• LOGO_DRAFTERS_NEGATIVO
  • VBT_LOGO_NEGATIVO
  • Logo

“Queremos trazer a educação ambiental para a sala de aula de modo sistêmico, mudando a forma como as escolas enxergam o tema”

Marcela Marcos - 8 jul 2024
Carolina Machado, CEO da Recickla, durante ação com alunos do projeto de educação ambiental em Rio das Flores (RJ).
Marcela Marcos - 8 jul 2024
COMPARTILHAR

E se a educação ambiental estivesse difundida entre todas as matérias da Base Nacional Comum Curricular? E se todos os docentes tivessem capacitação para falar sobre questões ambientais, como mudança climática e matriz energética, para propor mudanças de hábito aos alunos, desde a infância?

Foi com o objetivo de expandir o olhar de gestores municipais para esta perspectiva da sustentabilidade que a engenheira química Carolina Machado fundou a Recickla, uma startup de educação ambiental.

Nascida na cidade do Rio de Janeiro, Carolina começou a atuar como empreendedora de impacto em Rio das Flores, um município fluminense de apenas 8 954 habitantes (segundo o censo de 2022) a cerca de 160 quilômetros da capital do estado. “Na época, o secretário de Meio Ambiente estava implantando a coleta seletiva de resíduos e não estava conseguindo engajar a população”, afirma Carolina. “Por isso iniciamos o trabalho de educação ambiental.”

Ao mobilizar a população a participar da coleta seletiva de resíduos, Carolina e a Recickla conseguiram fazer Rio das Flores subir, entre 2019 e 2022, da 92º e última posição do índice ICMS Ecológico para um muito mais honroso 38º lugar. Esse mecanismo tributário permite aos municípios, mediante critérios ambientais, ter acesso a parcelas maiores dos recursos arrecadados pelo estado por meio do ICMS, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços.

“O trabalho de educação ambiental da Recickla alavanca os investimentos em infraestrutura, uma vez que faz com que a população utilize essa infraestrutura da melhor forma”, afirma Carolina.

Em entrevista, ela conta como se deu seu despertar para a educação e a ecologia, fala sobre a atuação da Recickla, a potência para mudanças de hábito que enxerga nas novas gerações e os desafios e oportunidades que a educação ambiental traz para o país:

 

Como foi sua trajetória até aqui? E como surgiu a Recickla?
O que acontece hoje comigo é o resultado de uma história longa de tentativas e erros. Eu já tinha empreendido com uma editora de publicações na área médica, técnica. Por uma questão de mudança da tecnologia, a empresa acabou não dando sucesso.

Então, nos dez anos seguintes, dirigi uma ONG [Sequoia Foundation] na qual era responsável por capacitação de professores na implementação de projetos bilíngues em municípios.

Foi o primeiro contato que tive na área de educação. Eu achava que não gostava do tema, mas descobri que o que não me agradava era a forma como as coisas eram feitas

Na ONG, tive contato com um time inclusivo, no qual conheci a Walkyria [Santos Machado], que trabalha comigo até hoje. Ela trabalhava como professora no município de Rio das Flores.

Depois que a ONG decidiu sair do Brasil para os Estados Unidos, resolvi usar essa minha experiência pessoal de empreender – e usar, também, a experiência com capacitação de docentes na área ambiental.

No momento que eu tomei essa decisão, o município de Rio das Flores estava iniciando a implementação da coleta seletiva de resíduos. Conheci o Guilherme Guedes, que foi, por sete anos, secretário de Meio Ambiente de Rio das Flores.

Na ocasião, ele montou uma usina de triagem, mas não funcionou, a população não participou da coleta seletiva, que é o que geralmente ocorre com projetos ambientais: o município monta a estrutura e se esquece de mobilizar as pessoas 

A gente se encontrou nesse momento e decidiu fazer um projeto de educação ambiental para mobilizar a população local. Comecei a trabalhar dentro das escolas municipais e foi uma experiência muito poderosa.

Quais foram os destaques dessa experiência?
A gente mudou completamente a forma como os projetos ambientais estavam sendo feitos. Todos passaram a necessariamente se atrelar à educação ambiental.

Começamos a mobilizar as pessoas antes de qualquer coisa. Como resultado, conseguimos mudar os índices ambientais do município – um deles, o ICMS Ecológico, é como se fosse um ranking entre os municípios.

Em 2019, Rio das Flores era o último colocado no [estado do] Rio de Janeiro, entre 92. Em dois anos, a gente alavancou o município para o 38º lugar

Em termos de arrecadação [do ICMS Ecológico], de zero passou para mais de 3 milhões de reais por ano, o que nos trouxe uma visibilidade, até mesmo, política. Teve muito holofote para a própria prefeitura municipal.

A atuação da Recickla se dá por frentes. Como funcionam?
Uma das frentes é trabalhar com a gestão municipal, dedicada a escalar, para outros municípios, exatamente o trabalho que fizemos em Rio das Flores.

Para isso, a gente decidiu desenvolver um material didático, já que percebemos dificuldade dos professores em ter um apoio para esse trabalho dentro de sala de aula.

O que acontece geralmente é que a educação ambiental fica relegada a datas específicas, como a Semana do Meio Ambiente. Isso não transforma o modo como os alunos se enxergam como meio de mudança

Por isso, queremos trazer a educação ambiental para dentro de sala de aula toda semana, como um trabalho constante, sistêmico, mudando a forma como as escolas enxergam o tema.

A gente também oferece consultoria para os municípios e escolas privadas e tem uma frente de gamificação.

Como os conteúdos gamificados são criados? Vocês terceirizam esse trabalho?
Hoje a gente trabalha com parcerias e usa ferramentas de mercado para trabalhar a comunicação.

Utilizamos a filosofia da gamificação para trabalhar dentro das escolas, com atividades que utilizem os jogos, não necessariamente atrelados à tecnologia – como, por exemplo, com gincanas entre turmas.

Todos eles estão atrelados ao material didático e usam uma linguagem de que os alunos gostam. Temos a intenção de desenvolver uma plataforma própria.

Você observa uma propensão maior por parte dos mais jovens para aprender e disseminar os conteúdos de educação ambiental — algo como “ensinar aos adultos”?
Com certeza! Os mais jovens entendem a questão do consumo como parte de escolhas que buscam.

Vejo uma preocupação maior, também, com a adoção de hábitos mais saudáveis e sustentáveis, enquanto os adultos normalmente já incorporaram hábitos que levaram o mundo a chegar aonde estamos hoje.

Uma coisa interessante é o fato de pessoas mais velhas questionarem como chegamos até aqui. Um exemplo é o uso disseminado do plástico, de derivados de petróleo, de forma tão ostensiva no dia a dia.

Já vi idosos impressionados ao constatarem que há 50, 60 anos atrás não tínhamos um consumo assim, tão descartável – e relembrarem, com as crianças [do projeto de educação ambiental], como era na infância deles

A interação com os netos é interessante. Temos uma atividade que envolve entrevistar o avô ou avó e fazer perguntas como “onde vocês buscavam água?”, “vocês tomavam banho de rio?”, “como era o ambiente da época?”.

É comum [os participantes] constatarem que destruímos muita coisa em pouco tempo. Até mesmo as hortas, que as pessoas tinham hábito de cultivar em casa.

Desde o começo da Recickla, quais as histórias mais significativas com as quais você teve contato?
Uma pequena provocação causa uma mudança muito grande na vida das pessoas.

Quando começamos a falar [com os alunos] sobre o óleo de cozinha como um poluente seríssimo, com base em pesquisas que dizem que um litro de óleo polui 25 mil litros d’água e suja rios, oceanos…

Tinha gente que jogava [óleo] no bueiro da rua, mas mostramos que aquilo tem valor, que é possível vender para ser transformado em biodiesel

Uma vez, fizemos uma gincana em que pedimos para que os alunos juntassem papelão. As professoras pediram para que eles trouxessem rolinhos de papel higiênico, que, normalmente, jogamos no lixo, mas que é reciclável. Aí, o pessoal da usina de triagem para a qual levamos os materiais coletados ficou impressionado, perguntou o que estava acontecendo porque nunca tinha visto tanto rolo.

São pequenas atitudes, mas com um impacto gigante, por mais clichê que isso possa parecer.

Quais oportunidades você enxerga no Brasil para a educação ambiental? E, por outro lado, quais os principais entraves?
O Brasil é uma potência ambiental, mas precisamos atrelar este entendimento a um desenvolvimento sustentável.

Se nos enxergarmos como potência para o mundo, inclusive na área de geração de energia, valorizando nossa matriz renovável e a questão da biomassa, podemos gerar empregos verdes, renda sustentável.

Acredito que a educação ambiental seja o elo que vai despertar nos brasileiros a vontade de trabalhar a pauta do meio ambiente e, no caso dos alunos com os quais lidamos, despertar a vontade de fazer carreira nesta área

As oportunidades são muitas. Já sobre entraves, um deles é o tempo de sala de aula. O Brasil é um país que trabalha a educação ambiental em meio período, mas são muitos conteúdos. Precisamos fazer um letramento.

O tema deveria ser transdisciplinar, mas vejo muita insegurança, ainda, por parte de muitos professores – o que a gente pode resolver com capacitação.

Como você lida no dia a dia com a ecoansiedade? E como a Recickla transformou sua rotina?
É muito comum ouvir, sobre pequenas mudanças cotidianas, aquele questionamento do tipo “mas será que adianta?”, “será que tem jeito?”.

Porém, gosto muito de uma frase do Einstein que diz que “nenhum problema pode ser resolvido no mesmo estado de consciência que o criou”. Confio muito na pesquisa, na ciência, na capacidade das pessoas se reinventarem, mudarem.

Empreender, muitas vezes, é um ato solitário e o fato de ser mulher dificulta um pouco as coisas. Meu filho é autista, o que também gera ansiedade no dia a dia, mas tenho apoio da minha família, do meu sócio. Então, as questões pessoais vão se dissipando

A Recickla transformou não só a mim; na minha sacada tem várias mudinhas de pau-brasil, porque meu marido vive buscando sementes e plantando. Mudamos nossa maneira de olhar e viver o dia a dia. Até o jeito de respirar se transformou.

Procuro não ser “ecochata”. Quero transformar por meio da educação. O ativismo é importante, mas prefiro trabalhar o senso crítico sem dizer o que é certo ou errado.

COMPARTILHAR

Confira Também: