por Gabriela Hunnicutt
Depois que meu pai nos deixou com uma mão na frente e outra atrás, quando eu tinha 5 anos, junto com minha mãe, sempre lutei muito para levar uma vida digna. Contamos com a ajuda da nossa família, sempre tão próxima e generosa.
Mas o fato é que minha mãe ralava para pagar o aluguel e, enquanto isso, eu trabalhava de dia e estudava Comunicação Social à noite para conquistar o meu lugar ao sol e proporcionar uma vida melhor para nós duas.
Para comprar roupinhas melhores, eu — que sempre tive uma veia empreendedora — saía da agência em que estagiava na hora do almoço, ia até a 25 de Março comprar tecido e confeccionava pijamas no final de semana para vender
Minha Diretora de Criação na época, a Camila Franco, da Ogilvy, foi minha primeira cliente. Era triste ou puxado? Não, eu amava tudo isso, desde o ambiente da 25 de Março, passando pela máquina de costura, até o trabalho duro na agência.
Isso me fez enxergar, de forma muito clara, as dificuldades que a gente passa e que, muitas vezes, ninguém se dá conta. Eu não tinha roupas legais para sair e muito menos para ir em reuniões importantes no trabalho. Uma vez, quando estava no auge da adolescência, uma das minhas irmãs mais velhas (da parte de pai) me levou no Shopping Morumbi, na M.Officer, e falou: “Escolhe três peças que quiser”. Me senti na Disney.
Daí até hoje, deslanchei na carreira, minha mãe conseguiu um bom equilíbrio financeiro e tudo “entrou nos conformes”. Acabei trabalhando na Europa, nos EUA e, em 2008, abri a Bold Digital, minha primeira empresa oficial, uma agência de criação e produção de conteúdo para marcas no digital, onde atuo como CEO, trabalhando o mesmo tanto ou até mais que naquela época.
O primeiro negócio “não oficial” foi a fábrica de pijamas. Também tive um de sacolas de praia. Em 2013, fui umas das seis selecionadas da primeira turma do programa Winning Woman Brasil, da EY (Ernst & Young).
Logo depois, comecei a fazer parte do Grupo Mulheres do Brasil, liderado pela Luiza Trajano, em que atuo como colíder do Comitê de Empreendedorismo. Sou também Diretora de Comunicação do IHF (Instituto Helena Florisbal), que apoia mais de 30 entidades sociais, grandes e pequenas.
Um dia, reparei que pelo monte de compromissos profissionais que passei a ter, acabei comprando muita roupa. E o pior é que a gente compra por impulso ou pela urgência de algum evento. Depois, percebe que as peças não se coordenam
Resolvi fazer uma limpa (obrigada, Marie Kondo!) e ter um guarda-roupas mais inteligente, com menos peças mas que ajudasse a me arrumar muito depressa de manhã.
Queria doar o que não iria usar, mas pensei: quem vai usar essas roupas de executiva? Se eu doar para minha funcionária em casa, ela vai achar tudo muito careta. Quem pode aproveitar melhor tudo isso?
Perguntei para algumas amigas e uma delas me indicou uma jovem executiva sem recursos. Foi aí que surgiu a primeira malinha de doação. A alegria da moça foi tanta que pensei: esse projeto tem que crescer, ganhar asas, se transformar em algo grande que acesse cada vez mais garotas.
Nesse dia nasceu o Look de Respeito — que, imediatamente, ganhou o respeito de minha amiga e também empreendedora Milena Satyro, CEO da Única Smart Clothes, que hoje toca o projeto comigo, além de outras amigas executivas que estão colaborando como voluntárias.
Mas do que se trata, afinal, o Look de Respeito? É uma iniciativa em que mulheres bem-sucedidas doam roupas de trabalho que não usam mais para jovens executivas que não têm recursos suficientes para montar um guarda-roupas profissional
Nós (com a ajuda das voluntárias amigas) fazemos uma triagem e organizamos as araras. Uma vez por trimestre, convocamos dez jovens executivas, por meio de inscrições ou indicações na nossa página no Facebook. Elas, por sua vez, trazem roupas para doar para pessoas carentes, fechando o ciclo do bem.
Queremos aumentar o número de mulheres participantes e também a frequência dos eventos, mas como ainda temos poucos braços, preferimos começar devagar e fazer bem feito.
Além das roupas, as mulheres recebem dicas de make para o trabalho e de como se preparar para uma entrevista, além de todo o nosso amor, é claro.
Até o momento, firmamos parceria com o comitê de Igualdade Racial do Grupo Mulheres do Brasil, que nos indicou participantes do programa de Aceleradora de Mulheres Negras.
Também recebemos o contato de várias empresas que querem atuar como parceiras oficiais do projeto, seja com doação de roupas, seja com doação de expertise.
É incrível isso: perceber que quando começamos algo que faz sentido, a energia do universo conspira e outras colaboradoras vão aparecendo. Quem foi que disse que mulher não ajuda mulher?
É difícil descrever a emoção que foi a primeira edição do Look de Respeito, que aconteceu no estúdio da Bold em dezembro do ano passado. Recebemos cinco mulheres, todas maravilhosas, competentes e cheias de energia positiva.
Foi uma farra na hora de experimentar as roupas, todas dando opinião e ajudando umas às outras a montar seus looks.
Sentimos o poder que um bom guarda-roupa provoca nas mulheres, capaz de trazer a autoestima necessária para que se sintam ainda mais preparadas para qualquer desafio
É nesse ponto que queremos contribuir. Sabemos que roupa não é tudo, mas temos certeza que contribui para um sentimento de pertencimento e empoderamento.
Talvez de todos os meus projetos, esse seja o que traz uma realização pessoal mais especial, porque toca em uma ferida já cicatrizada. Talvez porque seja com e para mulheres. Talvez porque o resultado seja excepcionalmente genuíno. Que o Look de Respeito cresça e possa se tornar cada vez mais abrangente e transformador. É para isso que vou trabalhar.
Gabriela Hunnicutt, 47, é formada em Comunicação Social, com pós-graduação em Comunicação Empresarial. Trabalha no mercado de propaganda há mais de 15 anos, com passagens pela Ogilvy Brazil, FCB Lisboa, Y & R Lisboa, JWT Lisboa, MTV Miami e Isobar (ex AgênciaClick). É CEO da Bold Digital e criadora do projeto Look de Respeito.
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