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Quantos roteiros e personagens históricos negros você conhece em sua cidade? A Black Bird quer ampliar essa visibilidade

Dani Rosolen - 18 jan 2021
Luciana e Guilherme, sócios da Black Bird.
Dani Rosolen - 18 jan 2021
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Em outubro de 2020, 14 pessoas participavam de um roteiro guiado pelo centro de São Paulo, quando se viram constrangidas por uma ação da PM, que passou a acompanhar o grupo de perto.

A desconfiança policial estaria ligada à temática do passeio, organizado pela Black Bird, empresa de walking tours sobre a cultura e a história negra.

O fundador Guilherme Dias, 35, estava à frente daquele grupo. No começo, ele achou que a ação tinha relação com a pandemia, uma tentativa de evitar aglomerações. Essa impressão logo se desfez:

“Era época de eleições e, quando passamos por outros grupos maiores fazendo campanha, muita gente sem máscara, e mesmo assim a polícia continuava seguindo a gente, entendi que existia ali uma questão de racismo estrutural”

Combater o racismo (aberto ou velado) por meio da cultura é parte da missão da Black Bird. Em dois anos de atividade, foram cerca de 200 walking tours realizados em duas cidades (São Paulo e Salvador), atendendo mais de 1 000 pessoas, além de empresas como B3, Bradesco, Selo Eu Reciclo, Sesc e Mattos Filho.

O AFROTURISMO NÃO É NOVIDADE, MAS AINDA TEM MUITO ESPAÇO PARA CRESCER

O afroturismo — ou turismo afro-referenciado — não é uma novidade.

“Desde 2007, a Rota da Liberdade leva pessoas para conhecer quilombos do interior paulista”, diz Guilherme. “Em Salvador, desde 2009, a Afrotours faz excursões para terreiros. E antes, já existiam outras empresas e pessoas fazendo.” 

Guilherme é jornalista. Ele e a sócia, a relações públicas Luciana Paulino, empreenderam a Black Bird movidos por um incômodo em comum: a falta de representatividade das pessoas negras no setor de turismo.

“Os consumidores negros movimentam 1,8 trilhão de reais por ano só no Brasil. Isso mostra o quanto as pessoas negras têm grana para consumir. Mas nem sempre destinam esse dinheiro ao turismo porque existe, digamos, uma barreira psicológica de achar que viajar não é para elas”

Esse cenário, diz o empreendedor, está em transformação. Guilherme acredita que nos próximos dez anos o turismo irá passar por uma revolução como a que o setor de beleza viveu com valorização dos cabelos e da pele negra e a criação de mais produtos para essa população.

“Nos Estados Unidos, isso já é consolidado, e grandes empresas fazem viagens para destinos da diáspora africana, como o Brasil. Os norte-americanos negros são conscientes, no sentido de só consumirem de empreendedores negros nessas viagens.”

EM SÃO PAULO, OS PASSEIOS ACONTECEM NO CENTRO, BIXIGA E BARRA FUNDA

Para empreender, Guilherme e Luciana investiram inicialmente 10 mil reais. Na hora de batizar a empresa, pinçaram o título de uma canção de Nina Simone.

Os passeios têm cerca de 3 horas de duração e percorrem, em média, 3,5 quilômetros. Na capital paulista, são três roteiros. 

A Caminhada São Paulo Negra começa na Praça da Liberdade e termina na República; guias informam sobre lugares importantes da história dos negros, como a Igreja Nossa Senhora Rosário dos Pretos e o antigo Pelourinho.

“Não falamos só sobre o passado, mas sobre o presente e o futuro. Contamos sobre personalidades negras como o jornalista, advogado e patrono da abolição Luís Gama e a escritora Maria Carolina de Jesus. E há uma parte lúdica, em que abordamos ritmos musicais da cultura negra e damos uma aula de samba rock”

Outro roteiro paulistano é a Caminhada Bixiga Negra, que começa na escola de samba Vai Vai e passa por pontos como o instituto afro religioso Ilê Ase Iya Osun do Pai Francisco e a Casa de Capoeira do Mestre Ananias.

Há ainda a Caminhada Barra Funda Negra, que visita locais como o Aparelha Luzia, a escola de samba Camisa Verde e Branco e o antigo Largo da Banana.

EM SALVADOR, O FOCO É A REGIÃO DO PELOURINHO E A FERROVIA

Guilherme mora em São Paulo há mais de dez anos (é natural de MT), mas diz que passa pelo menos três meses por ano em Salvador desde 2017. Com parceiros locais, a Black Bird viabiliza dois roteiros na capital baiana.

A Caminhada Salvador Negra passa pelo Pelourinho, Museu Afro, Igreja Nossa Senhora Rosário dos Pretos, entre outros, discorrendo sobre o período da escravização, a capoeira, religiões de matriz africana, blocos afros…

“Nossa história é muito oral, temos pouco livros e documentos com esses registros. Então é importante manter essas histórias vivas. Por isso, sempre falamos para o nosso público que eles saem dos tours com essa responsabilidade, de repassá-las adiante”

O roteiro Suburbana Tour mostra o Subúrbio Ferroviário de Salvador, começando pela Feira de São Joaquim, passando pelo trem do subúrbio até a plataforma, com vista ao Acervo da Laje e almoço no restaurante Boca de Galinha, além de uma travessia de barco até a Ribeira.

Tanto em São Paulo como em Salvador, os roteiros incluem paradas em restaurantes e estabelecimentos de proprietários negros, a fim de fomentar o afroemprendedorismo. Os valores da caminhada são de 50 a 60 reais (com refeições à parte).

A PANDEMIA CANCELOU OS PASSEIOS E LEVOU OS SÓCIOS A BUSCAR ALTERNATIVAS

O coronavírus paralisou as atividades da Black Bird entre março e setembro de 2020.

O baque foi grande. A empresa tinha entrado na programação do Sesc em São Paulo e os sócios estavam animados pela perspectiva de oferecer os roteiros em diferentes unidades.

Havia também a expectativa de receber um grupo de estudantes afro-americanos, que viria a São Paulo em março por meio de parcerias com universidades dos Estados Unidos. A viagem, diz Guilherme, foi cancelada após a confirmação do primeiro caso de contaminação pelo coronavírus no Brasil. 

“Ainda não estávamos entendendo a grandiosidade [da pandemia], então, quando eles cancelaram [o passeio], parecia uma reação exagerada… Mas dez dias depois, entendemos que aquele cancelamento seria mais um em meio a uma série de outros”

Os sócios chegaram a criar uma versão online do walking tour, mas nem insistiram na divulgação por entender que a atividade, claro, perde demais se não for presencial. 

De mãos atadas, a dupla aproveitou para ajeitar a contabilidade, estudar novos roteiros e pensar em editais, até poderem voltar a circular novamente.

APÓS O CONSTRANGIMENTO, A PM FOI CONVIDADA A PARTICIPAR DE UM TOUR

O primeiro passeio após sete meses de pandemia foi aquele de 24 de outubro, quando ocorreu a ação policial. Os PMs acompanharam o grupo durante 3 horas (o fato foi noticiado, três dias depois, pela Folha de S.Paulo).

Antes da pandemia, durante uma “aulinha” de samba-rock na Caminhada São Paulo Negra.

“A inteligência da polícia disse que identificou nossa atividade como uma manifestação, talvez pelo nome Caminhada São Paulo Negra”, diz o empreendedor.

Guilherme conta que tentou mostrar o CNPJ e o Cadastur [documento emitido pelo Ministério do Turismo] da empresa. “Mas eles não deram atenção… E disseram que precisavam nos acompanhar durante todo o trajeto.”

Os sócios moveram uma ação indenizatória, na defensoria pública, pelo constrangimento e tomaram medidas para ter acesso ao ofício com a ordem para seguir o grupo; há uma investigação em andamento. Mas também fizeram um convite:

“Tentamos fazer uma aproximação: em vez de ‘criminalizar’, a PM deveria fazer o tour. E no dia 11 de dezembro, 23 policiais fizeram a caminhada. Foi uma ação piloto, queremos transformá-la em política pública da Polícia Militar”

Segundo Guilherme, muitos policiais demonstraram interesse durante a caminhada; outros, porém, pareciam só cumprir um protocolo. E nenhum admitiu que houve racismo na ação.

PARA 2021, NOVOS ROTEIROS EM SALVADOR E UMA VIAGEM A PALMARES

Depois do último passeio (em 19 de dezembro), as atividades da Black Bird em São Paulo serão retomadas dia 25 de janeiro. Os sócios estudam um tour pelo Grajaú e pelo Campo Limpo, bairros periféricos de São Paulo, mas só a partir de março.

“Queremos mostrar a potência de locais geralmente tidos como pobres e violentos, destacar suas potencialidades, a cultura, a efervescência e falar da história”, diz Guilherme.

Em Salvador, os passeios recomeçaram no último dia 10. E há novidades previstas para o verão.

“Faremos dois novos tours. Um chamado Passar uma Tarde em Itapuã, um bairro muito preto em Salvador, com blocos afro, a Lagoa de Abaeté, onde lavadoras negras trabalhavam e hoje é usada por pessoas de religião de matriz africana. O outro tour será pelo bairro de Pirajá. Vamos levar as pessoas para espaços de terreiro e de natureza”

A Black Bird também planeja uma viagem para União dos Palmares, em Alagoas, onde ficava o Quilombo dos Palmares (e hoje funciona o Parque Memorial Quilombo dos Palmares). 

A viagem (já realizada em 2019, e cancelada em 2020 por conta da pandemia) deverá ocorrer em novembro, Mês da Consciência Negra, entre os dias 13 e 17.

MAIS DO QUE APORTE, ELES QUEREM FIRMAR PARCERIAS COM GOVERNOS

Hoje, Guilherme e Luciana buscam investimento para capilarizar a atuação em outras regiões, mas querem “provocar” os governos a entender a importância do afroturismo.

“Em Salvador, por exemplo, o afroturismo não é trabalhado em toda sua potência. A prefeitura lançou em 2020 uma licitação de plano de turismo afro, com financiamento do BID. Aqui em São Paulo, temos feito também essa provocação”

Uma iniciativa da Black Bird nesse sentido foi ajudar a criar a Rede de Afroturismo. 

“Percebemos que poderíamos nos fortalecer como fazem as associações de turismo LGBTQIA+, que têm uma causa pautada no turismo há mais tempo. Os hotéis se preparam para receber esse público, a cidade se prepara… Queremos que isso aconteça também com os turistas negros.”

DRAFT CARD

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  • Projeto: Black Bird Viagem
  • O que faz: experiências turísticas baseadas na cultura e história negra
  • Sócio(s): Guilherme Soares Dias e Luciana Paulino
  • Funcionários: 6
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2018
  • Investimento inicial: R$ 10 mil
  • Faturamento: Não informado
  • Contato: [email protected]
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