O sobrenome dele é “DoRio”. E quem é da gema conhece bem pelo menos uma de suas criações: o Caroline Café, a boate Melt, a cervejaria Devassa, e a pizzaria Vezpa. Abençoado por Deus e empreendedor por natureza, Marcelo DoRio respira novidade. Mas desta vez, seu novo empreendimento nada tem a ver com a noite carioca: chama-se Graava, uma câmera de bolso que não só filma, mas edita as melhores imagens para você.
Nascida e criada na Califórnia, a Graava conta hoje com 10 funcionários, e deverá ter 30 até o final do ano – todos engenheiros. Toda parte de hardware é terceirizada em Taiwan. O produto foi lançado em agosto passado, está em fase de “pre-order” e chega aos consumidores em janeiro do ano que vem. Por 249 dólares ela é todinha sua. A repercussão de seu lançamento gerou mais de 400 reportagens na mídia mundial, incluindo os principais veículos dos Estados Unidos, como New York Times, Wired e Fast Company.
Em 2013, Marcelo mudou-se com a família para o epicentro da inovação tecnológica, o Vale do Silício. A ideia era dar uma desacelerada no ritmo de vida e fazer alguns cursos, incluindo o de venture capital. Em dois tempos, tornou-se conselheiro da Bay Brazil, uma organização que une talentos brasileiros a empresas da região. Em um dos eventos promovidos por eles, ele foi o principal palestrante. Em sua fala, mencionou ser “angel investor” (investidor anjo) e, como era de se esperar, foi abordado por diversas pessoas com projetos de peso. Tornou-se conselheiros de algumas startups, mas a Graava foi amor à primeira vista.
Tudo começou com o também brasileiro Bruno Gregory, engenheiro de ciência da computação – o hardware já existia e a sua idéia era criar uma câmera de segurança. Ele sofreu um acidente de bicicleta e percebeu que uma câmera naquela hora teria respondido a várias perguntas. “Não só eu quis investir naquele projeto, como quis fazer parte dele”, diz Marcelo, que conta também com o terceiro sócio, Marcio Saito. “Gradualmente, a Graava virou meu trabalho de tempo integral.”
UMA CÂMERA CAPAZ DE EDITAR O MATERIAL BRUTO
Animado, ele participou do road show em busca de investidores e começou a pensar em conjunto numa forma de tornar a câmera em um produto vendável. “Comprei todas as câmeras imagináveis do nicho e analisei cada uma”, conta ele. E ai veio a ideia, o problema, que é justamente o diferencial aqui: qual é o problema de quem filma? Resposta: as horas de imagens que ninguém tem tempo de ver ou editar. “Sempre sonhei em ter alguém para me entregar o filme pronto. A idéia da Graava é essa: ela faz esse trabalho pra você”, diz.
Marcelo explica que a memória da Graava funciona como o cérebro humano: quando você pensa no seu aniversário do ano passado, na verdade você se lembra de alguns pontos: o beijo de um amigo ou a hora do bolo. “Achamos que temos o filme todo na nossa mente, mas na verdade temos flashes – claro, os mais importantes”, diz. Estes momentos são armazenados em nossa memória por meio de nossos sentidos. “A idéia da Graava era emular estes sentidos com sensores como GPS, microfone e até monitor de batida cardíaca.”
Ao andar de bicicleta, por exemplo, a Graava capta as aceleradas e as curvas – sim, ela tem giroscópio. “Estes sensores se falam via algoritmos e sabem que os marcos são momentos relevantes no filme. O usuário então escolhe o número de minutos que ele quer, e a câmera edita”, conta Marcelo, com entusiasmo quase infantil. A Graava usa inteligência artificial e a informação dos sensores para editar automaticamente as melhores cenas gravadas. Ela se conecta via Bluetooth em seu aplicativo, onde fica a biblioteca de imagens, que são armazenadas em nuvem e, por isso, também se conectam ao computador. E, para ter certeza de que uma cena seja incluída, basta falar “grava!”. Ele fala a respeito:
“O projeto parece algo fantástico, mas na verdade é muito simples: colocamos todos elementos juntos. Somos mais uma empresa de software do que hardware”
Morar no exterior não é novidade para o empreendedor. Formado em música, ele tocou com Sidney Magal por dois anos, apesar de seu negócio ser rock. Era menino, tinha 18 anos, e foi nessas que juntou o suficiente para embarcar para Nova York, no final de 1988. Queria ser um pop star. Passou cinco anos na cidade, estudou inglês, trabalhou como garçom e comprou um baixo com o dinheiro que fez. Como todo bom nova-iorquino, mudou de apartamento algumas vezes até morar com uma então amiga que precisava de um roommate. Ela era inglesa, seu nome era Caroline. De roommate virou namorada. E de namorada virou o nome de um dos lugares mais concorridos da noite carioca: o Caroline Café.
EMPREENDEDOR SERIAL, ELE FOI DO TRADICIONAL AO TECH
Foi este o primeiro empreendimento que Marcelo abriu no Rio ao deixar Nova York. A namorada foi morar em Londres, eles terminaram, mas trocavam cartas. “Este bar me ensinou o que é ter um negócio – eu tinha um sócio que era ótimo na parte administrativa, e eu tocava a parte mais lúdica: música, menu, decoração. Todos os meus empreendimentos sempre estiveram ligados à música, ao lado artístico e à capacidade de entender as pessoas. Foi assim com o Caroline, com a Melt e com a Devassa”, diz ele.
O conceito da Devassa veio com a vontade de fazer uma cerveja “ale tropical” no Brasil, um país onde se achava apenas pilsner. Sua paixão pela cerveja sempre existiu, o próprio Carolina Café oferecia 30 variedades. Mas um dia Marcelo entrou num pub irlandês em Nova York e viu uma garrafa da cerveja Xingu. Adorou a ideia de um produto que traduzia bem o Brasil. Resolveu bolar a sua, e para isso criou um bar, que nas palavras dele, “era uma coisa que ele sabia fazer.” A idéia era proporcionar um ambiente de experimentação, da mesma forma que as Nike Stores faziam com seus produtos. “A decoração da Devassa parecia uma pequena fábrica de cerveja. No começo, a gente terceirizava a produção. E quando abrimos a filial do Leblon o negócio estourou. Deu muito certo”, conta.
Tão certo, que ele vendeu o Caroline Café e a Melt, um outro empreendimento noturno de sucesso no Rio, e dedicou seu tempo à Devassa: criou uma fábrica de cerveja exclusiva para a marca. Slogan? “Aqui se faz, aqui se bebe”. Os nomes das cervejas não poderiam ser mais brasileiros: loira, ruiva, sarará, morena. O sucesso foi meteórico: em 2001 ele inventou a fórmula da bebida, lançou em 2002 e vendeu para a Schincariol em 2007, já com 18 bares. “Apesar de gostar das minhas criações, sou desapegado. Gosto da inovação”, conta. E parte para outra.
Por dois anos, Marcelo ajudou os novos donos na transição da Devassa e fundou uma empresa para auxiliar a Schincariol a gerenciar as diversas franquias – hoje são mais de 50 pelo Brasil. Cansou? Não. A esta altura ele estava criando a Vezpa, outra ideia nascida em Nova York: um lugar para vender pizzas em fatias, ali no balcão. E o empreendedor levou a sério a inspiração: até o PH da água da pizzaria é igual ao da água de Nova York. Mesmo morando na Califórnia, ele ainda é sócio acionista da Vezpa – até o final de 2015, a cadeia chegará a 13 lojas no Rio.
OS APLICATIVOS SÃO APENAS VIRTUAIS
Marcelo acredita que empreendedorismo não se aprende na escola. “O empreendedor é um inquieto. As ideias ou interesses ficam na minha cabeça até eu tirá-los de alguma forma. Não importa quantos nãos escutamos, o quão difícil ou distante aquela idéia pareça ser. Nos colocamos à disposição para aquele objetivo”, diz. Em seguida, num exercício mais atento de olhar para si, ele identifica como uma de suas virtudes a capacidade de ler as pessoas. “É importante selar bons relacionamentos e fazer com que todas se sintam parte do projeto”, fala, e prossegue:
“No empreendedorismo e na inovação há espaço para errar feio. Mas quem se baseia apenas em pesquisa corre o risco de ficar na mesmice, porque aquele caminho já foi trilhado de alguma forma”
Ele explica isso na prática. “No caso da Graava, todo mundo falava: vocês já têm um software incrível, para que fazer um hardware? Faz um aplicativo e pronto!”, conta. “Fazer só o aplicativo parecia muito mais rápido, barato e certeiro. Mas eu comparei esta estratégia com a da Devassa: quando abrimos a empresa, só oferecíamos chopp. Era muito mais lucrativo, muito mais gostoso, muito mais fácil de distribuir – até o chopp era muito melhor. Mas quando personificamos a marca com uma garrafinha, e a imagem de uma pin up girl, o sucesso foi estrondoso – a garrafinha foi o nosso hardware”, afirma. “Lançar a câmera fez isso – as pessoas querem tocá-la. Aplicativos são apenas virtuais.”
Ao pensar numa nova idéia, Marcelo é otimista. “Claro que todo mundo tem medo de arriscar. A ignorância me protege um pouco: eu não consigo enxergar o tamanho do risco. Tendo a acreditar que a coisa vai dar certo. Lógico que você tem de ser maleável, não se pode agarrar a fazer algo acontecer apenas de uma única forma. Temos que apontar no meio, apontar alto, e arranjar o caminho para chegar lá” diz ele, que também já foi empreendedor e consultor Endeavor.
Além da veia-business, Marcelo separa um tempo para correr e para participar da vida dos filhos. De certa forma, ele também inovou na vida pessoal: ainda no Rio, converteu-se ao judaísmo, religião com a qual sempre teve afinidade. Mas não parou por aí: foi um dos colaboradores e até presidente do Midrash, um sofisticado centro cultural no Leblon, liderado pelo rabino Nilton Bonder. Quer mais? Marcelo acaba de anunciar seu investimento em uma nova agência de publicidade, a Lent/Ag, criada em outubro no Rio de Janeiro por Michel Lent e Liliane Badaró. Até a publicação deste texto certamente ele já vai inventado alguma outra coisa. Fique atento.
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