Quais são as principais redes de escolas de programação do país, como surgiram e como crescem

Lívia Perozim - 19 mar 2018O nicho das escolas de programação vive boom semelhante ao das escolas de inglês nos anos 1990.
O nicho das escolas de programação vive boom semelhante ao das escolas de inglês nos anos 1990.
Lívia Perozim - 19 mar 2018
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A possibilidade de aprender como a vida conectada funciona está se multiplicando em número de escolas que ensinam os fundamentos da programação para crianças. O nicho começou a existir no mercado brasileiro em 2014 e, quatros anos depois, tem cerca de 20 marcas disputando o público infantojuvenil nas chamadas “unidades de rua”, abertas ao público em geral, e nas instituições de ensino privadas.

O potencial do empreendimento de pequenos e médios empresários dessa área vem chamando a atenção de investidores da área de educação. Em 2017, o Cel.Lep adquiriu a MadCode (os valores da operação não foram divulgados). Também não há dados consolidados sobre quanto essas escolas movimentam mas, entre as empresas que divulgam o faturamento, sabe-se que chega a 25 milhões de reais por ano.

Quem está no negócio costuma compará-lo ao boom de escolas de idiomas que o país teve nos anos 1990. Como o inglês, afirmam, a língua dos códigos será exigida no mercado de trabalho.

Do lado de quem contrata, a percepção é a mesma. De acordo com Sérgio Sgobbi, diretor de relações institucionais da Brasscom (Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia), entender linguagem de programação será requisito para todos os profissionais. “Já é a língua mais falada no mundo – e vai crescer ainda mais com a revolucionária Internet das Coisas. Do médico ao agricultor, quem quiser ser competitivo precisará de habilidades básicas em programação”, diz.

Estudos feitos pela entidade mostram que o setor de tecnologia das empresas, como conhecemos, tende a acabar ou se reduzir drasticamente. “Os conhecimentos vão se fundir. Todas as áreas terão que usar a tecnologia”, diz Sérgio.

ROBÓTICA E DRONES SÃO OS ATRATIVOS PARA A CRIANÇA

A proposta para ensinar crianças a entrar nesse mundo dos códigos é ensinar a lógica da programação para que depois os alunos sigam para linguagens específicas que queiram aplicar. Nesse momento, robótica, programação de drones, games e aplicativos são os atrativos para a garotada.

Para tornar o ensino lúdico e desafiador, as escolas usam uma versão pedagógica do Minecraft, jogo de construção adquirido pela Microsoft em 2014 e que se tornou um fenômeno mundial com mais de 100 milhões de jogadores. A ferramenta permite criar livremente, com blocos cúbicos, qualquer estrutura em um mundo virtual.

O bê-á-bá dos códigos foi possível graças ao esforço de ícones do Vale do Silício, como Bill Gates e Mark Zuckerberg que se uniram para criar, em 2013, o projeto Code.org, voltado ao estímulo do aprendizado de códigos. Os dois relataram que, se não tivessem aprendido a programar aos 13 e 12 anos, não teriam criado a Microsoft e o Facebook, respectivamente. A campanha viralizou e inspirou o atual movimento de letramento digital no Brasil.

Embora busquem se diferenciar um do outro, em comum, os líderes têm a mesma percepção sobre o futuro: por enquanto, o básico de programação deve ensinado na escola regular, por meio de escolas especializadas (como as que apresentamos a seguir). Depois, a tendência é que as instituições passem a ensinar programação por conta própria. Espera-se que ela faça parte do currículo obrigatório das escolas, como já acontece na cidade de Nova Iorque e em países como a Suécia.

A seguir, apresentamos os modelo de negócios de algumas empresas de destaque no setor.

 

1) MadCode
A MadCode é uma das redes de escolas de programação que despertou o interesse de investidores: foi adquirida pela rede de escolas de idiomas Cel.Lep, do fundo americano de private equity H.I.G. Capital, em 2017. Juntos, eles fazem parte do currículo de 60 instituições de ensino.

A aquisição permitiu oferecer a escolas particulares pacotes de ensino de inglês e programação a custos mais atraentes, aproveitando a estrutura dos laboratórios do Cel.Lep para ensinar a língua de códigos. Em comum, as marcas têm o foco no Sudeste e o modelo de unidades próprias. “Juntamos a experiência de 50 anos de marca premium, que nunca franqueou e fez as mesmas escolhas em relação à qualidade metodologia”, afirma Daniel Cleffi, cofundador da MadCode, que continua a frente da operação:

“A programação é o novo inglês”

A MadCode mira colégios e está presente em escolas do topo da pirâmide, como Eleva, do empresário Jorge Paulo Lemann, a bilíngue St. Paul’s e a religiosa Coração de Maria. Tem apenas duas unidades de rua, uma em São Paulo (aberta em 2014) e outra no Rio Janeiro (em 2015).

Daniel começou a aprender a programar e entender, minimamente, como a tecnologia funciona quando criança, aos nove anos. “Desenvolvi um raciocínio lógico que levei para vida”, conta. Na Microsoft, o administrador conheceu a educação de outros países e viu a mudança nos currículos lá fora. “Em 2014, a Inglaterra incluiu programação no currículo básico. Em 2015, foi a Austrália. A Estônia é o maior case de educação e tecnologia e começou em 1998. O Skype nasceu lá. Era um país que mal aparecia e se tornou líder em educação na Europa”, diz.

Até a venda para o Cel.Lep, a MadCode tinha impactado 6 mil alunos. Não há dados pós-expansão. O curso regular custa 298 reais por aluno ao mês. Os dados de faturamento não são revelados.

 

2) Happy Code
A escola começou em Valinhos, no interior paulista, idealizada por Rodrigo Santos, que já era da área de tecnologia e está a frente da operação desde o início, em 2015. A Happy Code se apresenta como a escola brasileira de programação com o maior número de unidades: são 91 no Brasil e 15 franquias na Europa (sendo 10 em Portugal).

Com investimento inicial de 1 milhão de reais e modelo de negócio focado em franquias, a Happy Code hoje tem 42 franqueados. O break-even veio logo no primeiro ano, segundo Walter Fernandes, diretor de expansão da Happy Code e um dos nove sócios do negócio. Em 2016, o faturamento foi de 4 milhões de reais e, em 2017, saltou para 25 milhões.

Com o crescimento, a sede da Happy Code ficou pequena e eles se mudaram para Campinas. Além do estado de São Paulo e do Distrito Federal, onde há a maior concentração de escolas, há unidades está em Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba, Recife. No Nordeste, só não estão em Natal e Maceió.

Na Happy Code há três tipos de franquias: “standard”, para capitais, “compact”, cidades de médio porte, e “smart”, para locais de 70 a 120 mil habitantes. Nos dois primeiros, a taxa é de 80 mil reais, e o investimento total é de 200 mil reais e 145 mil reais, respectivamente. Para a “smart”, é 58 a 80 mil reais. O franqueado paga 10% de royalties e 2% de marketing. O valor inclui reforma do prédio, taxa de franquia e uma reserva para o fluxo de caixa. Segundo Walter, a previsão de retorno do investimento é de 24 meses, sendo que e o ponto de equilíbrio é alcançado entre seis e oito meses.

O empresário diz que a escola atende 5 mil alunos, com idade entre 5 e 17 anos. “As aulas são semanais e têm duração de 90 minutos. Na capital, a mensalidade é de 290 reais e no interior o custo fica em 250 reais.”

 

3) SuperGeeks
Foi uma temporada de seis meses no Vale do Silício que levou os empreendedores Marco Giroto e Vanessa Ban a inaugurar uma das primeiras escolas brasileiras de computação para crianças, a SuperGeeks, em uma sala na Vila Mariana, zona sul de São Paulo.

O negócio já nasceu formatado para a venda de franquias. A procura foi melhor do que o esperado, para sorte do casal que havia empreendido anteriormente e não tinha mais dinheiro para investir. O número de novas unidades em operação, de 2015 a 2018, saltou de seis para 45 – dessas, seis são unidades próprias.

“O franqueado é o seu investidor. Para nós, era a forma mais rápida de expandir. Fomos pioneiros no ensino programação para crianças com esse modelo de rua, como se fosse um curso de inglês”, afirma Marco. Formado em ciência da computação, ele aprendeu a programar aos 12 anos, em uma escola para adultos em Assis, interior paulista, nos anos 90. Na época, o curso de informática ensinava apenas a programar, pois não existiam muitos softwares.

As franquias vão de 22 mil a 200 mil reais e cerca de 50 colégios usam o modelo da SuperGeeks, de Manaus a Porto Alegre. Ao todo, são 5 mil alunos matriculados, com idades entre 5 e 17 anos. De acordo com o empreendedor, os mais novos têm mais interesse nos games enquanto os mais velhos preferem criar sites e aplicativos. Um semestre de curso (sem material didático), custa 1.600 reais. O faturamento de 2017 somou 12,5 milhões de reais em toda a rede.

 

4) Futura Code
A instituição atende a escolas que desejam incluir a programação em sua grade curricular e tem uma vertente social que inclui parcerias com ONGs e bolsas de estudo. Com uma unidade no bairro de Perdizes, em São Paulo, e presente em quinze escolas particulares da capital, a escola formou mais de 1,3 mil alunos, do ensino fundamental ao médio, desde 2015.

O curso anual custa 3.200 reais. Nas escolas de ensino regular em que está presente, há uma variação entre 160 a 250 reais por mês, dependendo da faixa etária. O faturamento não é revelado. Ao todo, cerca de 200 alunos aprendem todo mês, por meio do jogo de construção Minecraft, robótica e programação de games e aplicativos. Parceira da Microsoft, a Futura Code prepara professores para atuarem no ensino público. Jayme Nigri, idealizador e cofundador da escola, fala a respeito:

“Já formamos 16 professores coordenadores que vão multiplicar o ensino de programação para 600 professores, atingindo 140 mil alunos”

Engenheiro, ele não tinha conhecimento nessa área quando assistiu ao famoso vídeo em que Barack Obama incentivava crianças americanas a aprender a linguagem dos códigos. “Não comprem um videogame, desenvolvam um”, aconselhava o então presidente dos Estados Unidos, em 2013.

“Esse vídeo mudou a minha vida”, conta. Em seguida, Jayme buscou um sócio na academia, o físico do Instituto de Pesquisas energéticas e Nucleares (Ipen) Mário Menezes, para criarem juntos, em 2015, a Futura Code.

Além de levar aulas de programação para escolas, a Futura Code também forma professores para o ensino público.

Além de levar aulas de programação para escolas, como na foto acima, a Futura Code também forma professores para atuar o ensino público.

O planejamento do negócio, que começou com 400 mil reais de um investidor anjo, incluía franquias, o que não ocorreu. “Mudamos muito e muitos outros concorrentes vieram”, afirma. Hoje são três sócios e eles buscam uma segunda rodada de investimento, de olho no mercado do ensino público, onde pretendem entrar em 2020.

PELA FRENTE, O DESAFIO DE FORMAR PROFISSIONAIS COMPLETOS

O Brasil emprega, hoje, 1,4 milhão profissionais no setor de tecnologia, um dos poucos que se manteve estável durante a crise, segundo dados da Brasscom. E mais: os profissionais deste ramo recebem 1,7% a mais do que a média brasileira, segundo o Caged, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados).

Apesar da atratividade de salário, a visão dos analistas é que faltam profissionais qualificados no mercado. O déficit de programadores, em 2020, será de 408 mil, aponta a Softex, a Associação para Promoção da Excelência do Software Brasileiro. Uma das razões é o fato de os empregos refletirem a febre do uso de plataformas como Uber e Spotify, que têm como base a programação. “Empresas de software passaram a empregar mais do que as de hardware. O problema é que desenvolvedor precisa ter conhecimentos, como empatia e comunicação, para criar uma interface fácil e amigável, e eles estão pouco preparados desse ponto de vista socioemocional”, afirma Sérgio, da Brasscom. Em resumo, não vai ter como escapar das letrinhas ocultas que programam tudo ao nosso redor.

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