– Renata, por que você faz questão de falar a sua idade, toda hora, no seu podcast?
– Legal você ter reparado nisso, porque o podcast é sempre sobre um assunto para ser discutido com mulheres de gerações diferentes. Como eu falo o nome e a idade de todas as convidadas, faço questão de falar a minha idade também, para me posicionar do alto dos meus 58 anos!
Esse breve diálogo aconteceu (na Livraria Travessa, no Rio de Janeiro) entre uma ouvinte/fã e a jornalista Renata Ceribelli – repórter especial do programa “Fantástico”, da TV Globo, e apresentadora do “Prazer, Renata”, podcast lançado em maio 2021.
Pensado inicialmente para o público feminino de qualquer idade, o podcast recebe muitas perguntas de homens interessados em abrir os ouvidos e o diálogo a temas antes completamente rejeitados por eles, como feminismo e empoderamento feminino. Ou seja, “Prazer, Renata” é um produto de sucesso.
A apresentadora está no jornalismo de entretenimento desde que esse termo foi importado para cá em 1995 e colocado em prática no programa “Vídeo Show” (antes disso, e desde o começo da carreira, em 1981, Renata experimentou um ambiente sisudo no jornalismo mais tradicional, hard news).
Hoje, Renata permite-se participar de quadros como “Fant 360”, sobre esportes radicais, e reality shows como o “Medida certa” – em que passou por uma reeducação alimentar e mudanças de hábitos ao longo de três meses, ao lado do colega Zeca Camargo, em 2011 – e o mais recente “The Masked Singer Brasil”, em 2022.
Após tantos anos (28, até aqui) na mesma emissora, ela mantém intacta a curiosidade, pré-requisito de qualquer grande repórter:
“Preciso estar sempre aprendendo alguma coisa. É até cansativo, mas eu preciso disso pra me animar e ter vontade de fazer as coisas”
A seguir, Renata Ceribelli fala ao Draft sobre o podcast, sua jornada profissional e a transição do jornalismo mais sério à espontaneidade do jornalismo de entretenimento:
Como surgiu o projeto do podcast? Na ficha técnica, consta que “Prazer, Renata” é produzido e editado pela equipe do “Fantástico”… A ideia veio de você ou da equipe?
Veio de mim para a equipe… de uma vontade muito grande que sempre tive – e fiz bastante no “Fantástico”, em diferentes fases da minha vida profissional – de trazer quadros para as mulheres. Eu sempre sugeria matérias sobre mulheres, comportamento feminino. Foi um tema que sempre me trouxe curiosidade.
Tenho mais de 20 anos de Fantástico, onde estou desde 1999. Eu já tinha tido um quadro chamado “Liga das Mulheres” [exibido em 2009], em que várias mulheres, sem serem especialistas em nada, conversavam – uma tinha decidido ser dona de casa, tinha largado a profissão de jornalista; uma outra mulher negra e empoderada que lutava pelo seu espaço no mercado de trabalho; outra que tinha sido dona de casa e, aos 45 ou 50 anos. tinha decidido começar a estudar para criar uma carreira….
Gosto muito de misturar essas experiências diferentes de mulheres. Foi um quadro que eu amei, fiquei muito triste quando acabou, enfim, as coisas na televisão são assim – nascem e acabam
Tive um outro quadro divertidérrimo mais lá atrás – que não era nem ideia minha, mas eu entrei e me diverti muito fazendo – o “Elas só pensam Naquilo” [exibido no começo dos anos 2000]. Ele falava com bom humor sobre sexo, do ponto de vista da mulher.
Hoje, eu olharia para aquele quadro com algumas resistências, porque a gente mudou muito o nosso olhar sobre o feminismo e a usávamos um pouco da ideia do feminismo como um antônimo do machismo. Hoje, a gente já entende que não é isso. O feminismo não quer uma luta contra o homem, mas, sim, um direito de igualdade.
Então, sempre tive essa ideia e vontade. Primeiramente, nem ofereci para o Fantástico, apesar de ser para o núcleo do programa. Marcelo Sarkis [à época, editor executivo de Digital], que tinha lançado o podcast “Isso é Fantástico”, achou que estava precisando de mais um podcast no programa.
Aí, mandei para ele um projeto que misturava um pouco essas duas ideias, mas que eu queria que fosse, fundamentalmente, geracional, que tivesse sempre três convidadas, mulheres de diferentes gerações
Aí nasceu o “Prazer, Renata” muito despretensiosamente. A gente ia fazer uma temporada de três meses e já estamos há quase dois anos com o podcast.
O formato podcast já era uma coisa que te atraía? Eu não vi na sua trajetória profissional experiência em rádio…
Não estive mesmo em rádio, e sempre tive vontade desse improviso do rádio. E podcast não fazia uma grande parte da minha vida, não.
Morei nos EUA, em Nova York, por dois anos, como correspondente. Lá eu comecei a ouvir podcasts, mas muito de notícia… até para praticar o inglês. Eu ia caminhando para o trabalho, ouvindo as notícias pra pegar aquele sotaque nova-iorquino muito rápido. Mas eram podcasts mais para uso profissional.
Quem me apresentou o [formato] podcast foi a minha filha, Marcela Ceribelli, porque ela tem o “Bom dia, Obvious”, um podcast feminista, surgido a partir de uma plataforma de criadores de conteúdo e publicidade que ela criou. E aquilo começou a chamar minha atenção
Uma vez, ela me chamou pra ir ao podcast dela e foi o máximo o papo de mãe e filha. Isso até me motivou, porque foi um sucesso a nossa conversa. Temos uma intimidade e uma troca muito grandes.
Talvez isso tenha mexido um pouco comigo, essa coisa geracional. Tanto que o primeiro episódio do “Prazer, Renata” foi uma conversa entre mães e filhas – tivemos a Lilia Cabral e a filha dela, Giulia Bertolli; eu e a minha filha – pra gente já deixar marcado como um podcast geracional.
É um momento único esse que estamos vivendo. A mulher que eu sou, hoje, daqui a 20 anos já vai ser outra mulher. Estamos lutando por outras coisas, estamos nos entendendo de outra maneira. E nunca tivemos tanta autonomia para ser o que a gente quer
Eu acho curioso quando trocamos experiência com essas meninas mais novas, porque às vezes a gente se vê nelas. Às vezes, elas falam: “Eu quero chegar nos 50 assim como você”.
Você começa a perceber que tem uma essência feminina que ainda tem os mesmos problemas – a falta de pertencimento, autoestima que jogam pra baixo. E é legal quando a gente conversa e mostra isso para as pessoas, porque elas falam: “Puxa, não sou só eu…”
É como ler uma revista feminina. Por que a gente gosta de revista feminina, que na visão de muitos homens é algo “menor”? É porque a gente se vê ali naqueles problemas muito iguais. Só que muitas dessas revistas são machistas e, hoje, estamos partindo para outro tipo de diálogo.
A ideia do podcast é termos uma troca de experiências. Sempre proponho isso. Quando não sei o que falar, para onde eu vou levar a conversa, deixo as convidadas irem levando. E sempre é divertidíssimo
É impressionante, mas o assunto sexo não sou eu que puxo. São sempre as convidadas (risos)! E aí acaba que ficou essa brincadeira: “Prazer, Renata, estou me apresentando como nunca me apresentei na televisão, falando muito mais abertamente sobre todos os temas”.
Mas tem também a ideia do prazer feminino; o prazer pela vida, que a mulher tem que recuperar em qualquer que seja a idade; o prazer sexual sobre o qual a gente não fala…
Quais são os temas mais recorrentes do podcast?
Esse projeto não é só um sonho de bater um papo. Se tem um princípio que me guia – e não dá para todos serem sobre esse assunto – é falar sobre sexo de uma maneira natural… é naturalizar.
Em vários episódios, tento falar sobre isso. Desde uma conversa entre mãe e filha, que acha que a mãe não tem vida sexual depois dos 50, não pode nem pensar numa coisa dessas… Normalmente, não se fala em casa sobre sexo.
Eu nunca conversei sobre sexo com a minha mãe. Vou até confidenciar aqui que houve casos na minha família de mulheres que perderam a virgindade sem nem saber o que era aquilo – de tanta falta de informação
Isso é uma coisa de gerações mais antigas. Entendo que as mulheres tinham vergonha de falar com suas filhas sobre sexo, que sempre foi “vendido” como uma coisa feia…
Eu trato com muito cuidado, falo que é sobre saúde sexual. Aí, as pessoas logo pensam em doenças. Não!
A gente já evoluiu muito, hoje a gente fala de sexo com as nossas filhas e filhos, mas temos que prestar atenção, porque é sempre do ponto de vista do “cuidado”: “Olha, cuidado para não engravidar. Usa camisinha. Cuidado para não ficar doente. Se cuida”.
Tem de ter essa informação, óbvio. Mas também deveria ter o ponto de vista de ser gostoso, de te dar prazer, tem que ter carinho. Acabou ficando aquela coisa mais religiosa – tem de ter sexo mesmo, porque é assim que se procria e a vida é feita pra isso.
Não é que traumatiza, mas a pessoa acaba demorando para descobrir o sexo gostoso, uma relação sexual que seja de entrega. Muitas vezes, os meninos acabam conhecendo pela pornografia.
Tem muitos homens que ouvem o podcast e mandam perguntas, porque aprenderam a sexualidade de um jeito torto, muito mais pelo ponto de vista da performance. As meninas também, hoje em dia, correm esse risco
Se a gente fala, leva informação, a hora que a pessoa vê aquele filme erótico ou pornográfico diz: “Isso não é sexo!” Então, sim, é levar informação sobre vida sexual, mas pra isso você tem de falar de tantas outras coisas…
Você tem de falar sobre a liberdade de ser quem você é; estar com a autoestima em dia; não carregar as culpas do mundo nos ombros; falta de diálogo; preconceitos; falta de sororidade entre as mulheres, porque uma julga outra; o ensinamento de que mulheres sempre competem pelo namorado, para serem as mais bonitas…
E também, conversar sobre o quanto o patriarcado, os homens – conscientemente ou não – se aproveitam disso até hoje, e acham mesmo que a gente está demais: “Calma lá, não vem roubar meu espaço de homem!” Eles estão confusos também. E a partir da ideia original [do podcast], abrem-se outros temas.
Se tem uma coisa que é rica e nobre pra mim é levar as pessoas a pensarem de maneira natural sobre temas que nunca pensaram ou conversaram
E não precisa ser aquela conversa de sexo entre amigas, que é também machista: “O cara é bom, manda bem…”
Uma hora vai chegar ao equilíbrio. E para isso, a gente precisa alimentar as pessoas com informação, discussão, e naturalizar as falas sobre coisas que todo mundo faz.
O que você quis dizer ao afirmar que, no podcast, você se apresenta de maneira diferente do que você se apresenta no vídeo?
No vídeo tem uma formalidade mais jornalística. Às vezes, tento até ser mais solta no podcast, quando vejo que estou fazendo muita pergunta e resposta. [Ali] eu não quero virar uma entrevistadora; quero uma conversa.
Se vira uma entrevista, a pessoa se distancia. Eu tento aproximar, nem sempre consigo, porque tenho uma formação de jornalista bem tradicional de televisão. E é diferente quando você não tem a imagem.
Estou experimentando essa brincadeira que quem faz rádio já curtiu. Pra mim é muito legal estar em outra plataforma, que não é a televisão, onde quem está me ouvindo pensa de maneira diferente. Sempre me pergunto: onde essa pessoa está, quando me ouve?
Quando alguém vem falar comigo sobre o podcast, sempre pergunto a que horas a pessoa ouve. E é sempre fazendo ginástica.
Eu não consigo ouvir podcast fazendo ginástica, correndo. Nessa hora, gosto de ouvir música, porque preciso do ritmo.
Em casa, eu ouço podcasts… ouço muito do carro. Adoro viajar de carro para ouvir podcast. O podcast do Chico Felitti – “A Mulher da Casa Abandonada” [o segundo mais ouvido no Spotify em 2022]– eu ouvi a temporada inteira indo do Rio a São Paulo pela Dutra (risada).
Acho que isso me faz ser diferente. No podcast, eu posso rir, posso ter esse tempo que você está tendo comigo para uma entrevista longa… Não preciso ficar editando – “deixa eu responder rápido, senão não vai dar tempo da pessoa compreender e vou ter de cortar…”
A gente vive muito isso. Quando vou fazer uma entrevista, estou sempre editando o que a pessoa está me dizendo. O podcast está me ensinando um tempo de espera da pessoa falar – e isso até ajuda na entrevista para a televisão também
[Na TV] a gente fica numa certa ansiedade, porque tem um tempo pequeno, não pode deixar a pessoa “viajar” muito, ir e voltar, porque quem pegar aquele material para editar vai levar o triplo do tempo.
E temos de entregar o material pronto, tem que ter respeito com o editor [de vídeo], que vai pegar aquilo.
Já no podcast, é mais relax. Você pode deixar a pessoa viajar e você entra na viagem dela, muda de assunto, depois volta.
Você acha que um podcast precisa de um formato? Necessita de alguém à frente com habilidades específicas ou isso fica para o jornalismo?
Depende do podcast. Se eu trago alguma habilidade da minha experiência jornalística, é no momento de conectar as três pessoas que estão ali comigo – deixar uma interessada na outra, fazer as histórias se interligarem para entregar algo interessante para quem quer que esteja ouvindo se identificar.
Agora, tem tantos formatos diferentes. O do Felitti, que eu adoro; o da Ana Paula Araújo – “Abuso” [baseado no livro dela, Abuso – A cultura do estupro no Brasil] – é muito interessante, uma narrativa completamente diferente de uma entrevista com três pessoas [como o meu].
O meu podcast é quase um programa de rádio, porque a gente faz um programa toda semana, com três convidados agendados no mesmo horário.
Ano passado, quando a gente parou um pouco e não queria sair do ar, criamos um formato para entrevistar somente uma pessoa, que é mais fácil, e os ouvintes mandavam perguntas. Deu tão certo que, agora, produzimos três episódios com três convidadas e um [quarto] episódio com um especialista.
O nosso dilema era: será que a gente põe um especialista ou não? Um ou uma especialista sempre traz uma informação nova, mas às vezes a gente fica com medo de deixar a conversa formal demais – e de que as pessoas, diante de um especialista, não se abram tanto, sejam menos espontâneas…
Quando você tem especialistas, a palavra final é deles e a gente não quer uma “palavra final”, queremos uma troca de ideias, então a gente evita colocar especialista.
Mas eu acho muito legal entrevistar especialistas, quando queremos aprofundar num tema específico. Por exemplo, a psicanalista Ana Suy, autora do livro A gente mira no amor e acerta na solidão, eu achei que merecia um episódio só com ela.
Aí tem uma pesquisa sobre sexo e sono, sobre a qual a biomédica Monica Andersen veio falar. Como eu aprendi ali! A gente nem imagina que uma hora a mais de sono por dia melhora a vida sexual de todo mundo.
Um podcast de 60 minutos exige uma boa conversa e, em muitos casos uma boa mediação entre as convidadas, quando a sua habilidade como entrevistadora é importante. Como e quando você encontrou a Renata entrevistadora? O que esta faceta tem que a repórter não tinha?
Olha, eu fui encontrando. Eu me lembro que lá no programa “Vitrine”, da TV Cultura [onde Renata esteve entre 1991 e 1995], no meu início de profissão, eu adorava fazer entrevista. A gente tinha um tempo longo de entrevistas. O gostinho, a vontade nasceu ali.
Aí foram acontecendo entrevistas importantes, especialmente emocionais. E é completamente diferente fazer uma reportagem e fazer uma entrevista.
Quando você faz uma entrevista, está na frente de uma pessoa e tem de fazer ela confiar em você. Você tem que conversar no tom do entrevistado até ele chegar.
Eu não tenho pressa de fazer entrevista pra gente. Se depois, um editor [de vídeo], reclama que está muito longo, eu faço tudo, se precisar.
Aprender a entrevistar é aprender a ouvir… e ouvir até o final, porque o repórter que está na rua está sempre ouvindo e pensando na próxima pergunta. Temos que desacelerar um pouco isso dentro da nossa cabeça
Não é fácil. É claro que a gente erra, mas essa habilidade é diferente. Você ouve mais o entrevistado numa entrevista do que durante uma reportagem.
Para uma reportagem, você ouve antes de gravar [o depoimento]; conversa muito com a pessoa, faz o famoso briefing, porque você já pesquisou; aí pega aquelas informações e formula perguntas para que a pessoa lhe dê as respostas que serão interessantes.
Na entrevista, você tem mais descobertas, é mais aberto. Não depende do que eu quero reportar [de notícia], que está relacionado a determinado assunto.
Eu vou para a entrevista assim: “O que essa pessoa vai dizer?”
Nas suas entrevistas, chama atenção o lado emocional, que o jornalista, geralmente, não mostra. Por exemplo, as entrevistas que você fez com a Lea T, modelo trans (exibida em janeiro de 2013), e com Déa Lúcia, mãe do falecido ator e humorista Paulo Gustavo (exibida em maio de 2021). Você concorda?
Eu peço ajuda ao Divino nessas situações difíceis, quando você tem de fazer esse tipo de entrevista. É respeitar ao máximo a pessoa que está ali na minha frente. E uma das maneiras de respeitar é deixar a pessoa falar.
Uma entrevista muito difícil para mim – para a qual eu fui na intenção de não perguntar nada e deixar ela falar – foi quando morreu o filho da Cissa Guimarães [Rafael foi vítima de um atropelamento aos 18 anos, em julho de 2010], com quem tenho uma relação emocional.
Cissa é uma pessoa que eu admiro muito, trabalhei com ela no “Vídeo Show”, vi aquele menino pequeno. Assim como ela, eu sou mãe…
Fiz três perguntas e deixei a Cissa falar o que ela queria, porque não é a pergunta que interessa nesse momento. Uma entrevista desse tipo, é muito difícil, não dá pra perguntar como a pessoa está se sentindo! É perguntar o menos possível
Já a mãe do Paulo Gustavo chegou com uma energia… e foi se abrindo. Eu acho que é chegar com todo o respeito do mundo numa entrevista dessa, se pôr no lugar do outro, usar a empatia.
Outra entrevista dificílima que fiz há pouco tempo com uma mãe que perdeu um filho, que morreu atropelado aqui no Rio de Janeiro, na frente dela. Um moleque atropelou a não sei quantos por hora de moto, a mais de 100 km por hora. Ele perdeu a pena na frente da mãe.
Eu me pergunto: “Meu Deus, como é que vou entrar numa casa em luto assim?” Você tem de entrar devagar, falar baixo. É muito difícil. E não dá pra entrar como uma repórter isenta de emoção, não existe isso. É até falta de respeito não ter empatia nessa hora
A gente vem de uma escola de jornalismo que diz para você não se emocionar, mas não dá! Você tem de viver a emoção da pessoa e deixar ela falar.
No caso da Lea T. era uma coisa completamente diferente. Eu adoro entrevistas de pessoas que vão mostrar um outro lado que vai chocar, que ninguém sabe. E ela me ensinou o que era uma pessoa transgênero. E foi sen-sa-cio-nal!
Depois, fiz uma série no “Fantástico” sobre pessoas trans, que virou um livro, Trans: Histórias reais que ajudam a entender a vida das pessoas transexuais desde a infância (2021).
Ninguém falava em pessoa trans e ela [Lea T.] tinha acabado dar uma entrevista para a Oprah Winfrey, estava no Brasil para um desfile e topou falar com a gente. Foi uma entrevista linda, porque ela explicou sentimentalmente
Outra coisa que eu gosto, quando falo sobre sexo – está vendo, tudo vira conversa de sexo (risada)! –, é a hora que as pessoas olham a parte humana. Acho que é isso que eu busco nas pessoas –, não importa se ela transa com homem, com mulher, a preferência sexual dela.
Interessa o fato de ela ter nascido de uma maneira e se sentir de outra – o sofrimento. Aí você chega num ponto que todos nós temos, que é o tal do não-pertencimento, de se sentir errado em alguma coisa da vida.
É muito legal quando você vai pela parte humana, porque aí todo mundo se identifica. Mais do que [trazer] a emoção, é humanizar a situação.
Você iniciou a vida profissional no telejornalismo, na década de 1980, em um ambiente completamente diferente do atual. Tudo era mais sério, mulheres tinham temas específicos para cobrir, usavam cabelos curtos e blazer para ter credibilidade. Como você avalia essa evolução, tanto do jornalismo quanto dos formatos de se comunicar com a audiência?
Quando eu usava blazer porque tinha que ter credibilidade jornalística, porque era um jornalismo mais sério, eu engravidei [ela é mãe dos gêmeos Marcela e Rodrigo] e, logo depois, fui pra TV Cultura, num programa que marcou a minha vida – o “Vitrine”, que falava dos bastidores da TV.
Lá tinha uma diretora – Ângela Sander, que depois chegou a dirigir o Faustão, foi diretora do “Vídeo Show” também. Ela já não está mais entre nós. Um dia, fui entrevistar um taxista – não me lembro sobre o que era a matéria – e ele falou uma coisa que me deu um ataque de riso. Eu ri muito com ele. Depois, retomei e segui com a entrevista.
Na hora da edição [da reportagem], ela me chamou e falou: “Estou morrendo de rir com isso”. Eu respondi: “Tudo bem, mas dá para cortar, né?” Ela disse: “De jeito nenhum. Eu quero que você faça isso!”
Ela me ajudou a ser mais espontânea na televisão, mas, naquela época eu ouvi também de colegas do jornalismo tradicional: “Você não pode rir na TV. Você vai perder a credibilidade!” Bom, então eu não quero mais fazer isso!
Depois, fui pro “Vídeo Show”, pro “Fantástico”, mas aí criou-se uma coisa importante – um estilo próprio. Quando nós mulheres passamos a conquistar espaço na televisão, ninguém – nem os homens – tinha um estilo. Ninguém ria, ninguém era solto. Hoje, o jornalismo permite muito isso.
Eu me lembro que o Serginho Groisman deu uma entrevista falando sobre isso, há muito tempo atrás, acho que no “Vitrine”, falou que estava na hora do jornalismo relaxar.
Desde o VHS, as pessoas começaram a saber a se comportar na frente da câmera – já não era mais segredo. Então, pra chegar no público, você tinha de ficar cada vez mais natural. Aí, quando você entra na era da internet, quando todo mundo se produz, faz conteúdo, você vai impostar a voz pra falar? Não!
Sim, o jornalismo foi mudando. Quem não vai se adaptando, cansa, o veículo perde o fascínio por conta das plataformas, da experimentação.
Dá pra dizer que você transita muito bem entre entretenimento e jornalismo…
Hoje, eu adoro ouvir isso, mas foi uma questão. Antes, ou você era do entretenimento, ou você era do jornalismo. Eu fiquei muito feliz quando eu ouvi exatamente isso de um grande jornalista, Ali Kamel, que é o diretor-geral de Jornalismo da Globo.
Para mim, esse é o melhor elogio, porque a credibilidade jornalística não está em um dia você rir em uma matéria de entretenimento, e no outro estar numa matéria séria. Isso não vai dizer o quão jornalista você é
Aos poucos, isso mudou – e a própria Globo traz uma mistura de jornalismo com entretenimento.
Eu me lembro de quando fui pro “Vídeo Show”, não existia o jornalismo de entretenimento. O Mário Lúcio Vaz [falecido ex-diretor da Central Globo de Produção] dizia que aquele programa era para ser isso que estava sendo usado nos EUA e a gente trouxe para cá, o programa teve uma reformulada.
Eu fazia as matérias que eram entretenimento, mas eram também jornalismo. Por quê? Porque eram entrevistas, porque a gente questionava o processo de fabricação de uma música – era informação.
Me lembro de ter sido entrevistada uma vez por uma pessoa que disse não haver diferença nenhuma entre o produtor de conteúdo e o jornalista. Eu disse: “Tem, sim! O jornalista traz informação checada e rechecada. Para produzir um conteúdo, você não tem esse comprometimento que um jornalista tem. Deveria ter, mas não tem”.
Uma prova de que você transitou nessa via, que hoje é de duas mãos, é que logo após deixar a apresentação do Fantástico, você foi indicada ao Emmy Internacional 2017 por uma reportagem sobre o assassinato de Marielle Franco.
A gente foi indicado ao prêmio junto com uma cobertura do Jornal Nacional. Mas, sim, ela começou no Fantástico com as minhas entrevistas mesmo. É porque você passa da curiosidade à indignação, à vontade de buscar, de conseguir uma entrevista.
Eu queria muito conversar com a testemunha que estava no carro naquela hora com a Marielle. Ela viu, sobreviveu. Isso toma a gente de uma forma que você vai atrás
É a mesma vontade que tenho de entrevistar os Titãs, que irão voltar… eu queria estar no bastidor mostrando a volta deles nesse primeiro show. É uma curiosidade jornalística, é uma informação e é entretenimento.
Eu acho que faço jornalismo de entretenimento.
Você já disse antes que o período de dois anos em que ficou como correspondente do Fantástico em NY foi uma forma de combater o medo. O que quis dizer com isso?
Eu fui com muito medo porque era quase um começar de novo… um começar de novo longe da minha família, porque deixei meus filhos aqui.
Era para ser uma experiência de um ano, depois viraram dois anos. Eu estava num período difícil, tinha acabado de me divorciar. E aí foi quando eu me descobri muito
Brinco que eu conheci a liberdade masculina, porque ali era assim: “Renata, você tem que ir para o interior do Texas na sexta-feira, para fazer a matéria do domingo”. Só dependia de mim, porque eu não estava com os filhos, minha casa era só fechar e avião, naquele país, tinha a toda hora.
Tive uma liberdade que, fiquei imaginando, os homens sempre tiveram – porque tradicionalmente é a mulher que cuida da casa. Para o homem, o trabalho está sempre em primeiro lugar na vida dele.
Foi muito interessante. Venci vários medos e voltei muito mais forte de lá. Profissionalmente, aquilo me levou a lugares que eu jamais iria
Eu atravessei o túnel que El Chapo criou para fugir da polícia no México. Fui para a cidade que tinha mais ursos que gente. Fiz matérias que eu jamais pensei em fazer. E são experiências que a gente carrega para a vida.
Essas experiências tarimbaram você para fazer não só o Fant 360, como possivelmente o podcast também?
Sim. Quando você vai se permitindo viver experiências diferentes na vida, parece que ela fica mais longa. Teu olhar vai mais pra frente – a vida não acabou aqui.
Brinco que estou chegando nos 60 anos e a parte da vida que está à frente vai ficando mais curta. Aí você descobre que tem tanta coisa ainda para viver
Quando eu saltei de bungee jump, eu entrevistei o A. J. Hackett, criador do esporte, lá na Nova Zelândia. Perguntei a ele: “Por que as pessoas fazem essa loucura? E por que eu estou fazendo? Eu fiz uma vez; fiz a segunda; pulei de um prédio; agora estou adorando isso!”
Ele respondeu: “Porque isso dá coragem para você mesmo enfrentar o medo. Você sai com sua autoestima elevada, você sai mais forte”.
O podcast parece te dar a oportunidade – e a todo mundo que participa – de desmanchar ideias preconcebidas e reconstruir alguns conceitos de vida…
Sou muito confrontada, inclusive pela equipe, que é muito jovem. É uma equipe só de mulheres – Perla, a coordenadora, Letícia, Isa e Duda têm, no máximo, 32 anos. É uma troca maravilhosa, eu aprendo muito.
Já aconteceu de durante o podcast você se surpreender com outras mulheres, ou com você mesma reproduzindo ideias ou comportamentos machistas? Às vezes, é mais chato reconhecer o machismo em uma mulher do que em um homem… Como você lida com isso?
Discutindo, passando a bola para o outro. Vai ter sempre alguém. Tivemos um episódio em que Lucinha Lins falava: “Gente, por que eu estou sendo machista?” e as outras convidadas explicavam, num clima amigável.
Na minha vida real, às vezes eu sou mais irritada (gargalhada). Sou briguenta com minhas amigas: “Isso está errado”. Mas no podcast é sempre no conversar, porque é preciso aceitar
Pouco tempo atrás, postei um vídeo do show da Anitta para o qual fui convidada, e fui criticada: “Como é que você gosta da Anitta? Vou parar de te seguir!”
Eu fiquei pensando, a pessoa não só tem preconceito contra Anitta, como tem preconceito contra quem gosta da Anitta! A pessoa não consegue parar para pensar por que algumas pessoas veem valor nela?
Pode ser que tenha valores que essa pessoa não goste, não reconheça. Mas quais são os outros valores que levam essa artista a ser reconhecida lá fora?
Acho que as pessoas têm preguiça de pensar, sabe?
Adriana Alcântara trabalhou como atriz e cursou artes cênicas sem imaginar que esse lado criativo poderia ser um trunfo no ambiente corporativo. Ela fala sobre sua carreira e o papel à frente da Audible, plataforma de audiolivros da Amazon.
Desconstruir mitos e fórmulas prontas, falando a língua de quem vive na periferia: a Escola de desNegócio aposta nessa pegada para alavancar pequenos empreendedores de São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo.
Pioneiros do podcast muito antes do estouro desse formato, Alexandre Ottoni e Deive Pazos venderam o Jovem Nerd para o Magalu, mas seguem na operação. E agora realizam um antigo sonho: o lançamento de seu primeiro videogame.