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“Um recado deixado pela COP 27: biodiversidade é valor, não problema”, relata Denise Hills, da Natura

Mariana Sgarioni - 21 nov 2022
Denise Hills, diretora global de sustentabilidade da Natura.
Mariana Sgarioni - 21 nov 2022
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Depois de duas semanas tensas – e intensas – parece que a COP 27 deixou algumas sementes. Uma delas foi uma orientação inédita: a crise da biodiversidade como parte inseparável da crise climática. Embora por muitos anos estas duas crises tenham sido tratadas como questões separadas, os participantes desta COP destacaram, pela primeira vez, que não há rota viável para limitar o aquecimento global a 1,5°C sem proteger e restaurar a natureza com urgência.

Denise Hills, diretora global de sustentabilidade da Natura, participou de painéis do dia dedicado à biodiversidade na COP, e avalia que ficou um recado importante para o mundo. “A discussão não acabou aqui: ao incluir a biodiversidade nesta conferência, a COP já mandou o endereço para o próximo encontro, que acontecerá em Montreal, em dezembro. E a mensagem é: biodiversidade é valor, não problema”, disse Denise, em conversa com NetZero, de Sharm el-Sheikh. Segundo ela, ficou muito claro que a bioeconomia é um caminho sem volta.

“Uma economia que considera a natureza e os impactos das nossas atividades nos sistemas naturais. A bioeconomia leva em conta a natureza como parte integrante daquilo que a gente faz todo dia, das nossas atividades econômicas”, explica.

Denise desliza sobre o assunto com a propriedade de quem sabe muito bem o que está falando. Com seus projetos na Amazônia, a Natura já colaborou para a conservação de 2 milhões de hectares da floresta e para melhorar a vida de mais de 7 mil famílias de 34 comunidades. A menina dos olhos no momento é o PlenaMata, uma parceria entre Natura, MapaBiomas, InfoAmazonia e Hacklab, que tem como objetivo monitorar o desmatamento em tempo real.

“Temos um contador de árvores derrubadas – a cada palestra que faço, costumo mostrar que, até o final da minha fala, por exemplo, já chegaram a 100 mil árvores cortadas. Isso não faz nenhum sentido sob nenhum ponto de vista. Então queremos fazer este pedido para que as pessoas considerem a floresta em pé, queremos reforçar que não há diferença entre desenvolvimento e preservação”.

Com a agenda apertada, a executiva conseguiu conversar com esta reportagem enquanto fazias as malas, pouco antes de partir da COP 27. Perdas e danos, financiamentos, biodiversidade, intensa participação de mulheres e povos originários, e, enfim, o que todo mundo quer saber: será que desta vez as implementações sairão do papel? Deu tempo de Denise Hills falar sobre tudo e um pouco mais. E o melhor: sem perder seu habitual bom humor.

NETZERO: A COP 27 acabou, enfim?

Denise Hills: Oficialmente, sim. Mas ficaram recados e endereços. A biodiversidade segue para a próxima COP como um dos temas importantes para a manutenção do clima no planeta. É um grande tema – inclusive porque um dos efeitos mais críticos da devastação e mais difíceis de reverter é justamente a biodiversidade. A discussão não termina aqui: ela apenas endereçou para a COP de Montreal, em dezembro. E o recado é claro: biodiversidade é valor, não problema.

O que você quer dizer com problema?

Não existe incompatibilidade entre desenvolvimento econômico, progresso social e conservação da floresta, da biodiversidade. A Natura é exemplo disso. Trata-se de uma lógica produtiva. É uma reação contrária ao movimento conservador que diz que a preservação vai atrasar a economia. Nosso contraponto é que não consideramos uma economia sem incorporar a bioeconomia. Isso ficou muito claro nesta COP, inclusive.

Qual foi o ponto de maior tensão nesta COP?

Sem dúvida nenhuma é o capítulo chamado “Perdas e Danos”. Em outras palavras: quem vai pagar a conta? A discussão é como acelerar os compromisso financeiros da transição, como esses fluxos financeiros vão funcionar. Em Perdas e Danos será decidido como esta conta vai ser dividida, como vamos catalizar isso para suprir os danos climáticos que podem comprometer a economia mundial. Esta é a parte mais tensa das discussões – e ainda não houve um consenso. Acredito que a saída seja na forma de um fundo – com grandes países financiando isso de forma a cumprir suas NDCs.

Houve uma pressão para os países ricos colocarem a mão no bolso.

Sim. O tema justiça climática, que nasceu em Glasgow, ganhou muita força no Egito. Enquanto Glasgow fez uma COP dos CEOs, esta foi a COP dos povos tradicionais. Houve uma forte participação destes povos, seja dos quilombolas, indígenas. Vimos isso não só em Brasil, como em Colômbia, Peru. Com razão, eles querem não apenas ser ouvidos, mas também considerados. Querem receber estes recursos financeiros. Entretanto, percebemos que todo este movimento se deu em direção à América Latina – e quase nenhum em direção à África, continente sede da COP. As mulheres também se destacaram em sua participação.

E como esteve o Brasil?

A participação do Brasil foi intensa. Avançamos muito nos compromissos de Brasil para Brasil. Depois do pronunciamento do presidente eleito, a agenda do clima parece que voltou para as prioridades, e assim o Brasil volta à cena, com claros compromissos. Outro avanço foi o pedido formal para a Amazônia sediar a COP 30, em 2025 – será um ano crítico de prestação de contas, em que países terão que mostrar as reduções. Enfim, há uma grande expectativa em torno do Brasil, pois nos últimos anos não temos sido protagonistas neste assunto. Em Glasgow, nós nos comprometemos a reduzir o desmatamento – algo que infelizmente não aconteceu. Pelo contrário, o desmatamento aumentou. Nossa principal fonte de emissão é o desmatamento. A situação é tão grave que estamos chegando perto da floresta que sobrou virar fonte de emissão e não o contrário, portanto precisamos acelerar esta agenda.

Em seu discurso, o secretário-geral da ONU neste ano usou o termo “suicídio coletivo” para definir a gravidade do cenário.

Qual foi o papel do setor privado nestas discussões?

Em Glasgow vimos um marco do crescimento do setor nessas negociações, seja para promover a agenda climática, seja para fazer pressão. No Egito, esta participação se manteve, continua crescente. Vimos várias empresas brasileiras se sobressaindo divulgando seus painéis, tivemos o anúncio da criação de uma nova empresa de preservação florestal, o BNDES apresentando sua agenda de descarbonização, entre diversas outras iniciativas. Nós da Natura tanto trouxemos nosso compromisso de floresta em pé, mostramos nossa atividade profissional, nossas soluções baseadas na natureza, um modelo que tem impacto e propõe um sistema de regeneração. Trouxemos também uma propostas para que outras empresas se juntem a manifestações de advocacy ligadas à Amazônia. Temos um compromisso de mobilizar mais pessoas em torno do desmatamento zero. Fizemos este pedido para que as pessoas considerassem a floresta em pé, reforçamos que não há diferença entre desenvolvimento e preservação.

Assim como eu quero uma cadeia descarbonizada eu quero uma participação maior de empresas e que mais pessoas valorizem produtos de empresas que levem isso em conta. Em rede, a gente busca promover mais consciência.

Você acha que desta vez as discussões sairão, enfim, do papel?

Ao escolher a implementação, esta COP automaticamente discute “como vamos fazer”. Não há nenhuma garantia de que as coisas vão acontecer, mas estamos discutindo mecanismos, inclusive financeiros, para que aconteçam. Perdas e danos é uma discussão essencial. A COP foi capaz de trazer para a mesa este debate pela primeira vez agora.

Apesar de a conferência não ter capacidade de comando, ela evidencia que, cada vez mais, seus compromissos são públicos e coletivos. Isso cria um constrangimento: afinal, a cada COP, os países são obrigados a relatar se cumpriram ou não as metas. É quase um compromisso constitucional. Ele garante que se crie uma mobilização coletiva para fazer e dá espaço para o setor empresarial criar soluções.

 

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