Desde o início do ano, a maior varejista de moda do Brasil, a Lojas Renner, anunciou o lançamento de seu corporate venture capital, o RX Ventures, para investir como minoritária em startups, e a aquisição completa de uma startup de logística, a Uello. Lançou sua primeira coleção desenvolvida a partir de modelagem 3D, que substitui uma parte do processo feito manualmente. E realizou um desfile no ambiente virtual, sem modelos: os convidados utilizaram óculos de realidade virtual para assistir as peças de roupa desfilarem, um formato inédito no país.
Depois, lançou uma coleção desenvolvida totalmente de forma digital, com 10 modelos de peças, entre moletons, calças, camisas e bermudas, inspiradas no PlayStation5, com o objetivo de atrair o público gamer. No ano passado, a empresa começou a testar o metaverso, lançando uma simulação de loja dentro do game Fortnite, e vem realizando alguns treinamentos com funcionários no ambiente virtual.
“Quem sabe no futuro, a gente possa ter peças digitais no metaverso? Já tem marcas vendendo NFTs”, antecipa Fabio Adegas Faccio, diretor-presidente da Renner. Em entrevista ao Draft, ele ressalta o pioneirismo da marca em diferentes searas e faz um panorama completo de como a empresa cuida da inovação – em processos, produtos, matérias-primas, sustentabilidade, investimentos em infraestrutura e nos métodos de trabalho (a empresa usa a metodologia ágil).
A varejista, fundada em 1965 como loja de departamentos, foi a primeira empresa de varejo a oferecer um cartão de crédito aos consumidores, em 1973. Mais tarde, passou por uma reestruturação, nos anos 1990, para se tornar especialista em moda. E implantou um painel eletrônico, batizado de “encantômetro”, na saída de cada loja com os botões “muito satisfeito”, “satisfeito” e “insatisfeito”, materializando seu propósito.
“Desde a criação da empresa, o nosso propósito é encantar, e encantar é superar expectativas. Para superar expectativas precisamos inovar sempre”
Na prática, para a Renner o encantamento significa a melhoria contínua da experiência do cliente, o que atualmente se traduz em reduzir o tempo de espera nas filas, garantir que o cliente consiga o tamanho da roupa que precisa, que as entregas do e-commerce sejam feitas em até dois dias, e que as peças transmitam moda e sejam mais sustentáveis. Além de melhorar a experiência do cliente interno – as equipes de funcionários.
Com mais de 25 mil funcionários e 653 lojas no Brasil, Argentina e Uruguai, sob as marcas Renner, Camicado, Youcom e Ashua, a Lojas Renner S.A. é reconhecida por sua consistência. É a primeira corporation brasileira, possui capital aberto na bolsa de valores brasileira desde 1967, e está no Novo Mercado desde 2005 – categoria com as mais avançadas práticas de governança corporativa.
No ranking das 73 empresas que compõem o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE/B3) em 2022, a Lojas Renner está em segundo lugar (atrás da empresa de energia EDP), com destaque para seu modelo de negócios e inovação, dimensão na qual alcançou 99 pontos, de um total de 100. “Temos usado muito a inovação para trazer uma proposta cada vez mais sustentável para os nossos produtos e para as nossas empresas”, ressalta Faccio.
Leia mais detalhes a seguir na entrevista:
Como funciona a governança da inovação na Lojas Renner – o organograma, os processos, rotinas e operações relacionados à inovação?
A inovação é tratada de forma transversal em todas as áreas e negócios, não tem uma pessoa ou uma área responsável. A inovação está na nossa cultura, nos nossos princípios e nos nossos valores.
Desde a criação da empresa, o nosso propósito é encantar, e encantar é superar expectativas. Para superar expectativas precisamos inovar sempre. Só repetir o que sempre fizemos e não criar algo novo não supera a expectativa.
Nosso principal objetivo de inovação é impactar positivamente a jornada do cliente, melhorar a experiência do cliente e ao mesmo tempo, da nossa equipe para poder fazer o atendimento do cliente.
Principalmente após o início da pandemia, os hábitos de consumo vêm mudando mais rapidamente. Temos um time de dados, um de tecnologia, trabalhamos com as alianças, tribos e squads de agilidade – que são times que nos ajudam a inovar bastante, mas não tem um responsável por inovação
Temos muita inovação principalmente nas lojas físicas – na digitalização dos processos.
Os times e executivos têm métricas e metas de inovação?
Temos alguns canais e produtos mais novos que medimos tanto a maturidade dos processos, como os projetos entregues. Criamos novos canais de atendimento, no físico e no online, nos últimos anos: aplicativo, WhatsApp, atendimento feito de forma online quando o cliente está na loja presencial. Estamos medindo qual a participação nas vendas através dos novos canais, como isso vem escalando.
Um dos maiores atritos que tínhamos com os clientes era que quanto mais a gente vendia nas lojas físicas, maiores eram as filas para o caixa. Criamos novas modalidades de pagamento através do próprio smartphone do cliente, de caixas de autoatendimento e do smartphone da equipe.
Hoje temos lojas em que cerca de 30% das compras não passam pelos caixas tradicionais, passam por essas novas modalidades que geram uma produtividade e eficiência maiores, reduzem as filas e geram uma experiência melhor para os nossos clientes
Medimos o quanto essas novas formas de atendimento estão impactando a experiência do cliente e estamos atingindo recordes anuais desde 2019 no nosso encantômetro e no NPS [Net Promoter Score, métrica de lealdade do cliente] desde que implementamos novas formas de atendimento e em 2022 vamos bater recorde novamente. Estamos trabalhando em inovação nos estoques, nas coleções, então acho que tudo impacta positivamente.
Temos visto empresas lançarem corporate venture capital nos últimos 20 anos, inclusive no Brasil. A Lojas Renner lançou o seu somente em março deste ano: anunciou 155 milhões de reais para investir em pelo menos 10 participações minoritárias em startups até 2026, com previsão de aquisição completa ou desinvestimento até 2030 e a administração da gestora PorCapital. Como chegaram a este modelo e por que só agora?
Temos uma área de inovação aberta que há anos está em contato com várias startups com as quais trabalhamos ou via parceria, como fornecedores, ou com testes de conceito para ver se podem se tornar parceiros, investidas ou aquisições.
Fizemos duas aquisições recentes, uma em agosto do ano passado do Repassa, é um brechó online, uma startup de venda de usados de moda. E mais recentemente, em abril deste ano, fizemos a aquisição da Uello, que é uma log tech — startup voltada para área de tecnologia logística, principalmente na entrega da última milha que para gente é muito importante.
Há dois anos, começamos a desenhar uma estratégia de ter um ganho maior tanto para as startups como para a gente. Então nós estruturamos a área de inovação aberta e isso ajudou a fomentar ainda mais a relação com as startups. Algumas em fase inicial não estavam super prontas para serem grandes fornecedores, mas tinham potencial.
Entendemos que investir em empresas que possam fazer sentido estratégico, tanto com o capital, como com troca de experiências para desenvolvimento mútuo é uma outra vertente importante, por isso lançamos o RX Ventures, que é outra forma de se aproximar ainda mais desse ecossistema
Também temos alguns projetos temáticos com universidades e o programa Circuito, de atração de talentos para ajudar na inovação da empresa.
E em relação às leis de incentivo à inovação, a Lojas Renner usa alguma legislação federal ou regional?
Sim, usamos sempre que é possível encaixar em projetos de inovação, relativa à produto que para a gente é constante, e toda a parte de desenvolvimento de produto. Em alguns momentos quando fazemos inovações maiores, conseguimos trabalhar com leis de incentivo, seja a Lei do Bem, seja com o apoio do BNDES voltado para inovação. Sempre procuramos entender a legislação para fomentar ainda mais a inovação.
Quais as inovações em infraestrutura?
Em vários aspectos. Na usabilidade das plataformas, para que se tornem mais amigáveis e mais fáceis de usar para o cliente, e no que está por trás do atendimento digital, a plataforma logística.
Estamos terminando de investir em um novo centro de distribuição [CD] no interior de São Paulo, em Cabreúva, que sozinho é maior do que todo o parque logístico da Lojas Renner, em tamanho e com a automatização que vai ser a única [de varejista de moda] nas Américas, até então, voltada totalmente para o conceito Omni, de integração de canais, e com robôs – acho que só tem automatização semelhante na Europa
Vai operar tanto para abastecer as lojas físicas, quanto para fazer as entregas das vendas online.
A automação dos nossos CDs hoje é voltada ou para as lojas físicas, ou para a online. Vamos ter uma tecnologia bem mais avançada, com mais eficiência, com redução de tempo, com uma frequência maior e com custos menores.
Vamos vender online dentro da loja e a cliente vai receber, em casa, produtos que às vezes não tem o tamanho dela na loja. Isso já existe, todos os produtos da empresa estão disponíveis no online, o cliente na loja física consegue acessar tudo aquilo que está disponível na loja e toda prateleira infinita do online, que mostra praticamente 100% do estoque da empresa.
A gestão do estoque é algo muito importante para a sustentabilidade financeira. Há inovações nesse sentido?
Um exemplo de inovação que mostra o quanto é importante investir: há quase quatro anos, nós começamos uma implementação de RFID, etiquetas de inteligência de radiofrequência onde cada peça, cada produto tem a sua própria identidade, o que nos permite ter um conhecimento e uma acuracidade melhor dos nossos estoques, para disponibilizar quase todo o nosso estoque na loja online.
É uma tecnologia de IoT, Internet das Coisas, e fomos a primeira no segmento a implementar completamente, terminamos no ano passado. Ganhamos recentemente um prêmio como uma das melhores soluções mundiais em escala. Outras que estavam competindo eram projetos mais singulares, o nosso é de escala para todo o nosso parque e vemos agora muitas empresas começando, testando
Estamos cada vez mais agregando processos dentro desta tecnologia instalada, porque ela permite diversas coisas: além da acuracidade dos estoques e inventários, agilidade nos pontos de venda, nos caixas, no autoatendimento. Teremos novas fases para conseguir tirar mais proveito desta tecnologia.
Como são as inovações em produto?
Temos usado muito a inovação para trazer uma proposta cada vez mais sustentável para os nossos produtos e para as nossas empresas. Fomos uma das primeiras, ou a primeira a ter uma coleção de jeans reciclado e refibrado. Temos até uma coleção de jeans rastreável por blockchain.
Mais de 80% dos nossos produtos têm algum aspecto de inovação associado ao processo de desenvolvimento com menor impacto – seja com economia de uso de água, ou uso de reciclados, refibrados, ou algodão rastreável. Fomos a primeira a ter calçados que usam resíduos de uva como matéria-prima para a base de solado
Investimos muito em pesquisa e desenvolvimento dos processos produtivos, para auxiliar nossos fornecedores e parceiros, por exemplo, a produzir jeans com menos uso de água. São as pesquisas que fazemos com apoio de universidades.
Como esses investimentos em sustentabilidade na pesquisa e desenvolvimento se traduzem nas lojas?
No final do ano passado, lançamos nossa primeira loja circular e a segunda inauguramos agora no início do ano. São lojas que foram criadas, construídas ou reformadas olhando a economia circular.
Os equipamentos das lojas [circulares] foram desenvolvidos pensando em como reaproveitá-los ou reciclá-los no futuro, usando menos químicos, sem pintura. E muitos dos equipamentos são construídos a partir de materiais reciclados também. Todas as nossas lojas estão com led, que economiza energia
Temos 100% da nossa energia vinda de fontes renováveis. No final do ano passado firmamos um contrato com a Enel para ter 170 lojas e mais os centros de distribuição abastecidos através da energia gerada por um parque eólico. As demais têm vindo de fazendas solares ou pequenas centrais hidrelétricas.
O desfile da última coleção da Renner foi feito de forma digital, os convidados assistiram através de óculos de realidade virtual as peças desfilando. Como foi essa experiência e quais os aprendizados que a marca tirou dessa iniciativa?
O desfile 3D foi um marco, fomos a primeira a fazer isso no Brasil. Nos forçou a avançar mais. Estamos experimentando algumas inovações na coleção e no desenvolvimento dos produtos. Quem sabe no futuro, no metaverso, a gente possa ter peças digitais? Já tem marcas vendendo NFTs.
A cada semana estamos ampliando o número de peças que são desenvolvidas digitalmente. Numa parte do processo de produção, as amostras vão e voltam entre o time de desenvolvimento e a fábrica, para ajustes. Quando fazemos isso no digital conseguimos ter uma amostra muito próxima ou exatamente o que vai ser a peça final
O formato digital usa menos amostras, ganha assertividade, agilidade, reduz o uso de matéria-prima. Fica [salvo] no digital e depois você pode trabalhar em cima dessa peça para fazer melhorias, modificações, isso permite um ganho de tempo, de recurso e de qualidade.
Fazemos escaneamento corporal de diferentes tipos de corpos, traduzimos em manequins digitais onde fazemos a modelagem e o ajuste das peças. Fazemos o escaneamento dos tecidos para ver realmente qual é o caimento.
A B3 fez um ranking das 73 empresas do ISE, o Índice de Sustentabilidade Empresarial, e a Lojas Renner está em segundo lugar geral, entre todos os setores. Você trabalha na Renner há 23 anos, entrou como trainee. Consegue perceber quando e de que forma houve essa virada de chave na área de inovação para estar mais atrelada à sustentabilidade?
Por volta de 2013 começamos a nos colocar metas de participação dos produtos, de coleções mais sustentáveis.
Em 2017 divulgamos um compromisso público para ser atingido em 2021 — e superamos a meta de que 80% dos produtos tivessem alguma característica de menor impacto ao meio ambiente, seja no seu processo produtivo ou no uso das matérias-primas
Buscamos universidades, parcerias, desenvolvimento, inovação, novos processos, novas ferramentas para conseguir. Publicamos o nosso balanço sobre sustentabilidade no final de 2021 e sabemos que ainda tem muita oportunidade de avanços em todos os temas, então estamos traçando novos compromissos para serem divulgados.
Vários executivos da empresa, e todo o C-level, têm metas de sustentabilidade atreladas à remuneração.
Como a empresa faz para que o investimento em tecnologias e novas matérias-primas não atrapalhe a competitividade do preço dos produtos?
O primeiro momento exige um investimento maior para chegarmos em um modelo produtivo que use menos água, para fazer a produção digital, desenvolver as técnicas de reciclados e refibrados.
Para ter uma boa qualidade, o investimento inicial é grande, vem de anos. Investimos muito para fazer cada vez mais de uma forma escalável a uma boa relação de preço, e com uma excelente qualidade.
Não basta o produto ser sustentável, tem que ter um toque macio no corpo. As pessoas não vão comprar só porque é reciclado ou refibrado, elas vão comprar porque é bonito, tem um bom caimento, transmite moda, e se além disso é sustentável, melhor ainda, é o encantamento. Oferecer um produto que é feito com outro tipo de matéria-prima a um preço muito semelhante ou igual
Se não tivéssemos feito investimentos no passado seria difícil conseguir fazer a inovação e entregar agora. Depois de feito o investimento inicial a tendência é de que se consiga trabalhar com bases melhores e mais competitivas.
De que forma a Renner tem usado as redes sociais para aumentar as vendas online?
Fomos a primeira varejista de moda no Brasil a ter uma live shopping – isso é comum na Ásia, na Europa [também conhecidos como live commerce, são eventos ao vivo de vendas nas redes sociais, com base no relacionamento]. E hoje já fazemos em frequência quase semanal, às vezes até mais de uma por semana, e com conteúdos que são de interesse dos nossos clientes.
Estamos também experimentando o metaverso, fomos os primeiros a estar presente no Fortnite, com projeto de uma loja no game. E estamos experimentando o metaverso para o desenvolvimento de coleções, porque a gente imagina que o metaverso possa ganhar uma projeção cada vez maior e queremos estar prontos para atender nossos clientes.
Estamos vendo algumas marcas de luxo e de esportes vendendo roupas digitais no metaverso, para serem utilizadas exclusivamente no ambiente digital. Por que estar no metaverso faz sentido para uma fast fashion?
Estamos em uma fase de experimentação, entendemos que muito provavelmente vai ter uma necessidade do cliente nesse sentido e queremos estar preparados.
Em junho de 2021, fizemos o projeto Renner Play – criamos um mapa imersivo dentro do Fortnite, produzindo uma loja, fizemos algumas ativações com os gamers e tivemos algumas lives simultâneas também. Depois lançamos produtos físicos remetendo ao game
Além disso, nós temos feito alguns treinamentos no metaverso para o nosso time. Estamos usando na parte de desenvolvimento de produto, mas ainda não vendendo o produto virtual específico para o cliente. Estamos experimentando para ver quais vão ser os melhores caminhos.
Exceção numa indústria ainda muito masculina, Adriana Aroulho, presidente da SAP Brasil, fala sobre ética no dia a dia corporativo e como a empresa usa inteligência artificial generativa para ajudar clientes a bater metas de sustentabilidade.
O mercado de materiais de construção e decoração sempre foi muito pulverizado. Rodrigo Murta, CTO da Leroy Merlin, conta como a varejista vem testando soluções e refinando sua oferta digital para entregar mais valor a seus clientes.
Gigante do varejo, o Magazine Luiza lançou no fim de 2023 a primeira nuvem pública brasileira. Christian Reis, diretor da Magalu Cloud, fala sobre os bastidores desse projeto e seu potencial de reduzir os custos de empresas de todo o país.