“Queremos deixar de vender cigarros o quanto antes, mudar nosso modelo”, diz diretor da Philip Morris

Maisa Infante - 11 out 2018
O diretor de assuntos corporativos da Philip Morris, Fernando Viera, está à frente das discussões da empresa com as autoridades de saúde do Brasil
Maisa Infante - 11 out 2018
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No começo deste ano, a multinacional Philip Morris, com sede na Suíça, publicou um anúncio em jornais ingleses dizendo que vai parar de fabricar cigarros. Isso mesmo. Dona da marca Marlboro, a empresa afirma que já investiu 4,5 bilhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento de alternativas ao cigarro que não envolvam combustão e, segundo a companhia, seriam menos nocivas ao ser humano. “A comunidade científica já concorda que a principal causa de doenças relacionadas ao tabagismo é a fumaça da combustão do cigarro”, diz Fernando Vieira, 45, diretor de Assuntos Corporativos. Ele prossegue: “Investimos em um portfólio de produtos sem combustão, o que reduz a quantidade de tóxicos inalados pelo fumante”.

Há mais de 20 anos na Philip Morris, é Fernando quem lidera o diálogo da companhia com as autoridades de saúde, a comunidade científica e a opinião pública para o que chamam de “construção de um futuro sem fumaça”. O executivo aponta como principal aposta da empresa um aparelho cilíndrico que não emite fumaça: chamado de IQOS, ele aquece um bastão de tabaco a até 350°C (menos que os 600°C de um isqueiro num cigarro) e pode ser recarregado diversas vezes.

O IQOS é o principal produto do portfólio de “Risco Reduzido” da Philip Morris e já está à venda em 40 países

De acordo com a empresa, nestas temperaturas (mais baixas se comparadas à combustão da versão convencional), as substâncias tóxicas da fumaça são reduzidas e o vapor resultante ainda fornece o “sabor” e a nicotina. A experiência dura seis minutos ou 14 tragadas, semelhante a um cigarro.

O produto foi lançado no final de 2014, em Nagoya, no Japão, e, em Milão, na Itália. Hoje, é comercializado em 40 países por cerca de 100 dólares. No Brasil, a venda é proibida e ainda não há regulamentação da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Conversar com as autoridades locais pra conseguir a regulamentação é um dos desafios nesta nova fase da empresa. “A ANVISA já autoriza cigarros há mais de dez anos. Parece incoerente não fazer análises com critérios científicos sobre estas tecnologias que podem fazer menos mal”, diz Fernando, e segue:

“Se aprovam o cigarro, que é pior, por que negar à população o direito de ter acesso a uma coisa que não é tão ruim? Isso nos parece um contrassenso”

O executivo diz acreditar que as políticas de controle do tabagismo que reduziram a quantidade de fumantes no Brasil nas últimas décadas não são as que vão levar o país a melhorar a vida dos mais de 20 milhões de brasileiros que continuam fumando.

UMA TRANSIÇÃO: DE FABRICANTES DE CIGARROS PARA EMPRESA DE TECNOLOGIA

O desenvolvimento de produtos livres de fumaça é feito no Cubo, que, apesar do homônimo brasileiro, é um centro científico localizado na Suíça. Lá, trabalham 400 especialistas, diz o diretor. Ele conta que, com uma história centenária na fabricação de cigarros, a Philip Morris se vê agora em um momento de transição para se tornar uma empresa que lida muito mais com tecnologia:

“Queremos deixar de vender cigarros o quanto antes. Isso é uma mudança disruptiva no nosso modelo de negócios”

Ele fala que essa transição começou há mais de dez anos, e por várias razões. “Uma delas certamente é o interesse econômico, mas acima disso, existe a necessidade de mostrar que há uma tecnologia melhor e colocar isso à disposição da sociedade, que não aceita mais empresas que não encarem os seus problemas e não tentam minimizá-los.”

Localizado na Suíça, o Cubo é um centro de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos da Philip Morris.

Hoje, os “Produtos de Risco Reduzido”, do qual o IQOS faz parte, representam 13% da receita líquida global da Philip Morris. Esse valor era de 3%, em 2016. Internamente, o novo produto traz alguns desafios na forma de pensar e trabalhar. “Precisamos estar abertos à inovação, ao erro, ao aprendizado e a sermos mais ágeis e colaborativos. Isso requer mudança de processos, além de habilidades e expertises que hoje não temos na companhia”, diz o executivo.

Ele conta que uma das mudanças é que a Philip Morris está trabalhando mais com a filosofia que chama de fast forward, o que traz muita experimentação e testes para o dia a dia. Para Fernando, com esses produtos mais tecnológicos, o consumidor assume um novo papel: “A gente tratava o cigarro com um produto fim, que a pessoa acendia, queimava e jogava fora. Agora, estamos falando de algo que pode ser utilizado mais vezes”.

Ele continua: ”Na produção, a empresa continua trabalhando com produtores de tabaco, mas já está desenvolvendo uma nova cadeia de fornecedores que atendam às necessidades deste novo produto”. Fábricas na Alemanha e na Grécia já foram convertidas para a fabricação dos tubos de tabaco utilizados no IQOS e o mesmo vai ser feito também na Romênia. “Até o final de 2018, a Philip Morris planeja ter capacidade instalada anual de aproximadamente 100 bilhões de unidades de tabaco aquecido. Em 2015, eram 400 milhões”, afirma.

COMO EXPLICAR QUE O PRODUTO NÃO É SAUDÁVEL, MAS É MELHOR QUE O ANTIGO?

Toda essa transformação interna precisa de uma resposta do consumidor final. A Philip Morris trabalha com a premissa de que a nicotina, apesar de criar dependência, não é a principal causa de doenças relacionadas ao tabagismo. O maior problema, segundo os especialistas da empresa, é que a combustão do tabaco e outras substâncias produzem milhares de compostos químicos, muitos dos quais são amplamente associados ao desenvolvimento desses males.

Existem pesquisadores e cientistas que não concordam com isso e são totalmente contra qualquer tipo de cigarro, seja o tradicional ou o eletrônico, já que nenhum deles é saudável. Por isso, um dos desafios da empresa é justamente comunicar para os consumidores do que se trata essa nova oferta. Fernando diz: “Sempre falamos que são produtos que possuem um risco potencial menor e, por isso, são melhores alternativas ao cigarro, mas não são livres de risco”, e complementa:

“Para eliminar o risco à saúde, a pessoa tem que parar ou nunca começar a fumar. Essa é sempre a melhor alternativa”

O público-alvo desse novo portfólio, portanto, são pessoas que fumam e não querem ou não conseguem parar com o cigarro. “Não são produtos direcionados a quem não fuma ou deixou de fumar. São para quem já consome o cigarro e, portanto, está com o pior tipo de uso da nicotina e do tabaco.”

Divulgar 0 novo produto é um grande desafio porque, hoje, há muito mais questionamento tanto dos consumidores quanto de autoridades de saúde e pesquisadores. Uma das questões com a qual a empresa precisa lidar é o acesso de jovens ao IQOS (já que se trata de um dispositivo eletrônico e muita gente acredita que possa ser até mais atrativo do que o cigarro para os jovens). Fernando é direto: “Não temos interesse de vender ou levar esse produto para quem já não seja um adulto fumante que queira continuar fumante”.

Em alguns dos países, diz o representante, a empresa já tem lojas exclusivas, onde só entra quem for maior de idade e se declarar fumante. Segundo a Philip Morris, 6 milhões de pessoas no mundo já migraram do cigarro tradicional para os novos produtos de risco reduzido. “A empresa está buscando se posicionar de uma maneira construtiva para encarar o problema dos males à saúde causados pelo tabaco. Se a gente puder melhorar a vida de 20 milhões de brasileiros que continuam fumando, apesar de todas as restrições, achamos que é o certo a se fazer”, conclui.

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