas.

“Isso acontece com todos os novos funcionários e também com os colaboradores neurodiversos. Há essa preparação do buddy, do gestor também. Um tutor da consultoria especializada acompanha o profissional por seis meses. Na primeira semana, vai junto ao trabalho todos os dias para sanar dúvidas do processo. Depois, isso se torna quinzenal, mensal.”

Quando acontece de o profissional com TEA mudar de área, ou efetivar-se após o estágio, todo o processo é refeito. Os momentos de novidade e surpresa, são cuidadosamente preparados para não gerar desconforto, pois uma característica do TEA é deixar as pessoas ansiosas ao não compreenderem uma situação repentina.

“Se você não fala o trabalho exato, elas podem fazer o [serviço] delas e de outras pessoas, ou até mesmo não querer tirar férias”, observa a gerente de RH. “É uma forma mental diferente, muito objetiva e com observações brilhantes. No dia a dia, os colegas devem evitar duplo sentido e piadas. [Pessoas com TEA] podem não entender brincadeiras do dia a dia, e isso gera exclusão. Temos que prestar mais atenção a isso.”

METAS IGUAIS, FEEDBACK DIFERENTE

Metas e avaliações dos funcionários com TEA seguem os mesmos critérios do restante dos colaboradores da SAP, o que difere é a atenção à forma de comunicar resultados e críticas. Os gestores são treinados para evitar ao máximo expressões genéricas e vão direto ao ponto para que o funcionário compreenda claramente sua missão e o que é esperado dele na empresa. Nem sempre dá certo, pois trata-se de uma adaptação para todos os envolvidos, e ajustes podem ser necessários. Isso é considerado parte do processo.

“Na minha experiência, o gestor sempre fica superinteressado, quer participar e já contrata. Raramente apresentamos um segundo candidato”, afirma De Mitry, que tem 17 anos de empresa e está à frente do programa Autism for Work desde sua implantação na SAP Brasil.

Não há diferenciação salarial entre funcionários no mesmo cargo, e, em relação aos benefícios, dentro do programa de saúde mental da empresa, que oferece opções de apoio psicológico a todos seus empregados, os colaboradores com TEA têm opções customizadas para as suas necessidades. 

A SAP mantém uma postura aberta a ajudar outras empresas a implementarem programas como o Autism for Work, e a gerente de RH troca conhecimento com interessados e parceiros, oferecendo sua experiência em reuniões e palestras. Entre os erros que ela aponta, está o de não detectar com precisão as fortalezas e fraquezas ao encaminhar a contratação de um funcionário, equívoco em qualquer situação que se agrava ao envolver uma pessoa com TEA.

“Eles têm habilidades como concentração, hiperfoco, um comprometimento de começar uma tarefa e terminá-la. A área de vendas por exemplo não é indicada, ela vai ter muitos imprevistos, e a pessoa pode não saber direcionar o pensamento em momentos críticos. Avaliamos se é uma atividade que vai permitir rotina, para ter essa organização do trabalho.”

A executiva reforça a necessidade de se pensar também no entorno do novo funcionário, preparando o ambiente, os colegas e gestores para interagirem de forma produtiva. Uma atenção é necessária ao escritório, porque muito barulho e excesso de iluminação podem gerar desconcentração nesse perfil de funcionário. Porém, na experiência da SAP, as adaptações seguem um bom senso e não demandam salas especialmente designadas para esses colaboradores. 

“Com certeza temos foco em não excluir, respeitando as diferenças. É comum eles não irem almoçar em restaurantes com o time, por ser ambientes com muito barulho e gente, por exemplo”, aponta De Mitry, que explica como treina o olhar para trazer eficiência nesses processos de integração.

“Quando se fala em acessibilidade para pessoa com deficiência física, você olha para portas, piso, acesso a salas. Para pessoa com autismo, isso tem a ver com comunicação e sociabilidade, entender a forma de se comunicar e se relacionar dela, isso é acessibilidade.”

A preparação da equipe vai tratar dessas diferenças e estimular a empatia, visando também evitar mal-entendidos. É comum pessoas com TEA usarem óculos escuros ou fone de ouvido o tempo todo, para evitar luzes e as distrações de um ambiente de trabalho agitado.

Além do programa Autism at Work, a SAP desenvolve outras ações buscando uma diversidade de colaboradores, com incentivo a pessoas com deficiências físicas e visuais e a pessoas transexuais (funcionários já fizeram sua transição com acompanhamento da empresa) e, ainda, com programas dedicados a ampliar o número de mulheres e pessoas negras em cargos de liderança.

Mesmo com essa abertura na companhia, segundo a gerente de RH, há um esforço constante para atingir as cotas exigidas por lei para preencher as vagas destinadas a pessoas com algum tipo de deficiência. O motivo é conhecido no Brasil: falta de mão de obra qualificada.

Uma das iniciativas da SAP em relação a esse desafio é apostar na formação de seus colaboradores a partir de estágio. 

“No Sul, vamos contratar 30 estagiários com deficiência, para uma formação de seis meses para trabalhar na SAP, uma formação dirigida. É algo que a gente precisa sempre fazer para colocar as pessoas na empresa, e mais importante, elas ficarem, darem resultado, com salários, com direitos, engajadas. Tenho orgulho de falar que temos programas sustentáveis para o futuro, independente de cotas, de números”, afirma De Mitry.

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