O movimento Slow Beer nasceu na década de 70, quase ao mesmo tempo que seu parente mais famoso, o Slow Food. A ideia era parecida: dizer que a cerveja não é essa bebida de pouco valor que a gente toma às goladas para esquecer um dia duro, mas algo bastante apurado e que merece ser aproveitado com toda a pompa. O Slow Beer acabaria popularizando de uma arte bem antiga, que surgiu há pelo menos 5 mil anos entre os povos que ocupavam a Mesopotâmia: produzir cerveja artesanal. Algo que, no Brasil, só virou moda a partir da virada para o século 21.
Já a paixão que Bruno Schwinn, 26, nutre por esta bebida fermentada foi despertada quando ele fazia um mochilão pela Europa em 2008, aos 19 anos. Na época ele morava nos Estados Unidos, onde quem não tem 21 anos precisa se esconder para poder beber, ele fez uma promessa a si mesmo: provaria uma cerveja por dia durante os 41 dias de Velho Continente. “Me lembro de uma noite na Islândia em que, já na cama, me dei conta que não tinha tomado a minha cerveja diária. Levantei, coloquei uma roupa e fui até um mercado para cumprir o pacto”, conta ele.
Quando voltou da viagem e se instalou novamente no Brasil, já estava com o pensamento fixo de que transformaria seu fascínio pela cerveja em um negócio. Porém, não fácil chegar à ideia da Barco, empresa que comercializa cervejas artesanais de produção terceirizada e criou um modelo de negócios inovador — no qual clientes degustam e ajudam a decidir qual cerveja será produzida e comercializada. Já formado em administração de empresas, Bruno trabalhava na Câmara Americana de Comércio de Porto Alegre (AmCham) e não se identificava a maioria das companhias com as quais tinha de lidar pelo emprego. Outras, como a Natura e a Localiza, o impressionavam positivamente. “Eu queria pegar os pontos altos dessas empresas e aprender com os pontos baixos que eu via nas outras para montar o meu negócio dos sonhos”, diz Bruno.
Enquanto trabalhava na AmCham, preparava-se para o salto que viria. Até passar por Dublin, onde foi a um bar com mais de mil rótulos expostos, ele não conhecia o mundo das cervejas artesanais — menos ainda, no Brasil. Começou a pesquisar e tomar pé de um movimento que já se alastrava e ganhava adeptos. Também foi se informar sobre maneiras de empreender sem repetir os padrões que ele não gostava nas empresas tradicionais da Amcham: “Eu não sabia exatamente o que deveria fazer. Em 2011, me inscrevi no curso de Empreendedorismo Criativo da Perestroika. Lá, descobri o conceito de crowdsourcing, que é obter serviços e ideias a partir da colaboração do grande público”.
Nesta época, ele descobriu a carioca Camiseteria, que ajuda designers de todo o Brasil a terem suas criações de estampa comercializadas por meio de uma votação aberta ao público no site. Daí, se deu conta de que os cervejeiros caseiros tinham uma demanda parecida, queriam romper a barreira do artesanal e vender seus produtos em lojas ou mercados, mas não conseguiam por causa da burocratização que o processo envolve. “Pensei em usar esses caras como a Camiseteria usa os designers. Mas nosso recebimento das cervejas não poderia ser online, via e-commerce”, lembra ele. Foi quando veio a ideia inovadora. Aquela faísca que faria o barril explodir.
AO ATACAR UM PROBLEMA, ELE ENCONTROU DUAS SOLUÇÕES
As coisas começaram a tomar forma quando Bruno concebeu um evento periódico como primeira solução para o modelo de negócios que estava elaborando. O Beermatch é um concurso entre cervejeiros artesanais que decide, por meio de votação dos convidados presentes, qual das marcas deverá ser comercializada pela Barco – a empresa de Bruno, veja só, não produz cerveja, apenas incentiva e fomenta o mercado para o qual irá vendê-las. Com esta solução, o investimento inicial seria baixo, já que não envolveria a montagem de uma planta industrial. A principal vantagem é que Bruno poderia fazer o que sempre quis, isto é, popularizar boas cervejas que quase ninguém conhecia.
A primeira edição do Beermatch aconteceu em março de 2012, no salão de festas do prédio de Bruno. “Era uma boa forma de unir produtores artesanais que faziam bebida de qualidade a cervejarias que tinham um maquinário muitas vezes ocioso por falta de cerveja para produzir”, afirma. Santiago Sosa, que se tornaria o primeiro sócio, aceitou na hora o desafio de colocar três de suas criações na competição. Cinquenta amigos de Bruno formavam o grupo de avaliadores, que davam notas de 1 a 5 a cada bebida. Sim, todos bebiam. Sim, todos se divertiam. Sim, todos saíam dali como potenciais compradores da marca escolhida, além de espalhar a notícia para suas redes pessoais. O barco começava a navegar.
A vencedora do primeiro dia foi a King & Queens, primeira marca comercializada pela Barco. Segundo o modelo, o produtor artesanal ganha um valor fixo, que depende do tamanho do lote fabricado. O valor do ingresso para participar do Beermatch varia. “Ainda não chegamos em um preço ideal, no primeiro não cobramos, depois pedimos 30 reais e no último, 75”, conta o empreendedor. Nove meses depois do primeiro “match”, foi realizada a segunda edição. O intervalo entre os eventos vem diminuindo para cerca de quatro meses e eles contam, em média, com 100 convidados e seis cervejas para serem provadas.
Em agosto daquele ano de 2011, Bruno deixou a Amcham para se dedicar inteiramente à criação da nova empresa que pretendia desenvolver e abrir. Até maio de 2013, ele trabalhou sozinho. Tinha 30 mil reais guardados e investiu a metade no negócio – comprando do produtor o primeiro lote da King & Queens — e seguiu, contrariando a cartilha que estudara:
“Me lembro de um professor na faculdade que dizia que ninguém ali iria conseguir abrir um botequinho na esquina com menos de 200 mil reais”
Por conta própria, Bruno fazia marketing, contato com produtores, com os bebedores de cerveja (os cervejeiros) e a prospecção de novos lugares interessados em vender o produto. No começo é aquela coisa de empreendedor tentando fazer o negócio virar: ele insistia para a família e os amigos comprarem a bebida.
QUANDO O SEU PIOR MOMENTO ACABA TE FAZENDO ACERTAR
Ele levaria as coisas assim até enfrentar um revés, em março de 2013, que quase o fez desistir. Voltando do Festival de Cerveja de Blumenau (SC), ele capotou o carro que servia como transporte das mercadorias. Bruno desanimou: “Pensei: está tudo horrível, a empresa não se paga, faço tudo sozinho e ainda bato o único meio de transporte que tenho”.
Quando recebeu os 35 mil reais referentes ao seguro do automóvel, ele cogitou comprar outro carro. Mas acabou optando por… contratar mais gente para ajudá-lo a fazer a empresa dar certo. Ele conta:
“Aprendi que é exatamente no momento em que você está a ponto de desistir que, se continuar, seu negócio vai deslanchar”.
Até hoje Bruno enfrenta momentos de fraqueza e medo, nos quais pensa em jogar tudo para o alto porque o processo de crescimento de uma empresa nova e inovadora é lento e difícil. Mas entendeu que é preciso ser persistente se acredita que um negócio pode dar certo.
No seu caso, significa que entendeu a necessidade de sair por aí vendendo suas cervejas e que, para isso, precisaria de ajuda e apoio comercial. A equipe cresceu para 10 funcionários, entre eles quatro que se tornaram sócios do empreendimento, além de gente especializada em venda, marketing e design de produto.
Esta guinada ao profissionalismo rendeu o surgimento de duas linhas de produtos: a All Day, de cervejas mais leves e de maior aceitação, e a Beermatch, das bebidas que tinham ganhado as competições. A Barco também resolveu fechar acordos comerciais com as produtoras Saint Beer e Rasen Bier, uma em Santa Catarina e a outra em Gramado. Hoje, as cervejas representadas de Bruno estão presentes em 12 estados.
Demorou um ano e meio para a Barco parar de dar prejuízo. Atualmente, a cervejaria comercializa sete cervejas em cerca de 800 pontos de venda no Brasil — cerca de 21 mil litros por mês. Entre elas está a Viúva Negra, que ganhou medalha de ouro no Concurso Nacional da Cerveja em Blumenau no final de março. Para 2015, o grupo de empreendedores espera triplicar o faturamento de 2014, adquirindo pontos de venda em redes de supermercados, clubes de cerveja por assinatura e mais bares – além de lançar ao menos outras seis cervejas. Recentemente, também começaram a vender barris de chope, uma novidade que oferece um aumento considerável de volume de venda.
Eles também olham para fora: pretendem acionar pontos de venda no Chile e México, além de avançar com a ideia de fazer uma edição do Beermatch nos Estados Unidos. Bruno fala do seu aprendizado:
“O espírito de compartilhamento da empresa é muito importante para o negócio. A Barco não é minha, é de todo mundo que vem para trabalhar com a gente. Tudo parte de se cultivar uma empresa legal de trabalhar”
Ele acredita que a sua galera é muito mais estimulada por este ideal do que pelo retorno financeiro. Claro, uma coisa puxa a outra. Vamos abrir uma cerveja para conversar mais sobre isso?
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