Questionar a forma como as coisas funcionam sempre fez parte da personalidade de Rafael Puglisi, 32.
Nascido em São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo, ele decidiu estudar engenharia mecânica exatamente para entender o funcionamento das estruturas. Mais tarde, viagens transformadoras (por países como Canadá, Cuba, Argentina, Bolívia e Nepal) abriram sua cabeça e o fizeram refletir sobre formas de consumo e produção mais sustentáveis.
Assim, em 2017, Rafael criou a Ybyrá, um negócio social que produz pratos, bandejas e embalagens ecológicos, reutilizáveis e compostáveis feitos a partir de palhas de palmeiras recolhidas em áreas urbanas. Ele afirma:
“A escolha pela palha de palmeira veio por esse ser um material resistente, leve e abundante nas grandes cidades”
Segundo o fundador, Ybyrá significa “árvore” em tupi-guarani; o nome seria uma homenagem aos povos originários e à maneira como eles se relacionam com a natureza. “Os indígenas veem valor em coisas simples, onde muitos acham que não há. Essa também é a ideia da Ybyrá.”
Rafael conta que, além da preservação da natureza, o negócio tem como objetivo mostrar, pelo exemplo, que o cultivo de práticas ambientalmente responsáveis pode ser simples e é possível mesmo nos centros urbanos.
Apesar dos malefícios comprovados do uso de plástico, que, segundo o Ministério do Meio Ambiente, demora, em média, 450 anos para se decompor, ainda é comum ver copos, pratos e talheres desse material sendo usados e, logo em seguida, descartados.
Por se tratar de uma situação frequente, Rafael só foi questioná-la ao ter contato com culturas com hábitos de consumo diferentes dos seus.
“No Nepal é comum a utilização de diversas plantas como utensílios; já em Cuba, os itens são descartados de forma bem mais ponderada”
O empreendedor explica que itens feitos de matéria orgânica, como plantas, demoram entre 6 e 12 meses para se decompor, além de gerarem produtos naturais como adubo orgânico, produzindo, assim, quase nenhum impacto ambiental.
De volta ao Brasil, além de concluir a graduação e iniciar o mestrado, Rafael seguiu estudando diferentes culturas e, inclusive, chegou a fazer um curso de tupi-guarani.
Em paralelo, ele trabalhava como executivo de vendas em uma multinacional, onde teve contato com empresas que seguiam práticas de produção conflitantes com a sua nova visão de mundo.
“Fiquei indignado com a geração em massa de resíduos e a falta de apoio à indústria local. Acredito que somos responsáveis pelo impacto das coisas que criamos”
Assim, inspirado pelas suas viagens e em busca de novas alternativas para substituir o uso de descartáveis, em 2016, Rafael teve a ideia de produzir, por conta própria, utensílios domésticos, como pratos e bandejas, feitos exclusivamente de matéria orgânica e, portanto, biodegradáveis.
O primeiro passo da criação da Ybyrá foi o estabelecimento de um sistema de manufatura para o desenvolvimento dos produtos.
Para isso, o Rafael usou seus conhecimentos em indústria e investiu 50 mil reais do próprio bolso na compra de máquinas, como uma prensa industrial. Em seguida, se debruçou no desenvolvimento dos primeiros protótipos dos pratos e no mapeamento de áreas de coleta.
O fundador conta que o início foi desafiador e demandou resiliência.
“Quando a gente é pequeno, não temos muitos recursos e, consequentemente, [nem] margem para erros… Mesmo assim, temos que aprender a lidar com a falha e acreditar no processo. A Ybyrá é uma missão de vida para mim”
Apesar dos contratempos, a empresa seguiu e, em 2019, por meio de um financiamento coletivo, feito pela plataforma Catarse, conquistou 6 mil reais de impulso.
“Nesse momento, ganhamos mais forma, construímos um material de comunicação, começamos a participar de feiras e eventos e diversificamos os produtos”, diz Rafael.
A produção da Ybyrá é toda sob demanda, para evitar desperdícios. Em média, o produto leva entre sete e 15 dias para chegar ao consumidor.
A empresa já vendeu mais de 50 mil utensílios para todo o Brasil. Em média, fatura, 10 mil reais por mês. As vendas digitais começaram na pandemia e já representam 50% da receita total.
O restante decorre de eventos e feiras (20%) e da distribuição de produtos feitas por cooperativas parceiras especializadas em produtos orgânicos (30%), como os Institutos Feira Livre, Chão e Baru, em São Paulo, e o Armazém do Campo, no Rio de Janeiro e no Paraná.
Não há venda de pratos individualmente, apenas em pacotes com cinco (entre 31 reais e R$ 36,50), 10 (de R$ 32,80 a 40 reais) ou 50 itens (R$ 136,80 a R$ 169,60). A variação do preço dentro dos combos decorre do modelo de prato escolhido.
Hoje, além dos pratos, bandejas e embalagens ecológicos, produzidos de forma independente, a Ybyrá vende talheres, canudos, copos, garrafas, velas aromatizadas, buchas vegetais, camisetas e ecobags feitos por parceiros alinhados com os seus valores.
“Os novos produtos vieram para fortalecer a Ybyrá e alcançar mais clientes. Um dos nossos focos são as festas e eventos, onde, normalmente, as pessoas usam diversos utensílios plásticos. Por isso, além das unidades, vendemos pacotes com 10 e 50 itens”
Nenhum desses outros itens do catálogo é feito de palha de palmeira. Segundo Rafael, apesar de a maioria dos produtos terceirizado ser biodegradável, eles não são feitos de matéria orgânica e vêm de empresas com produções tradicionais em larga escala.
As camisetas, por exemplo, são fabricadas com materiais reciclados; os talheres, de madeira de reflorestamento. Alguns copos são feitos com fibra de bambu; a ecobag é de algodão cru.
A produção da Ybyrá passa por algumas etapas. Em parceria com prefeituras locais, são mapeadas as áreas onde acontece a coleta das palhas de palmeira.
Normalmente, a coleta ocorre em parques, praças e chácaras nas regiões de Mauá, São Bernardo do Campo, São Paulo e Rio Grande da Serra, na região metropolitana de São Paulo onde está localizada a fábrica e onde Rafael mora.
O fundador destaca que não há interferência no processo natural das árvores durante a coleta. “Nenhuma planta ou árvore é derrubada: utilizamos apenas resíduos vegetais e de poda”, diz Rafael.
Cerca de três vezes por semana, a equipe da Ybyrá, formada pelo fundador, dois funcionários e colaboradores eventuais, sai para a coleta das palhas. De 2020 até 2023, foram coletadas mais de 10 mil folhas.
“Trata-se de um material que iria para os aterros sanitários ou lixões, então, ao realizar a coleta, além de darmos nova vida a estes itens, também diminuímos os gastos da Prefeitura”
Na fábrica, as palhas são cortadas, selecionadas e prensadas para adquirir o formato desejado.
Rafael conta que, durante esse processo, devido à pressão e à umidade, são eliminados microrganismos potencialmente prejudiciais à saúde, mas, para garantir, ainda é feita a higienização por meio de uma câmera de radiação de luz ultravioleta.
Todo o processo produtivo da Ybyrá, afirma Rafael, é totalmente livre de aditivos químicos. Isso também implica em características distintas do padrão industrial.
“É agricultura urbana, temos que entender a umidade, pressão e temperatura dos materiais. Em média, produzimos 4 mil pratos por mês, mas eu não controlo o tempo de produção, tudo depende da quantidade de matéria prima disponível na natureza, que varia com a época do ano, por exemplo”
Segundo o empreendedor, esse jeito de produzir explica, também, o fato dos utensílios não serem totalmente uniformes e contarem com pequenas variações de espessura e coloração. Para preservá-los melhor, Rafael recomenda usar pouca água na lavagem e armazenar em lugares secos e arejados
Além de concluir o doutorado em biomecânica de árvores na Faculdade de Engenharia da USP, o empreendedor agora espera aumentar as parcerias com empresas, fazer mais eventos e vender produtos relacionados ao segmento de cosméticos naturais.
Outro objetivo é captar recursos para desenvolver um aplicativo. A proposta do app? Conectar pessoas e empresas interessadas em auxiliar na coleta dos resíduos orgânicos com a equipe da Ybyrá.
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