por Ariane Noronha
As palavras não são suficientes para expressar o que é, de fato, estar imersa em uma cultura diferente, respirar outro idioma, conhecer pessoas de vários cantos do planeta.
Como o inglês é poderoso! A ideia pode parecer pífia para quem tem recursos financeiros e facilmente viaja de um país para o outro. Só que para muitos, vindos de escolas públicas como eu, ir para o exterior é um sonho distante
Não fui incentivada a fazer intercâmbio. Aliás, até meus 23 anos, não tive referência de amigos ou familiares que sequer tinham ido para fora passear.
Criei a Soul Bilíngue em 2018 para oferecer a outros jovens tudo o que eu queria ter tido quando ainda cursava o ensino médio: informação, incentivo, preparo para realizar um intercâmbio.
Eu vim de escola pública. No Brasil, 85% dos estudantes frequentam a rede pública de ensino e a grande maioria dos alunos tem menos de duas horas de aula de inglês por semana, segundo dados do British Council (2015). Essa era a minha realidade.
Consegui pagar alguns cursos de inglês quando trabalhei como recepcionista de um shopping, aos 15 anos, e foi o que me ajudou a ter uma base de gramática. Estudei muito sozinha para alcançar meu intercâmbio
Na Soul temos mais de duas horas de inglês por semana e ainda facilitamos viagens aos participantes para estudar inglês fora e imergir em outra cultura em parceria com empresas de educação e agências de intercâmbio que acreditam na nossa causa.
A gente mostra para o jovem que o mundo também pertence a ele. Que ele pode sim sonhar e realizar. Que tudo é transformador. Mais do que contar a eles sobre minha experiência, eu quero que eles vivam!
Morei por um ano e seis meses no estado da Virgínia, nos Estados Unidos. Fui por um programa de babá que conheci, por uma amiga de infância, aos 23. Morei com uma família americana, cuidei de três crianças lindas e tive a oportunidade de fazer cursos na área de Comunicação em universidades lá fora.
“Transformador” talvez seja a palavra que resume o período em que estive fora. O mais interessante de tudo o que vivi foi como pude me conhecer melhor a partir daquela experiência.
Tenho comigo não só as lembranças dos passeios incríveis que fiz, dos dez estados que visitei, do primeiro contato com a neve e a primeira vez que desci uma montanha esquiando.
As lembranças mais marcantes e transformadoras na verdade foram os dias de solidão, mesmo cercada de pessoas legais e de uma host family que me acolheu tão bem nesses 18 meses
Até entrar no avião, isso nem passava pela minha cabeça. Quem vai pensar em solidão, dificuldade ou qualquer coisa do tipo quando se está com o cartão de embarque nas mãos, no aeroporto, com Nova York como o destino final? Aquele era o meu momento!
Me dei conta de tudo o que eu estava vivendo depois de uma semana lá. Idealizei o intercâmbio ainda no Brasil de uma forma completamente diferente do que é na prática. E isso não é ruim, pelo contrário. É uma descoberta. É aí que o aprendizado começa, que a vivência internacional vale a pena.
Eu senti falta de coisas simples que jamais imaginaria sentir um dia. De abraço, de pão francês, de arroz com feijão, da alegria brasileira, das celebrações em família, do almoço de domingo.
Coisas que a gente, no dia a dia, não se da conta da grandiosidade, da importância e do quão nos fazem feliz. A felicidade, de fato, está no simples, mas muitos não enxergam. Eu mesma só pude aprender isso estando longe da minha zona de conforto.
Voltei mais apaixonada pela minha terra, minhas origens, minha história. E é por justamente amar minha pátria, nosso povo, que acredito na Soul Bilingue e na transformação das pessoas que passarem pelo programa.
O incentivo, o encorajamento, a capacitação que eu não tive na época são elementos que faltam para causarmos uma revolução na nossa educação. E eu quero proporcionar tudo isso aos jovens de periferias e de escolas públicas.
Quem vê minhas fotos da época do intercâmbio nas redes sociais, toda linda e sorridente, não imagina os perrengues que passei lá fora.
Um dos dias mais desafiadores do meu intercâmbio foi no período em que estudei Marketing em uma universidade. Houve uma aula em que cada aluno teve que apresentar para toda a sala um projeto, além de defendê-lo e vender a ideia ao professor.
Eu era a única estrangeira em meio aos americanos. Tinha umas 15 pessoas. Senti medo do julgamento, dos olhares maldosos. De falar tudo errado. Chegou a minha vez. Consegui me expressar, mas bem longe da perfeição
Foi um belo aprendizado e, talvez, seja por causa daquela aula que fui ganhando mais segurança e tendo facilidade de falar em público, mesmo sendo tímida.
Os desafios que vivi nos Estados Unidos me transformaram completamente e me fizeram uma pessoa mais consciente, empática, humana.
Aprendi com o diferente. Vivi, me inspirei e voltei para transformar outras pessoas. Mostrar que mais pessoas de baixa renda podem fazer o mesmo.
Foi isso que pensei quando criei a organização social que lançou sua primeira turma em agosto de 2018 e vai enviar até o fim deste ano pelo menos sete jovens de periferia para estudar inglês no exterior.
Os alunos aprovados ficam no programa por cinco meses com imersão no inglês, mentoria internacional online, planejamento financeiro e atendimento psicológico. Os mais comprometidos com os estudos ganham bolsas de intercâmbio de nossos parceiros. Até o fim de 2019, pelo menos 100 jovens da Zona Leste de São Paulo já terão aprendido inglês conosco.
Quatro alunos da Soul, inclusive, foram em abril para Nova Zelândia e Austrália, e três voltaram para o Brasil inspirados e estão nos ajudando a aperfeiçoar a dinâmica e conteúdo da sala de aula a partir do que aprenderam lá fora.
Além disso, se tornaram mentores de inglês na periferia e participam de palestras da Soul em escolas públicas que visam incentivar outros jovens a sonhar alto.
Falar outro idioma abre as portas para o mercado de trabalho, sem dúvida. Viver uma experiência internacional facilita não só isso, como abre nossa mente para o mundo
A experiência internacional vai muito além de aprender outro idioma. Quem já teve a chance de fazer intercâmbio sabe que a viagem ao exterior é muito maior que isso.
O impacto social que a gente pode gerar nas comunidades, dando orientação, preparo e oportunidade para que vivam outra cultura, é gigantesco. É uma transformação de dentro pra fora. É o mesmo que falar: “Sim, você pode e deve alcançar destinos incríveis porque o mundo não é só de quem tem dinheiro. O mundo é seu também”.
Ariane Noronha, 28, nasceu em Guararema (SP). É jornalista e realizou o sonho do intercâmbio trabalhando como babá nos Estados Unidos por um ano e meio. Voltou para o Brasil, deu aulas de inglês e, em janeiro de 2018, fundou a Soul Bilíngue, organização social que incentiva e prepara jovens de escolas públicas para o sonho do intercâmbio.
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