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“Quando perdi meu marido, foi difícil pedir ajuda. Isso me inspirou a criar um app que estimula a formação de redes de apoio”

Manuela Schmidt - 8 jan 2021
Manuela criou o Happy Help para incentivar as pessoas a pedir e oferecer ajuda.
Manuela Schmidt - 8 jan 2021
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Sempre me senti muito livre. Muito forte. Independente. Desde cedo, resolvi embarcar numa jornada de autoconhecimento, e a partir disso, construí uma imagem autossuficiente. Mulher forte que dá conta de tudo, sabe?

Assim que terminei minha graduação em Publicidade, em 2006, me joguei para a Itália, sem falar italiano ou ter onde ficar. Essa força e essa predisposição para aventuras (somadas à sensação que trago comigo de estar no lugar certo na hora certa) me levaram a experiências pessoais e profissionais muito intensas e gratificantes.

Tive a oportunidade de trabalhar em grandes agências, para grandes marcas, e construí uma carreira da qual absorvi muitos aprendizados.

Depois de alguns anos em Roma, mudei para Londres, em 2009. Lá, me tornei designer digital. E, mesmo apaixonada pelo que faço, percebi que os valores que me movem não estavam mais compatíveis com o que eu podia entregar com meu trabalho convencional

Nesse período, uma inquietação sobre o que eu estava entregando ao mundo começou a se movimentar em mim.

EM LONDRES, CONHECI O AMOR DA MINHA VIDA E COMEÇAMOS A PLANEJAR NOSSO LAR

No meio dessa jornada profissional, na Inglaterra, conheci, em 2014, o amor da minha vida, Craig, inglês que morava em Barcelona. O ser humano mais extraordinário e amado que já tive o prazer de conhecer. Parece piegas, mas quem o conheceu entende o que estou falando. 

Estávamos vivendo uma linda história, e após um tempo de relacionamento à distância, mudei para a Espanha. Lá, embarcamos na aventura de ter uma filha sem uma família por perto 

Decidimos comprar um apartamento e, economizando muito, conseguimos comprar um “projeto de reforma” (chamar aquilo de apartamento seria muita generosidade). Tudo fluindo incrivelmente bem.

SOZINHA, SEM UMA REDE DE APOIO, DESCOBRI QUE MEU MARIDO ESTAVA DOENTE

Mas a vida tem seus meios… Duas semanas após assinar o contrato do apartamento, em 2018, veio a notícia: meu marido foi diagnosticado com um tipo raríssimo de câncer.

Sabe aqueles momentos indigeríveis? O que se segue após isso é uma sucessão de fatos. Às vezes paro para pensar como consegui dar conta — e a resposta que vem é que não tive tempo de não dar conta.

Estar sozinha, em um país estrangeiro, com uma filha de 1 ano, sem uma rede de apoio ativa próxima, tendo que lidar com coisas muito difíceis, foi a transição mais intensa e dolorosa que eu jamais poderia imaginar passar

Tudo foi muito rápido e em três meses teve seu desfecho. E logo eu, que nunca gostei de pedir ajuda, afinal sempre fui muito independente e forte, não tive tempo de dizer não.

LOGO DEPOIS DE PERDER MEU PAI PARA O CÂNCER, MEU MARIDO PARTIU

Uma onda de colaboração me envolveu. Me vi sendo amparada por amigos e pessoas com quem eu não tinha intimidade, como vizinhos, a quem em outras situações jamais pediria ajuda. 

Coisas práticas mesmo, como cuidados com a minha filha, com a casa, com o cachorro, comigo.

Como se tudo isso já não fosse o suficiente, veio outro abalo: meu pai, que já vinha em um tratamento longo contra um linfoma, teve uma piora aqui no Brasil e não resistiu.

Nem tive tempo de me despedir. Poucas semanas depois, meu grande amor também não resistiu

Dali em diante, havia um novo cenário. Muitas coisas práticas para colocar em dia e a vontade de voltar para o Brasil, para perto da minha família.

TIVE DIFICULDADE DE PEDIR AJUDA E DECIDI CRIAR ALGO QUE FACILITASSE ESSA TROCA

Foram meses entre a burocracia bilíngue e a reforma de um apartamento que era um sonho a dois — e se tornou um peso a carregar sozinha. 

Eu não podia morar naquele apartamento nem alugar do jeito que estava, mas tampouco podia voltar ao Brasil com esse projeto inacabado.

Não tive muito tempo para olhar para a dor, e nem por isso ela se fez menos presente. Mas com todas essas pendências e uma filha para cuidar, o que fazer?

Nesse turbilhão de fatos e emoções, nessa falta de tempo de viver o luto, e até uma certa recusa em receber ajuda, por estar aparentemente “lidando bem” com isso tudo, uma ideia começa a tomar forma: como facilitar o pedido — e a entrega — de ajuda entre as pessoas? 

Porque a verdade é que eu mesma não estava conseguindo lidar com aquilo tudo.

MESMO COM “SUPER PODERES”, MÃES TAMBÉM PRECISAM DE AJUDA

Uma das experiências mais romantizadas da nossa sociedade é a maternidade. 

A ideia de que toda mulher foi feita para isso, que ser mãe é fácil por causa do amor, que é possível conciliar com excelência demandas e expectativas alheias e próprias…

Precisamos falar abertamente que às vezes é difícil, sim, e volta e meia a gente se culpa por parecer que tem que deixar tarefas de lado…

Minha filha e o aplicativo que criei são minhas prioridades. Do resto eu vou correndo atrás — e confesso que isso inclui dar mais atenção à Manuela mulher (não apenas mãe ou empreendedora)

O primeiro passo para uma grande mudança é aceitar que não dá pra dar conta de tudo e que sim, a gente precisa de “tribo”, de uma vida em comunidade que funcione.

COMO DAR CONTA DE FILHA, CASA, TRABALHO E UM NOVO PROJETO?

Assim que a ideia tomou forma, ela me pareceu grande demais. 

Como dar conta do que já tenho? Ou seja, uma filha pequena, casa, um trabalho regular… E, além disso, saltar em direção a um propósito que nasceu de uma transformação profunda e que ainda mexe com tantos sentimentos…?

Normalmente, quando trabalho para uma marca, tenho um planejamento, pesquiso… Neste caso, sentei para rascunhar as páginas do aplicativo — e o rascunho trouxe a ideia pronta. 

Acredito muito no fluxo. E tudo fluiu lindamente (até um certo ponto).

O design estava pronto, o nome do projeto pipocou na minha cabeça instantes antes da apresentação para o primeiro possível investidor, que aceitou de primeira a ideia… Assim, o Happy Help virou plano real

Em março de 2020, eu estava pronta para lançar dali a um mês o aplicativo. Criei uma conta no Instagram para falar sobre o projeto.

Enquanto o aplicativo não era lançado, comecei a validar o projeto facilitando trocas uma a uma — ao contrário da proposta do app, que com uma moeda interna, os Happy Coins, permite que as ajudas aconteçam mais livremente.

O que aconteceu foi uma sucessão de conexões incríveis, uma rede de apoio que se tornou valiosa para os seguidores e para mim.

VER AS PESSOAS SE AJUDANDO FORTALECEU MEU PROCESSO DE CURA

Nossa previsão era lançar o aplicativo em abril. Acabamos lançando apenas em novembro. 

Considerando que em 2020 tivemos uma “distorção no espaço-tempo” e que de abril a outubro o mundo parou, até que não estouramos tanto assim o prazo.

Durante esses meses, as trocas que aconteceram pelo Instagram — foram pelo menos 300 publicações pedindo e oferecendo ajuda — se tornaram minha cura. 

E só percebi o tamanho da transformação pela qual passei quando, dia desses, fui ver um vídeo antigo — e comparei com o que gravei recentemente, no dia do lançamento.

Eu era outra pessoa! O Happy Help me permitiu me apaixonar de novo pela vida, me trouxe um senso de realização que não achei que recuperaria tão cedo

Ainda é só o começo, mas vejo o Happy Help no mundo todo, promovendo esse senso de segurança que sentimos quando chegamos a um lugar novo e temos alguém em quem confiamos esperando pela gente.

É PRECISO ENTENDER QUE AJUDA NÃO É CARIDADE, ALGO FEITO POR PENA

Claro que há desafios. Muitos. Um dos mais recentes foi justamente decidir se deveria ou não contar a história, por inteira, de como nasceu a ideia do Happy Help (de novo, bateu aquela questão de não parecer frágil, um medo da vulnerabilidade).

Outro desafio é a criação de cultura: como agregar nas pessoas a sensação de se sentir entre amigos dentro do aplicativo?

Nossa missão é fazer com as pessoas não relacionem a ajuda como algo feito “por caridade”… Ajudar é querer estar disponível para o outro, ressignificando o valor do trabalho e do tempo, e se permitindo experienciar vivências pelas quais você provavelmente não pagaria e nem disporia de tempo para usufruir

É disso que se trata o Happy Help. O que sinto é uma grande transformação em mim, muito maior do que eu poderia sequer sonhar.

A ENERGIA QUE COLOCO NO PROJETO ESTÁ ME AJUDANDO A SUPERAR A DOR DO LUTO

Acredito muito na mudança que cada um pode fazer para um mundo melhor. Por isso fica o convite: você já se permitiu olhar para os pontos em que precisa de ajuda? Já foi generoso ou generosa  e percebeu o quanto tem para oferecer? É tudo uma questão de equilíbrio.

Claro que eu sonho em ver esse projeto ganhando o mundo. Mesmo assim, o que já aconteceu até aqui, comigo e com quem se envolveu, é motivo para muita comemoração.

Poucos dias após o lançamento, já éramos centenas de pessoas dentro da plataforma, dizendo: “Ei, estou disponível e muito feliz em poder ajudar”. Hoje são cerca de 650 usuários. Uma rede de apoio incrível!

Ter um sonho maior do que minha dor vem sendo a saída para ressignificar a minha história. E, de quebra, transformar positivamente a vida de muita gente.

 

Manuela Schmidt, 36, é formada em Publicidade pela Unisul, com mestrado em Direção Criativa – Design Gráfico pelo Instituto Europeo di Design de Roma, e certificação em Empreendedorismo pela Harvard BSO. É fundadora do aplicativo Happy Help.

 

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