por Adriano Silva
Não importa sua idade, sua profissão, sua condição econômica, nem se você está empreendendo ou empregado. A coisa mais importante que você deveria estar fazendo nesse momento é planejando a sua aposentadoria. Pelo simples motivo de que ninguém mais está cuidando disso para você. Nossos pais e avós podem alegar que confiaram no Governo e foram traídos. Você e eu não poderemos dizer isso diante do espelho. O modelo previdenciário público está semifalido – não apenas no Brasil, mas na imensa maioria dos países. Portanto, o que vai acontecer com você amanhã depende cada vez mais daquilo que você fizer (por você mesmo) hoje.
Só que tem um aspecto novo nessa história. O conceito de aposentadoria mudou. Não se trata mais de trabalhar 30 anos (muitas vezes num emprego desprovido de alegria, com um chefe desprovido de inspiração) e colocar o pijama, para morrer uma década depois – já totalmente consumido pelo tédio e pelo ostracismo. Isso tem a ver com um modelo industrial de carreira (em geral, medíocre) e de vida (em geral, infeliz).
Na era da economia pós-industrial, a aposentadoria não é mais um projeto para depois da “vida” – mas, ao contrário, tem a ver com criar as condições para viver, talvez, a fase da “vida” mais cheia de propósito e intensidade
A aposentadoria não é mais um projeto de “boa morte”, mas de “vida plena”. A ideia não é mais se aposentar para “parar”, mas sim, muitas vezes, para “começar” de verdade. Para tanto, será preciso passar a entender a aposentadoria não apenas como um “direito”, mas sobretudo como um “dever” (seu consigo mesmo). Na dúvida, num assunto dessa importância, não conte com ninguém. Não espere pelo Estado e nem por uma única instituição privada que lhe proponha ao pé do ouvido substituir o Estado na velha ilusão de alguém que vá tomar conta de você no futuro. É muito arriscado se colocar assim no colo de outrem. Quem quer que seja. Seu bem-estar é indelegável. (E já que é assim, por favor, não cometa a tremenda sacanagem com seus filhos de não resolver a si mesmo e de se delegar a eles, lá na frente, caindo como um fardo em suas vidas.)
Não estamos tratando aqui, infelizmente, de uma questão de opinião. Goste você ou não, aquela onda enorme que está se aproximando da praia imagética na qual você projetou “descansar” daqui a uns anos é um tsunami de verdade. E ela traz em seu bojo duas questões matemáticas diante das quais é inútil espernear. A primeira: nenhuma conta atuarial montada até aqui fecha com esse novo fator etário, a um só tempo maravilhoso e assustador, com o qual temos que aprender a conviver – você e eu vamos viver 90 anos. A longevidade humana aumentou e nós nunca mais voltaremos a morrer ao redor dos 60 anos. A segunda: num mundo cheio de velhos, a fórmula clássica – em que quem ia entrando no sistema sustentava com suas contribuições aqueles que iam saindo – ruiu. A razão entre músculos jovens e próstatas velhas na população mundial está se invertendo vertiginosamente. E isso muda tudo.
Talvez novos cálculos e um novo sistema venham a garantir outra vez um idílio de segurança para a aposentadoria de nossos filhos e netos. (Tudo indica que a nova fórmula levará cada um a fazer, desde muito cedo, sua própria poupança. O contribuinte viverá lá na frente daquilo que ele mesmo conseguir estocar ao longo do caminho. Ele poderá confiar sua poupança ao Estado – até aqui, num país como o Brasil, o pior gestor de recursos imaginável – ou então investir de modo diversificado em produtos no mercado financeiro privado.) De todo modo, para quem, como eu, já está no meio da vida, não resta dúvida: estamos na chuva.
Somos a primeira geração que sabe antecipadamente que ficou sem colchão. O modelo antigo faliu. E o novo ainda não está disponível. Só nos resta fazer bom uso dessa péssima notícia
(Se você quiser continuar lutando, politicamente, por aqueles ideais coletivistas, beleza. Eu apoio. Apenas não fique na situação de depender, economicamente, desse dinheiro. Porque ele não virá do modo como você imagina. Nem mesmo da previdência privada. Esses fundos, aliás, estão entre os que pior remuneram seu dinheiro no mercado financeiro. Ou seja: seu plano de aposentadoria, para o qual você desconta todo mês, não representa a melhor opção para a sua aposentadoria. Procure saber.)
Enfim. A vida é dura. E diante disso, só resta nos adaptarmos para sobreviver. A boa notícia é que, como quase sempre acontece, a escuridão de uma ideia que se apaga é sucedida pela luminosidade de outra ideia que se acende.
Pense a aposentadoria, a partir de agora, como o seu projeto de independência financeira. É disso que estamos falando. Essa autonomia diante da necessidade de ganhar dinheiro pode ser total ou parcial. Não importa. O que importa é colocar a sua grana para trabalhar por você. Estamos num sistema capitalista. Pense – e aja – condizentemente. Você só conseguirá trabalhar menos à medida em que for precisando cada vez menos ganhar dinheiro. E você só conseguirá ganhar menos dinheiro à medida em que o dinheiro que você já tem passar a contribuir efetivamente para o pagamento das suas despesas e para a realização dos seus sonhos.
Eis o que a aposentadoria significa a partir de agora: liberdade. Para você fazer o que quiser com o seu tempo. Do modo mais criativo e recompensador possível. Aposentadoria é poder abrir mão de coisas que você antes só fazia por causa da grana, abrindo espaço em sua vida para realizar cada vez mais coisas que você deseja – estudar, viajar, voluntariar, empreender, ensinar –, mesmo que eventualmente não receba nada por isso. Dito de outra maneira:
A aposentadoria é a alforria que a sua poupança um dia vai lhe conferir. É a aquisição do seu tempo. É você comprando as suas horas de trabalho disponíveis para viver como bem entender. Para trabalhar com o que você quiser – ou inclusive, para não trabalhar
É você tomando posse desse meio de produção chamado “você” – com seus talentos, potências, capacidades, competências. Esse é o maior investimento – e o maior empreendimento – que você pode fazer. A aposentadoria, em suma, não é algo que lhe dão – é algo que você conquista. E não é algo que alguém deva lhe dizer quando e como realizar – é um objetivo que você decide de que modo e em que momento atingir.
Venho exercitando essa estratégia há uns bons anos. Desde que me vi caindo, sem nenhuma rede de proteção, de um trapézio no qual me considerava seguro. E tenho tido ótimos resultados – em especial, benefícios indiretos naquelas fundamentais frentes de saúde mental, como ansiedade, insônia, depressão, insegurança, medo etc. É o óbvio, mas a gente muitas vezes não percebe – o melhor jeito de se blindar contra as asperezas desse mundo doido é depender cada vez menos dele. E você só consegue isso construindo a sua autonomia.
Já há tempos, em minhas palestras sobre Nova Economia, ou em minhas aulas sobre o Futuro da Indústria da Mídia, que eu me dava conta de que a coisa mais relevante que eu tinha a dizer àquelas pessoas, de que a mensagem mais importante que eu tinha a compartilhar ali, era essa reflexão – e essa descoberta – sobre a fundamental importância de se planejar financeiramente. Para realizar o que quer que você deseje realizar na vida.
Até que hoje me deparei, na boa newsletter The Hustle, com o conceito de FIRE (Financial Independence, Retire Early), algo como “Torne-se financeiramente independente, aposente-se cedo”. Então resolvi parar e escrever sobre isso. A The Hustle relata que um número cada vez maior de jovens americanos opta por viver de modo absolutamente frugal, economizando entre 60% e 80% dos seus salários, e se aposentando com dez anos de carreira, aos 30 e poucos. Nesse movimento, eles se mudam para cidades do interior, mais baratas, e recusam, em nome de adquirirem mais controle sobre suas vidas e suas carreiras, aquilo que aqui no Brasil chamaríamos de “estilo de vida burguês”. Não se trata de uma fuga hippie – mas de recusar o consumismo, de limar aquilo que é supérfluo, as falsas necessidades, de viver vidas mais leves e líquidas, mais sustentáveis e saudáveis, com menos posses e mais experiências.
Esse movimento, se pegar corpo, vai impactar muitíssimo uma série de mercados que fundamentam a economia. Do mercado de trabalho ao mercado imobiliário, passando por alimentos e vestuário. Mas o maior impacto, ou ao menos aquele que eu gostaria de enfocar aqui, é o que ocorrerá em nossas vidas.
A maioria de nós, em especial nas grandes cidades, aqui no Brasil ou em outros lugares do mundo, trabalha muito para ganhar dinheiro suficiente para pagar os custos cada vez mais altos de viver e trabalhar nas grandes cidades. Ou seja: você deixa de viver para ganhar a vida. Um ciclo vicioso, estressante, escravizante, que ao final não rende sequer o conforto material prometido – você pouco consegue usufruir daquilo que adquire.
O que o movimento FIRE está dizendo é: não se deixe dominar pela corrida maluca proposta pelo dinheiro. (O ideal yuppie, que parecia morto nos anos 90, e seu culto à afluência material e ao individualismo, parece ter renascido com força na esfera das startups que se movem pela “exponencialidade”, pela velocidade exigida pelo crescimento em “escala”, pelo parto eviscerante de “unicórnios”.) De modo geral, a felicidade humana e o bem-estar dos envolvidos passa ao largo dessa conta.
A escolha radical da turma do FIRE passa por aprender a viver com menos. Afinal, o que está em jogo é a sua liberdade. O seu tempo de vida. A qualidade da sua existência. Enfim: seus bens mais preciosos. Esses que dinheiro nenhum pode comprar. O FIRE parece ser uma insurgência bem-vinda ao rat race do capitalismo tradicional – que faz com que executivos arranquem as próprias cutículas com os dentes, na escada corporativa, e que empreendedores percam as tripas pelo caminho, à frente de suas startups.
Essa ditadura da grana, esse desejo de opulência, como se não houvesse outro sentido em viver do que trabalhar cada vez mais, para ganhar cada vez mais, para ostentar cada vez mais, torna tudo irracional. Inviabiliza a própria equação que gostaria de sustentar. E transforma o mercado – e o mundo – numa fábrica de seres neuróticos e amargurados que só fazem espalhar neurose e amargura.
É preciso, em determinado momento, mostrar ao dinheiro quem é que manda. E o melhor jeito, se não o único, de não depender mais do dinheiro, acredite, é ganhar – e guardar – dinheiro
Essa nova compreensão de “aposentadoria” implica uma nova compreensão do que é ficar “rico”. Você ficará rico no momento em que puder deixar de trabalhar garantindo pelo resto da vida a renda que tinha ao parar. Ou seja: você se “aposentará” ao ficar “rico”. E eu gostaria de afirmar que isso pode acontecer com você – ficar rico e se aposentar – muito antes do que você julgava possível.
A regra financeira mais aceita no mundo permite calcular uma renda vitalícia equivalente a 4% do total da sua poupança. Ou seja: tome seus rendimentos, subtraia os impostos e as taxas de administração, corrija a inflação, e, voilà, você poderá dispor anualmente de 0,04 do seu pé de meia até morrer – garantindo que seus cascalhos, no triste dia do seu funeral, tenham o mesmo poder de compra que tinham no dia em que você começou a viver deles.
Eis o ponto: riqueza não se mede em milhões, mas em capacidade de emancipação financeira. Você consegue viver com o equivalente a 5 mil reais por mês (60 mil reais por ano)? Então você se tornará rico ao juntar 1,5 milhão de reais. Se você deseja ter uma renda mensal vitalícia de 10 mil reais por mês, você poderá se aposentar com uma poupança de 3 milhões. E assim por diante.
E você sequer precisa poupar todo esse valor nominalmente. Se você começar cedo e juntar de modo agressivo, com disciplina, investindo bem seus recursos (dica: esqueça a poupança, bem como a maior parte das sugestões dadas pelo gerente do seu banco), uma parte importante do crescimento do seu bolo virá como resultado de um fermento chamado “juros compostos”.
Outro ponto. Se você não fizer questão de abotoar o paletó com 100% da sua poupança intacta e decidir ir raspando um pouco do principal em suas retiradas, essa conta fica mais suave – o risco aí seria você sobreviver aos seus recursos, o que significaria ao mesmo tempo uma alegria e uma tragédia.
Ou ainda: considere o quanto você já gastou com casa própria (um péssimo investimento num país como o Brasil), troca de carro mais cedo do que poderia, compra de um segundo carro (numa cidade onde você mal consegue se locomover com um veículo), despesas com aquela casinha no mato ou na praia para onde você vai só quatro ou cinco vezes por ano, festona de casamento, festona de 15 anos, roupas de que não precisava, comida em excesso, bebidas dispensáveis, academia que não frequenta e compras de impulso em geral, e você verá o quanto poderia estar mais perto hoje da sua independência financeira.
Só que estamos muito desacostumados a poupar. E a planejar. E a lidar com dinheiro de uma forma profissional – ou ao menos madura
A ausência renitente desse hábito, e dessa disciplina, machuca. Dói no bolso. No longo prazo, tira pedaço. Mata. E isso vale tanto para quem ganha 3 mil reais e poderia economizar 100 mangos por mês – e não o faz. Quanto para quem ganha 30 mil reais e poderia economizar 5 mil por mês – e não o faz.
Eis a regra de ouro: um cara que ganha 50 mil reais e gasta 50 mil reais é um cara pobre. Vive bem, circunstancialmente, mas não tem nada. Um cara que ganha 20 mil reais e gasta 25 mil reais é um cara quebrado. Tem patrimônio negativo. Gera riqueza ao contrário. E um cara que ganha 10 mil reais e consegue poupar 2 mil é um cara a caminho da independência financeira, de se “aposentar” jovem – e “rico”.
Adriano Silva é o fundador e publisher do Projeto Draft. Autor da trilogia O Executivo Sincero (“O Executivo Sincero – Revelações subversivas, surpreendentes e inspiradoras sobre a vida nas grandes empresas”, 2014, “Ansiedade Corporativa – Confissões sobre estresse e depressão no trabalho e na vida”, 2015, e “Dono do Próprio Nariz – Reflexões para quem sonha com um vida sem chefe nem crachá”, 2016), além de “Treze Meses Dentro da TV – Uma aventura corporativa exemplar”, 2017, todos pela editora Rocco.
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