No dia 18 de maio de 2018, uma sexta-feira, o designer Rodrigo Maroja acordou às 5 da manhã com um incômodo no pescoço. Levantou-se, viu sua mulher, a arquiteta Ana Paula, então grávida de dois meses, dormindo no sofá.
Ele só teve tempo de dizer que ia pegar um relaxante muscular. Logo em seguida, ele caiu no chão, desmaiado. Tinha sofrido um AVC, aos 42 anos.
Essa história poderia terminar aí, pela gravidade do caso. O desfecho, porém, foi outro, graças à sorte, ao atendimento médico e à perseverança de Rodrigo, que acolheu sua nova condição sem revolta:
“O AVC foi a melhor coisa que poderia ter acontecido na minha vida. Por mais difícil que tenha sido e ainda esteja sendo, me ajudou a entrar em uma jornada para me tornar uma pessoa melhor”
Rodrigo resolveu retribuir o amor que recebeu naquele período. Hoje, ainda em reabilitação, ele toca a Kosmic Design, que busca levar mensagens positivas por meio do design em produtos como camisetas, ecobags, pôsteres e travesseiros.
O PROGNÓSTICO ERA FICAR SEM ANDAR, FALAR E SE ALIMENTAR PELA BOCA
Rodrigo trabalhou na Editora Abril por mais de dez anos, até 2012, quando passou a atuar como designer freelancer.
Tinha uma rotina puxada de trabalho, mas não era sedentário e se alimentava bem. Bebia socialmente, não fumava nem tinha pressão alta. Suas condições físicas não explicam o AVC.
“Tive uma dissecção da artéria cerebelar esquerda”, conta. “Ela se rompeu e até hoje não tem uma resposta do porquê isso aconteceu. Alguns neurologistas acreditam que seja genético, outros não apostam nesta hipótese — mas também não têm outra explicação.”
Ele passou aquele final de semana de maio de 2018 e parte da segunda-feira em coma induzido. Como demorou para seu corpo estabilizar, o estrago foi grande.
“O último exame que fiz mostrava que perdi o cerebelo esquerdo inteiro e um pouco da ponta do tronco, que faz a comunicação entre o cérebro e o corpo”
O prognóstico dos médicos era péssimo: mesmo sem danos cognitivos, Rodrigo não voltaria a andar, falar ou se alimentar pela boca.
Ele passou 35 dias na UTI; Ana Paula dormia no sofá ao lado. “No começo, eu não conseguia ir para a cadeira de rodas para chegar ao banheiro do hospital. Tinha que tomar banho na maca e usei fralda nesse período.”
Ainda no UTI, no entanto, começou a tentar ficar de pé. “Eu tinha que ir até o final do corredor e voltar. A sensação era como a de uma ‘maratona de 200 quilômetros’… Uma coisa sobre-humana, mas eu fazia feliz por estar conseguindo.”
HOJE ELE LEVA UMA VIDA “NORMAL”, CORRE E JOGA BASQUETE
Na volta para casa, teve início a transição. Rodrigo tirou a fralda e, com o tempo, passou a tomar banho de pé.
Foram quatro meses se alimentando por sonda e mais dois fazendo uma adaptação para voltar a deglutir e poder comer pela boca.
“No dia 17 de dezembro, três dias depois do nascimento da minha filha, Luna, fiz uma cirurgia para tirar a sonda e voltar a me alimentar normalmente”
Os profissionais de fisioterapia e fonoaudiologia visitavam Rodrigo diariamente, na parte da manhã e da tarde no atendimento home care. Ainda em dezembro, ele passou a andar na esteira por alguns minutos.
No começo de 2020, a fisioterapeuta o “abandonou” [deu alta], mas Rodrigo continua fazendo exercícios em casa e passando relatórios para ela sobre sua evolução. Hoje, o designer corre na esteira e até joga basquete. Tem apenas a paralisia do lado esquerdo da face e a coordenação motora mais reduzida.
“Levo praticamente uma vida normal. Continuo evoluindo. Eu não parei nem um dia de fazer as terapias. Enquanto eu tiver resposta, vou continuar fazendo.”
NÃO É CLICHÊ: O AMOR SALVA
Depois do derrame, o designer conta que passou a se agarrar mais ao lado positivo de cada situação. “Se senti tristeza ou frustração neste período, foram duas ou três vezes… Na maior parte do tempo, senti uma imensa felicidade.”
Na sua opinião, o amor agilizou sua recuperação, considerada surpreendente pelos médicos, segundo o designer.
“Entendi que o que fez diferença para mim foi me sentir amado por todo mundo. Minha mãe ia sempre me visitar; minha esposa, mesmo grávida, dormia no hospital e continuou trabalhando durante e após a gravidez para nos manter. Eu recebia mensagens pelas redes sociais de conhecidos e até de pessoas que eu não conhecia”
Ele conta que essa percepção do carinho ao redor se estendeu ao atendimento recebido da equipe médica.
“Alguém pode questionar que um médico está fazendo [apenas] o seu trabalho e é bem pago por isso. Mas o enfermeiro, que está dando plantão de madrugada e ganhando pouco, cuidava de mim com uma dedicação ‘inexplicável’.”
Segundo Rodrigo, não se trata de sentimentalismo. “Me sentir amado por todo mundo com quem eu tinha contato fez muita diferença.”
A OBSESSÃO POR AGRADECER O CARINHO RECEBIDO RESULTOU EM UM NOVO PROJETO
Assim que se deu conta de sua nova situação, Rodrigo passou a pensar como viveria a partir de então, se conseguiria voltar a trabalhar e como fazer isso.
Além disso, pôs na cabeça, “quase como uma obsessão”, que precisava fazer algo para retribuir o carinho e amor que recebeu enquanto estava hospitalizado.
“Ao longo da minha vida, sempre fiz caridade, mas naquele momento pensei que não era o suficiente. Em vez de fazer algo pontual, será que eu não poderia contribuir 24 horas por dia para um mundo melhor?”
Ele começou a matutar sobre isso, ao mesmo tempo em que passou a consumir diferentes conteúdos, de livros, a podcasts e vídeos sobre filosofia, física quântica, meditação, neurologia, psicologia, entre outros assuntos correlatos.
Exatamente um ano depois do acidente, teve a ideia da Kosmic Design:
“Acordei com o projeto pronto no dia 18 de maio de 2019, como se alguém tivesse entregado um documento sobre o que eu deveria fazer. E pensei que, na primeira brecha de tempo que eu tivesse, iria começar a desenhar produtos que transmitissem uma mensagem positiva, porque foi o que me salvou e fez eu encarar o AVC como a melhor coisa que aconteceu na minha vida e não a pior”
O nome Kosmic tem tudo a ver com a proposta, explica.
“O cosmos, o universo, a natureza me conduziu a criar esse projeto. Quando, como e o que aconteceu me conduziu a isso. Foi, definitivamente, algo cósmico. Estou respondendo a um chamado do cosmos. Por mais new age que pareça, para mim é algo muito concreto, real e pé no chão.”
NO MAPA DE METRÔ FICTÍCIO, A LINHA CENTRAL TEM TRAÇADO EM FORMA DE CORAÇÃO
A brecha de que Rodrigo precisava para criar só veio em agosto de 2019, quando o designer passou a ter as tardes de segunda, quarta e sexta livres, depois das terapia.
Ele decidiu dedicar esse período para o trabalho, totalizando 12 horas por semana. De agosto de 2019 a março de 2020, debruçou-se no projeto Good Vibes Maps, dando impulso à primeira coleção da Kosmic.
“Foram 408 horas de trabalho, mais da metade do tempo pesquisando palavras positivas”, conta.
A partir de uma lista de 435 palavras, Rodrigo desenhou um mapa de metrô fictício, inspirado na estética do metrô de Nova York (mapa por sua vez criado pelos designers Massimo Vignelli e Bob Noorda e pela equipe do escritório Unimark).
No metrô da Kosmic, são 11 linhas — 11 grandes temas, como Felicidade, Gratidão, Humildade e Resiliência –, 44 trens e 315 estações. Tudo representado por palavras positivas e inspiradoras.
“A linha central, por onde todas as outras cruzem é a do Amor, por isso o design é em formato de coração”, afirma. “Acredito que toda virtude nasce do amor e passa por ele.”
Há até um modo sugerido de usar o mapa. “A pessoa pode escolher a linha que mais precisa naquele momento, como por exemplo a da Gentileza. Conforme o ‘trem’ avança, ela vai sentindo a emoção, o estado ou a qualidade das boas vibrações das estações.”
Segundo o designer, as palavras ajudam a despertar sensações e ações positivas em quem navega pelo mapa, como uma espécie de gatilho emocional. Ele conta, no entanto, que a proposta não é ser um produto de autoajuda superficial:
“Percebi que na nossa cultura, não existe uma educação emocional, eu pelo menos não tive isso e acho que a maioria das pessoas também não. Nada do que eu aprendi em 42 anos me preparou emocionalmente para este momento. Por isso, me propus a criar uma ferramenta emocional”
Ele optou por lançar os produtos em inglês para vendê-los internacionalmente. O mapa (um pôster de 60 cm x 84 cm) custa R$ 159,90. Além dele, Rodrigo desenhou para a coleção Good Vibes placas com os nomes das estações (R$ 159,90), camisetas (R$ 99,90), ecobags (R$ 89,90) e travesseiros com o desenho dos letreiros (R$ 109,90). Todos, diz Rodrigo, com a proposta de trazer uma “alfinetada de reflexão”.
ELE DEIXOU DE LADO A IDEIA DE CROWDFUNDING E ABRIU UM E-COMMERCE
Inicialmente, Rodrigo queria levar suas criações ao mercado por meio de um financiamento coletivo. A Kosmic Design não era uma empresa, mas um projeto por meio do qual ele lançaria os produtos. A Covid-19, porém, atrapalhou os planos:
“Veio a pandemia e ficou difícil de falar com fornecedores, alguns inclusive fecharam. Ao mesmo tempo, as empresas de financiamento coletivo não me deram uma resposta positiva, achavam o projeto muito complexo.”
Em agosto de 2020, depois de cinco meses tentando dar vida à Kosmic por crowdfunding, ele começou a pensar em um e-commerce, mas tinha receio de fazer um investimento sem certeza de retorno.
“Nesses três anos, mesmo com a ajuda dos meus pais, familiares e minha esposa trabalhando pra cacete, a gente ‘comeu’ metade das nossas economias com medicamentos, tratamentos e o fato de eu não estar trabalhando há três anos. Qualquer investimento teria que ser ‘cirúrgico’.”
Conversou com Ana Paula e recebeu apoio para seguir em frente, investindo cerca de 50 mil reais, entre testes de produto e criação do site na plataforma Shopify. O lançamento oficial aconteceu em maio de 2021. “As vendas, para um projeto um tanto complexo de comunicar a que veio, têm sido boas.”
MAIS DO QUE UM TRABALHO, UMA MISSÃO
Rodrigo afirma que poderia ter voltado a trabalhar como designer freelancer depois do AVC, mas se questiona o que seria capaz de produzir em apenas 12 horas semanais, tempo que tem hoje disponível durante as terapias de reabilitação.
Por isso, optou por investir suas horas no projeto da Kosmic Design, com a intenção de que um dia a marca se torne seu ganha-pão.
Por enquanto, o mais importante para ele é saber que está produzindo algo que tenha impacto positivo e que seus produtos sejam mais reflexivos do que utilitários.
“No momento em que aconteceu aquilo comigo, nasceu uma obrigação de colocar a Kosmic [no ar]. Por isso, optei por dedicar todo meu esforço e energia para a construção dessa missão”
Além do propósito de divulgar mensagens positivas, Rodrigo aliou o pilar social e sustentável à proposta da empresa, que destina uma porcentagem de todas as receitas de vendas para causas de caridade e compra créditos de carbono com base no impacto do transporte de seus produtos.
A jornada que teve início no hospital acabou por revelar ao designer uma porta para o empreendedorismo — e um novo sentido para sua vida:
“Alguém pode dizer que minha ideia não é realista, é utópica… Mas, depois do que aconteceu comigo, eu não poderia fazer outra coisa.”
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