Por Mariana Serapicos
There is no place like home – “não há lugar como a nossa casa”. Essa é a frase que Dorothy diz no final de “O Mágico de Oz” para poder sair de Oz e voltar para o Kansas, para a sua casa, para a sua família.
Eu deixei meu Kansas há três anos e meu Oz não tem leão, homem de lata ou espantalho – embora tenha uma Rainha. Londres passou a ser meu novo lar, mas ganhou esse título de “lar” num processo gradativo. Morar sozinha não era difícil o suficiente, então eu tive que complicar e morar em outro país. E logo numa ilha com a moeda mais cara do mundo, a meio caminho entre a Europa e o Pólo Norte.
Em setembro de 2012, vim para Londres cursar meu Mestrado em Cinema. Por que Londres? Porque é a terra de Charles Dickens, Jane Austen e JK Rowling. Porque criaram o Monty Phyton e amam chá com leite. Londres sempre me fascinou. Vim à procura de uma nova cultura e de um novo mercado. De um ambiente criativo com uma mentalidade diferente. Vim à procura do meu sonho, e encanei que ele estava escondido embaixo de alguma dessas lindas pontes que passam por sobre o Tâmisa.
Me deparei com uma cidade que te engole (e olha que vivia em São Paulo). Tudo se move à velocidade da luz e ninguém tem tempo para nada. Os preços são exorbitantes e o mercado de trabalho é disputadíssimo. Um lugar onde o contato físico entre as pessoas se limita ao vagão do metrô às seis da tarde.
Também me vi numa cidade aberta às diferenças, onde cada um é dono do seu próprio nariz, um lugar repleto de pessoas corajosas, que se assumem como são. Londres é uma bolha criativa e pós-moderna salpicada de casas Vitorianas. Se você quiser morar em Londres, traga mais do que o guarda-chuva. (Mas não esqueça o guarda-chuva!)
Minha primeira casa em Londres era um quarto do tamanho do meu antigo banheiro em São Paulo.
Era uma Wisteria Lane inglesa – aquelas casas de tijolos à vista que parecem todas iguais. Em São Paulo, morei em três apartamentos ao longo de 24 anos. Em Londres, estou indo para a quarta casa em menos de três anos.
A minha primeira casa londrina tinha três fechaduras, mas não tinha portão nem segurança de plantão. Tinha alarme de incêndio (que se provou eficiente graças a uma torrada que eu queimei às sete da manhã). Inglês não tem medo de ladrão, tem medo de fogo.
Também nunca tive (e nunca vou ter) faxineira. Primeiro, porque é caríssimo. Em Londres, as faxineiras podem ser gente com diploma universitário que chega na cidade vinda da Polônia, da Grécia, de Portugal ou do Brasil. Por aqui, são pessoas superqualificadas que limpam o chão e atendem atrás do balcão.
Limpar o próprio banheiro também é algo que todo ser humano deveria fazer com naturalidade. Um exercício de humildade e responsabilidade que faz falta em países com mão-de-obra barata, como o Brasil.
Em Londres tem CEO trabalhando no seu laptop dentro do metrô. Também tem gente almoçando no ônibus (porque restaurante é muito caro). Fazer um bom sanduíche por aqui é uma questão de sobrevivência. E todo mundo é tão único que você nunca sabe se o fulano é mendigo ou um hipster na última. O que ajuda a diminuir preconceitos – cada um na sua, todos se respeitam.
E Londres não tem espaço. É mais fácil achar um pedaço de areia em Ipanema num domingo de sol em janeiro do que uma cadeira num pub londrino durante o happy hour (que pode acontecer a qualquer hora entre 11 da manhã e 10 da noite).
Outra coisa que pouca gente sabe é que em Londres quase ninguém é de Londres. Você encontra muitos ingleses, claro, mas a maioria vem de outra parte da Inglaterra. Todos “chutados” para fora de casa quando entram na Universidade. Na minha primeira casa convivi por três meses com a mais nova geração de “adultos” ingleses. Jovens descobrindo que pizza todo dia não cabe no orçamento e que o lixo não é retirado com um passe de mágica (a JK Rowling ainda não inventou esse truque!).
A maturidade aqui é imposta pelos pais. Uma coisa do tipo – “você não é mais adolescente, meu filho, saia da minha casa e vá viver a sua vida com um adulto”. E isso é muito saudável. Não tem ninguém para te pegar na balada.
Morar em Londres implica também uma capacidade de adaptação. “Nômade moderno” é um termo que me vem à mente. Tenho um amigo que em seis meses habitou dez casas diferentes, indo de um bairro para outro apenas com uma mala e uma guitarra na mão (agora ele não muda tanto, arranjou um teclado e isso complicou a sua logística).
E por mais que Londres custe os olhos (mais a boca, o nariz, as bochechas e o queixo) da cara, não perca as esperanças: sobreviver é possível. Claro, metade do seu salário vai para o aluguel. (O sonho de morar em Londres é tão grande que outro dia encontraram 26 pessoas morando numa casa de três quartos – e você aí reclamando por tido que dividir o quarto com a sua irmã quando tinha seis anos…)
Aqui se pratica o desapego diariamente. TV? Quem tem TV? Lava-louça e secadora são luxos. O sonho da galera é viver perto de um supermercado, e a, pelo menos, 15 minutos do metrô – porque o carro ficou com a família em Manchester, Leeds, Brighton ou… São Paulo.
Aqui o “esquenta” é a festa em si, porque é muito caro encher a cara em bar. House parties é o que há para jovens profissionais que ganham o salário mínimo – que é de £6.50 (quase 32 reais) a hora. Se não tem metrô, pelo menos tem o sofá do amigo. Porque também tem isso, se você perdeu o último metrô, é mais em conta achar um hostel do que pagar um táxi para casa. Estamos vivendo a realidade, não estamos num filme de Truffaut.
Londres tem muitas zonas. A Zona 1 é aquela que a gente vê nos filmes, com o Big Ben e o Palácio de Buckingham. Com sorte, você vai morar na Zona 3 – e aí outro pedaço do seu salário vai para transporte, porque você provavelmente vai trabalhar na Zona 1. Quem compra casa, compra casa fora de Londres, em bairros mais agradáveis e baratos. São famílias com filho, carro e cachorro.
Com tudo isso, Londres é a cidade do aluguel, dos estudantes, dos imigrantes e dos jovens profissionais.
Ser compacto é uma necessidade. Na primeira mudança, eu tinha duas malas e cheguei de metrô. Na segunda, tive de pagar um táxi porque nevava como nos romances de Dickens (nunca mude de casa em Londres em dezembro!). Na terceira, tive que apelar para uma van. A quarta vai ser um desafio. Cada livro comprado é um espaço é tomado. Jane Austen é praticamente minha roommate e eu nem posso dividir minhas contas com ela.
Em Londres eu aprendi que casa é muito mais – e pode ser muito menos – do que as paredes e o teto que te protegem da (constante) chuva. Minha casa é meu quarto. Divido uma casa com dois italianos, dois ingleses e uma canadense. Desconhecidos que se tornaram conhecidos pelo mero fato de dividirmos banheiro e cozinha. O conceito de espaço público e privado é desafiado todo dia. Trata-se de um constante aprendizado, um estudo antropológico – doméstico – da condição humana e dos limites da nossa capacidade de convivência e colaboração. Ei, esse leite semidesnatado é meu!
A gente ressignifica o que é casa e também o que é lar. Lar passa a ser seus amigos, sua família adotada em terra estrangeira. Aqueles a quem você manda uma mensagem às três da manhã para falar que está viva. Com cujos nomes você preenche o campo “contatos de emergência”. Gente com quem você não compartilha a língua materna ou a origem, mas sim o coração e a visão de mundo.
Londres tem me ensinado sobre a instabilidade da vida. De que a inconstância talvez seja o único elemento constante com que podemos contar: empregos não são permanentes, casas têm contratos curtos, relacionamentos vêm e vão. Mas sua rede social (não estou me referindo ao Facebook!) pode te dar o suporte de que você precisa para sobreviver. Porque, quando seus velhos amigos congelam na tela do Skype, você precisa de alguém para abraçar.
Lar é algo que está no seu coração. E que, portanto, está sempre em movimento, espalhado por todos os lugares que habitei, em todas as pessoas que amei. Aqui e agora, tive a sorte de encontrar pessoas para me acompanhar na “estrada de tijolos amarelos”. Só espero que essa estrada nos leve para um lugar perto de um supermercado e a 15 minutos de uma estação de metrô.
No final das contas, mudar para Londres tem um ar de “O Mágico de Oz”. Você precisa de um novo coração, um novo cérebro e uma boa dose de coragem. Porque, como a Dorothy, você vai passar a dar valor para o seu lar. Não importa aonde ele esteja.
Mariana Serapico, 26, é cineasta e mora na Zona 3.
O francês Bertrand Cocallemen conta o que aprendeu sobre o país nos mais de 20 anos que viveu por aqui. De malas prontas para os EUA, agora vai levar um pouco de Brasil-iáiá para lá.