“Reconhecer que eu tinha privilégios foi um soco no estômago que me fez repensar meu papel na sociedade”

Ernesto Ferreira - 7 dez 2018
Ernesto em Nova York, onde esteve no final de novembro para falar sobre empoderamento juvenil e paz intercultural.
Ernesto Ferreira - 7 dez 2018
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por Ernesto Ferreira

“Qual foi a última vez que você fez algo pela primeira vez?” Eu tinha 10 anos quando pela primeira vez me confrontei com o fazer o novo (ao menos, de maneira que eu possa me lembrar para contar aqui). A beleza da ignorância sobre riscos são um terreno fértil para crianças brincarem. Em 2005, minha família recém tinha se mudado para uma nova casa e eu — naturalmente — tinha perdido diversos amigos. E então nasceu minha primeira intervenção urbana: toquei a campainha da rua inteira buscando crianças.

Esse dia foi marcante na comunidade. Por vários anos se repetiu esse mesmo encontro, com pais, mães, crianças na ruas e vivendo a cidade.

De tocar campainhas na rua até ser convidado para falar na sede da ONU em Nova York — acabo de voltar do Fórum Global da UNAOC, onde participei de debates sobre Empoderamento Juvenil, Construção de Paz intercultural e Diálogo em momentos de conflito — tive vários desafios e, nesse texto, vou pontuar meus principais aprendizados, minhas “primeiras vezes” e meus “lifehacks”.

Minha infância foi sobre eu me conhecer e experimentar. Foi marcada por várias escolas diferentes e o primeiro grande desafio: o teste para escola militar. Por mais que eu tenha fracassado nesse desafio, aprendi e entendi o resultado do estudo. E, principalmente, comecei a acreditar no meu potencial.

A partir dessa consciência, comecei a me interessar por desafios maiores, mas sempre com suportes e auxílios. Neste momento, participei presidindo o Projeto Mini Empresa e fundei um time de futebol (criando um blog e conseguindo patrocínios para as camisetas).

Esses momentos na minha infância — por mais bobos que sejam — marcaram minha personalidade ao me proporcionar experiências únicas em tópicos que eu não aprenderia de outra forma. Fui desenvolvendo habilidades práticas de empreendedorismo e começando a entender o que é colaboração.

Mas, atenção: para você não achar que tudo foram flores, digo que fracassamos na Mini Empresa. Mesmo tendo 300%+ lucro por produto, nós falimos. Com o time de futebol, tivemos até as camisetas, mas o time se desfez assim que terminamos a escola. Foram dois fracassos, mas o foco dessa experiência foi o começo do meu processo, e não o fim.

Entender meu potencial de transformar a sociedade e experimentar novas ideias foi o primeiro passo, mas conhecer a realidade das mães brasileiras é o que me mudou de fato.

Meu primeiro passo em relação a impacto se deu quando assisti ao vídeo que apresenta o trabalho da ONG TETO (que constrói casas populares com a ajuda de jovens voluntários). Entrei no site na hora e me inscrevi na construção seguinte disponível, que aconteceu no Jardim Gramacho em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. Lá, vi o trabalho das mães nas comunidades, a entrega de vida delas.

Aprender sobre privilégio e sobre o que é dar a vida por um propósito, dar a vida “pelas crianças”, foi um soco no estômago que até hoje me faz pensar e repensar meu papel na sociedade

Mas minha caminhada empreendedora se inicia de fato, e com força, na Casa Liberdade, a primeira casa colaborativa do país.

Imagina um ambiente com diversas startups, negócios de impacto social, educadores, artistas, jovens, futuristas, todos trabalhando de forma colaborativa, interconectando ideias e propostas. Agora imagina um jovem de 17 anos no meio disso tudo. Era eu!

Em 2013, o conceito de quase todas essas palavras — hoje já mais estruturadas — estava nos primeiros passos de construção. E foi ali que pela primeira vez ouvi “qual foi a última vez que você fez algo pela primeira vez?” e “feito é melhor que perfeito”, frases que pautam quem eu sou hoje. Um ambiente desses nos faz se jogar em tudo, em acreditar no processo e saber que sempre temos alguém a nos dar um apoio.

E então, em 2014, eu entrei em um fluxo de atividades único: Entrei para a AIESEC (instituição internacional que forma jovens líderes), fundei a Lusco-Fusco, organizei uma viagem com o TETO para o Uruguai, fizemos uma intervenção artística (que foi replicada em todo o sul do país) e ainda mantive 30h+ na universidade (estudando em três campi).

Pela primeira vez, busquei o meu máximo de atividade, o máximo que poderia suportar. Aprendi os custos disso e, por mais que tenha obtido êxito nos principais objetivos, entendi meus limites e quanto custa o meu sono e saúde mental.

O ano de 2014 foi marcante porque, na época, eu não sabia o que queria. Tinha entendido o meu potencial de impacto; no ano anterior tinha vivido uma experiência com o TETO e tinha entendido também a necessidade desse trabalho. E a soma desses fatores me levou a trabalhar o meu máximo.

Eu não sabia o melhor que poderia fazer para melhorar o mundo, então fiz o que pude, sem esperar o melhor resultado

Qual o problema do fracasso?

Tudo bem, foco no processo, não no final.

“Vai lá e faz”, diziam meus amigos, e assim fui fazendo — com grandes sonhos e sem grandes expectativas.

2015 foi o ano do meu maior desafio até aquele momento: me inscrevi, de susto, em um programa internacional. Para a minha surpresa, fui chamado para representar o Brasil na Escola de Verão da UNAOC (Aliança das Civilizações das Nações Unidas, da ONU). Estar lado a lado com a juventude que é o futuro do planeta e obtendo mentorias com diretores de Harvard, empreendedores sociais de impacto continental e facilitadores da própria ONU me fez abrir os horizontes para o planeta.

Se minha responsabilidade já era alta pelos meus privilégios, agora me sinto cada vez mais responsável pela sociedade em que vivo.

Uma frase do Secretário Geral das Nações Unidas, Ban Ki Moon, direcionada aos jovens que participaram daquele programa, marcou essa experiência: “You are not the leaders of tomorrow, you are the leaders of today” (“Vocês não são os líderes do amanhã, vocês são os líderes do hoje”, em tradução livre). 

Voltei, tive três provas em duas semanas e perdi a recuperação de uma, pois fui viajar para o Guerreiros Sem Armas, um programa internacional de empoderamento comunitário. Imagina que incrível ter jovens do mundo inteiro juntos em comunidades da baixada santista trabalhando pelo desenvolvimento dessas comunidades, e o melhor: a comunidade abraçando esse projeto? Foi o que vivi. Recomendo.

No fim de 2015, com toda a energia da escola de verão da ONU, co-fundei o meu quarto projeto: uma escola de empreendedorismo. Não fomos muito criativos no nome: Summer School UFRGS. Foi um um evento de cinco dias, com 100 participantes e 70 profissionais dentre mentores, palestrantes etc.

Foi a primeira vez que apresentei, fui facilitador e mestre de cerimônia. Foi o meu primeiro grande projeto. Trouxemos mentores com experiência na NASA, no Google, Empreendedores renomados globalmente, um ambiente incrível.

Em tempo, e novamente, para lembrar: no dia principal do projeto, eu fracassei miseravelmente nos horários das palestras, foi um desastre. (Lembre-se: estou contando parte das histórias, mas elas são cheeeias de fracassos.)

O ano seguinte foi mais leve. Entendi que meu processo pessoal estava caminhando pautado na metodologia de criação de projetos Double Diamond; em 2015 comecei a fechar o processo (fazer um pouco de tudo e focar no que gerou resultado) e comecei a iniciar uma nova abertura. Agora, em vez de abrir em projetos de impacto social, comecei a me abrir aos negócios.

Na metade de 2016, fui selecionado para participar, com bolsa, do Transdisciplinary Innovation Program, um programa israelense experimental sobre futurismo. Lá, estive com pessoas incríveis e a melhor parte foi o desafio final: construir uma startup em duas semanas.

Só o processo de criar uma empresa a ser investida em apenas duas semanas já merecia um texto inteiro. Aqui, destaco o desafio de montar um time (uma dupla, no caso), e a força do alinhamento dessa equipe. Criamos um negócio focando no processo de criar e aprender, em ensinar um ao outro; afinal, estamos na universidade.

Fechando o losango do Double Diamond, 2017 foi o ano de desenvolver minha graduação. Foquei em estudar e, por buscar um novo desafio, montei uma escola de empreendedorismo e autoconhecimento que teve duas turmas. Nessa linha de experimentar o novo, lancei um blog no Medium. Lá os textos são curtos e diretos (bem diferentes desse, fique tranquilo!).

E assim chegamos a 2018. Comecei o ano experimentando um desafio (no qual fracassei de novo) da Red Bull de viver somente com latinhas do energético. Posso não ter atingido o objetivo que a Red Bull esperava de nós, mas pulei no maior bungee jump do país, fiz rafting e muitos quilômetros rodados em troca de latinhas de Red Bull. É bom demais fracassar!

Depois disso, criei o Pedala Uni, um grupo colaborativo de ciclistas universitários. Meu desafio foi criar e divulgá-lo ao máximo. É fantástico o que se pode fazer de positivo com um grupo de Whatsapp. É simples, rápido, fácil e o impacto está aí.

A partir das minhas ações em busca de engajar as pessoas em projetos de impacto, fui chamado à ONU novamente, não para a escola de verão — mas para o Fórum Global

Foi minha segunda vez em Nova York representando o Brasil, mas com um desafio muito maior: conversar com líderes globais e os principais representantes da UNAOC para “representar melhor o Brasil e aprender ao máximo com experiências internacionais”.

Foi fantástico viver por alguns dias nesse ambiente único da democracia. Lá minha principal pauta foi o Dia Mundial da Juventude, sobre o qual fiz uma pesquisa e desenhei um passo a passo para termos 10 vezes mais impacto em 2019. (Levei um mês pesquisando até encontrar algo que a ONU fizesse bem abaixo do potencial, achei). Agora, estou avançando parcerias com o Movimento Escoteiro, Rotaract Internacional e profissionais dentro da própria ONU.

Além dessa pauta, levei outras duas propostas projetos: uma conferência que estou organizando em parceria com a ONU (nada confirmado, estamos apenas projetando), e novas formas de engajar nossa rede global de maneira online.

Isso é o que eu sei fazer: criar projetos, pensar novas ideias, rabiscar e testar. Entendi que esse era meu papel — na ONU ou aqui no Brasil

Se ninguém for, ninguém viu, não existiu, não tem problema.

Meu mais recente desafio é reconstruir a Lusco-Fusco. De 2013 até hoje, erramos muito, aprendemos muito e agora é a hora de começar do zero de novo. Vamos ajudar novas organizações juvenis a fazer e a errar também; a criar, a falhar, a aprender e a gerar impacto na sociedade.

Esses são os projetos que fazem parte de mim. Esse texto é a minha melhor apresentação, quem eu sou. Cada passo dado nessa caminhada foi feito com muito suporte, amigos, um certo cuidado e sempre na cabeça as seguintes perguntas:

Qual foi a última vez que você fez algo pela primeira vez?

Aonde você queria estar agora?

Esse é o melhor que tu podes fazer?

Hoje, esse é o meu melhor. Espero errar, aprender e melhorar. Se você leu toda essa minha história, me mande um feedback. Nos vemos pelas ruas da cidade, tocando campainhas, distribuindo panfletos, pedalando e pensando uma nova forma de viver em comunidade.

Meu trabalho continua por aqui, buscando ativistas, sonhadores, realizadores. Me chama e vamos nos encontrar!

 

 

Ernesto Ferreira, 23, é estudante de Engenharia na UFRGS, Ciclista, Escoteiro e empreendedor social. Seu email é ernestoferreirav@gmail.com.

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