Que tal comer alfavaca, macela, guasca, capuchinha, coração de banana, flor de dália ou folhas de açafrão? Se depender do casal Clarissa Taguchi, 39, e Diego Prospe, 32, um dia todo mundo vai conhecer e degustar pelo menos algumas dessas plantas.
Clarissa e Diego são os sócios da PANCS Brasil, empresa de Nova Friburgo, na serra fluminense, que cultiva e processa Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) para transformá-las em temperos, molhos e conservas.
Como as PANC não são produzidas em larga escala e nem encontradas em feiras livres, muita gente desconhece. Em geral, nascem espontaneamente em jardins e quintais, e são confundidas (e desprezadas) como simples mato. O casal, porém, as cultiva num sítio na zona rural de Friburgo. Segundo Clarissa, as plantas dão menos trabalho do que a lavoura tradicional, já que são espécies “acostumadas a se virar sozinhas”.
“Passamos um tempo estudando e conseguimos fazer com que algumas PANC dessem o ano todo, como a alfavaca-anis, peixinho, coentro de espinho, coração de banana e o alho silvestre”
Com preço médio de R$ 20, o portfólio da PANCS Brasil tem 20 itens (alguns sazonais), como conserva de coração de banana com folhas de açafrão, maionese de linhaça com flores de capuchinha, geleia de dália com gengibre e ketchup de goiaba com alfavaca-anis.
O PRIMEIRO EMPREENDIMENTO FOI UMA FEIRINHA DE ORGÂNICOS EM BOTAFOGO
Entre os 17 e os 27 anos, Clarissa foi ativista do meio ambiente e voluntária do Greenpeace. Se havia um congresso rolando sobre o tema, lá estava ela.
“Depois percebi que o maior responsável pelo problema ambiental não era o petróleo — embora esse também seja, olha a quantidade de plástico nos oceanos… Mas a alimentação é o problema maior.”
Na época, Clarissa vivia no Rio de Janeiro. Diz que leu “pilhas de livros em inglês e espanhol”, decorou trechos sobre agrotóxicos e, por conta própria, viajou pelo interior do país para conhecer produtores orgânicos.
Ela entendeu que a preservação ambiental só seria possível por meio de uma alimentação mais saudável. Escreveu artigos e começou a vender produtos orgânicos e agroecológicos em um imóvel no bairro de Botafogo.
“Comecei fazendo uma feirinha e aos poucos fui ampliando para um restaurante de comida viva [que privilegia alimentos crus para preservar os nutrientes]. Só que naquele momento eu queria ser mãe — e isso falou mais alto”
Em 2007 ela fechou seu restaurante, o Cia. Ecológica. E, dois anos depois, trocou o Rio por Friburgo com a ideia de criar os filhos em um lugar mais tranquilo.
ELA EMPREENDEU COM E-COMMERCE… MAS SUA PAIXÃO ESTAVA NA COZINHA
Em Friburgo, já com a primeira filha no colo, Clarissa não conseguiu ficar “parada”. Estudou sobre e-commerce, abriu uma loja online que vendia artigos para festas de aniversário e começou a dar consultoria para outras pessoas que faziam comércio pela internet. A paixão pela cozinha, porém, permanecia dentro dela.
Até que, em 2015, um agricultor que promove feirinhas orgânicas na região apresentou a Clarissa a alfavaca e a folha de cúrcuma: “Fiquei chocada quando senti aqueles sabores que eu não conhecia e pensei: será que vou voltar a trabalhar com comida agora?”.
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Do encontro com aquelas duas insuspeitas plantas alimentícias veio a ideia de voltar a empreender com alimentos, agora à frente da PANCS Brasil. E com a vantagem de não vislumbrar concorrentes num primeiro momento.
“Trabalhando com e-commerce, entendi que se um produto tem uma concorrência muito ‘fácil’ e desleal, é um mercado que se implode. Queria fazer algo que ninguém fosse ‘me implodir’ em seis meses”
O primeiro marido, porém, não achava seguro deixar o e-commerce para cultivar PANC, e o casamento ruiu. E Clarissa se descobriu sem dinheiro para tocar o negócio.
AO RECOMEÇAR, CLARISSA PERDEU DINHEIRO POR UM ERRO DE PLANEJAMENTO
Para recomeçar, ela pegou R$ 10 mil com os pais. Só que investiu mal o dinheiro: arrendou um sítio, fez algumas reformas — mas, sem um contrato bem amarrado, precisou deixar o local poucos meses depois, quando o dono quis vender a propriedade.
“Reformei salão de festas, piso, banheiro e não fiquei nem metade do tempo de arrendamento. Não deu tempo nem de começar o plantio”, lamenta. Além do prejuízo, ficou uma lição: “Trabalhando com lavoura, não se pode ter contratos de curto prazo. Não é uma casa — são colheitas que dependem de tempo.”
O lado bom da história foi que nesse ponto ela conheceu o atual marido, Diego. Vindo de uma família de agricultores, ele foi trabalhar como caseiro no sítio que Clarissa arrendara. Até conhecia algumas PANC, mas, no começo, não acreditou muito na ideia.
“Ele não enxergava as PANC como enxergamos hoje. Via como mato, uma comida que a família consumia em situações difíceis, do tipo: não dá para comprar carne, então vamos comer coração de banana”
Diego acabou abraçando a ideia. Clarissa arrendou outro sítio e recomeçou ao lado do novo companheiro. “Se hoje temos uma empresa que pode ter um escalonamento com PANC, é por causa dele”, diz. Juntos, já investiram cerca de R$ 50 mil no negócio.
A MEMÓRIA GUSTATIVA DA INFÂNCIA INSPIROU A CRIAÇÃO DAS RECEITAS
A ideia inicial era vender as PANC in natura, mas Clarissa logo entendeu que não daria certo. Além de não ter tempo de prateleira, não seria fácil de vender porque as pessoas não conhecem e não sabem usar essas plantas. E aí veio a ideia de beneficiar os produtos e transformá-los nos molhos, geleias e temperos.
Ela vestiu o avental e foi para a cozinha criar e testar as receitas. Clarissa não estudou gastronomia, mas sempre acompanhou a mãe e a avó na cozinha — e, ao longo da vida, desenvolveu o prazer da boa comida.
“Meu pai era funcionário da Varig, então viajei muito. Nas viagens, só queria comer, mas não sabia que queria trabalhar com comida. Só depois de ter filhos eu percebi que essa memória gustativa não se apaga”
A memória ajudou a criar as receitas. As primeiras chegaram à prateleira em fevereiro deste ano, após um período de testes e desenvolvimento de técnicas de processamento, criação de logomarca e conteúdos para apresentar o produto ao mercado.
Uma das dificuldades encontradas pelos empreendedores foi criar a tabela nutricional das PANC. Eles contaram com a ajuda de nutricionistas parceiros e, curiosamente, conseguiram algumas informações – como as do coração de banana — em cadernos de nutrição dos anos 1970. “Naquela época, não era PANC. Era comum”, diz Clarissa.
POR ENQUANTO, O CASAL TOCA SOZINHO A PRODUÇÃO, DE 1 400 ITENS POR MÊS
As feiras gastronômicas são o principal esforço de venda por causa do contato direto com o consumidor. “É uma forma das pessoas experimentarem toda a linha de produtos”, diz Clarissa. A PANCS Brasil já esteve presente em eventos como Junta Local, Veg Borá e Vegannezando, no Rio, além da paulistana Feira Sabor Nacional.
Por ocasião dos eventos, o casal contrata colaboradores pontuais, mas no resto do tempo eles tocam sozinhos a produção, de 1 400 itens por mês; até o fim do ano eles esperam contratar o primeiro funcionário fixo.
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Os produtos estão em 15 pontos de venda no Rio (como a Carioca Zen, no Humaitá), em Niterói e nas serranas Petrópolis e Teresópolis, além de Friburgo. Entre os mais vendidos, pesto de hortelã-pimenta com castanha fermentada e geleia de lúpulo com cebola caramelizada.
Com faturamento hoje de R$ 15 mil mensais, o negócio já atingiu o ponto de equilíbrio. Clarissa diz que tem convites para exportar, mas nenhum plano nos próximos dois anos. A meta é expandir com pés no chão. Ela já testou 50 produtos, incluindo alguns azeites, mas por causa das incertezas do mercado brasileiro prefere esperar um pouco.
“Preciso de um bom planejamento de produção de insumos. E para isso eu preciso de um ano, porque são itens que não se acha para comprar no Ceasa.”
Nossa vida ultraconectada gera uma montanha de lixo eletrônico. Diante desse cenário, Rodrigo Lacerda criou a Händz, que produz cabos, carregadores, fones e caixas de som com materiais como algodão, bambu, cortiça e grãos de café.
Os irmãos Bruno e Thiago Rosolem queriam levar mais brasilidade ao mercado plant-based, mas não sabiam como. Até que um hit de Alceu Valença trouxe a resposta: aproveitar uma matéria-prima desprezada pela indústria, a fibra do caju.
Ligia Aquino era a paciente; Mayara Boaretto, a obstetriz e herbalista. Hoje, as duas são sócias à frente da Iamaní, que cria blends de chás orgânicos para ajudar na amamentação, na TPM e na menopausa (e a melhorar o sono e o metabolismo).