De um encontro casual num salão de beleza no Tatuapé, em São Paulo, nasceu um negócio social bem peculiar pois, além de vender um produto ecologicamente responsável também desenvolve e fomenta toda a sua cadeia de produção. É complexo, é transformador, mas a Camiseta Feita de PET começou com algo tão simples quanto um encontro na manicure.
Vanda Ferreira, 52, que trabalhava em dois hospitais, acabara de receber uma rescisão, e a administradora Silvia do Prado, 42, prestava consultoria para empresas de comércio eletrônico. Elas se conheciam há pouco tempo. Era julho de 2007 e ambas queriam investir em algo que tivesse retorno financeiro e, ao mesmo tempo, ajudasse a sociedade e o meio ambiente.
“Eu tinha acabado de terminar a faculdade de administração e meu TCC tinha sido a montagem de uma empresa sustentável. Apresentei o produto para a Vanda e traçamos alguns objetivos naquele mesmo dia”, conta Silvia. Vanda relembra aquele encontro: “A Silvia tinha ido ao salão porque a dona precisava de uma consultoria e acabou ficando para fazer a mão. Eu estava fazendo as unhas e batemos um papo à tôa. A Camiseta Feita de PET nasceu ali”.
A ideia se baseava em um material que existe em abundância no mercado, mas não é explorado comercialmente, tampouco pensado como solução para um dos problemas ambientais mais graves do planeta: as garrafas PET. Estima-se que sejam consumidas, mundialmente, cerca de 26 milhões de toneladas do material. Cada garrafa demora 450 anos para se decompor. É só fazer as contas para entender rapidamente a dimensão do enrosco. No Brasil, cerca de 57% do PET é reciclado (volta a ser transformado em plástico). Graças ao negócio de Vanda e Silvia, uma pequena porcentagem desse volume faz as engrenagens da Camiseta Feita de PET rodarem (o plástico é transformado em fio, depois mesclado ao algodão).
COMO A GARRAFA PET VIRA CAMISETA?
A empresa começou em um quarto de 20 metros quadrados, com um investimento de 16 mil reais (vindos da venda de um carro popular). Após um começo atribulado, hoje a empresa se estabilizou e encontrou seu mercado. Elas produzem 15 mil peças por mês e a previsão é ultrapassar 22 mil peças no segundo semestre deste ano. “Em média, usamos 30 mil garrafas mensalmente. No ano passado, recolhemos 15 toneladas de garrafas que não foram suficientes para a nossa produção”, afirma Silvia. Ela e Vanda empregam oito funcionários diretos e têm 55 prestadores de serviços. No ano passado, o negócio faturou perto de 2 milhões de reais.
Antes de se transformar em roupa — a empresa faz camisetas e, recentemente começou a fazer calças jeans — as garrafas são recolhidas, separadas por cor, lavadas, moídas, derretidas e filtradas. Depois que solidificam, se transformam em “flocos”, que passam por uma máquina que os transformam em grânulos, que viram fio ou outros materiais plásticos. Para fazer as camisetas, Vanda e Silvia usam um fio que é 50% PET, 50% algodão. Já o jeans é feito com 70% PET e 30% de algodão desfibrado (algodão desfibrado é também resultado da reciclagem de roupas, um processo de logística reversa semelhante ao usado pela Retalhar).
Além de usar esses materiais específicos, Silvia enumera outros diferenciais da empresa. Segundo ela, além de a Camiseta Feita de PET ser a única empresa do mercado que está dentro da cadeia produtiva do fio de PET, ela trabalha com produtos ecológicos em toda a cadeia: a costura é feita com profissionais da região onde está localizada a fábrica, o que significa apoio ao comércio local; a tinta utilizada é apenas a base de água; a embalagem da camiseta é feita com sobras de tecidos para evitar o uso de saco plástico, entre outros detalhes. Além disso, a empresa doa os retalhos para projetos socioambientais e utiliza caixas recicladas em toda a logística. “Acreditamos que inovação é fazer além do que é exigido por lei. Inovar é encontrar soluções”, diz ela.
QUE TAL PERDER MEIO MILHÃO DE REAIS?
Ter confiança no negócio, e resiliência para superar problemas e encontrar soluções foi algo essencial na trajetória da Camisetas. Vanda e Silvia contam que, nos três primeiros anos da operação, perderam quase meio milhão de reais com o que Silvia classifica de “erros primários”. Um deles, a construção de uma fábrica com capacidade de produção muito acima da realidade. Outro, contratações erradas na equipe. Outro, vacilos na compra de maquinário. Ela conta que gerenciar estoque também é imprescindível numa empresa têxtil pois, com o passar do tempo, as malhas, expostas à luz, mudam de cor. “Um exemplo clássico de perda foi a de termos comprado duas máquinas de corte logo no início, sendo que uma é gigante e está guardada na caixa sem uso, há seis anos.”
Hoje a fábrica atual tem 3 mil metros quadrados e fica no Parque São Lucas, na Zona Leste da capital paulista. A antiga ficava no mesmo bairro, mas em outra rua. O lugar não era bom porque ficava em cima do galpão havia um motel que, as sócias descobriram depois, era usado como ponto para consumo de drogas. Silvia acredita que a empresa só não quebrou porque o produto é bom e porque elas conseguiram construir um nome forte no mercado, mas guardou os aprendizados:
“Quando percebemos que não conhecíamos o negócio, fomos estudar e aprender como era ter uma indústria têxtil. Nossa dica é: não entre num negócio que você não domina”
Segundo ela, as sócias sempre acreditaram no sucesso do produto, mas avaliaram mal o tempo que levaria até ele estourar. “Na caminhada empreendedora, o empreendedor é um solitário, muitas vezes ele sonha e acredita sozinho. Ele vai se deparar com muitos questionamentos, muitos vão duvidar, inclusive familiares, mas ele segue em frente. Empreender é para os fortes”, diz.
“Perdemos dinheiro em muitos momentos e acreditamos que as perdas são um sinal de aprendizado”, prossegue. No processo de construção do negócio, elas contaram com uma consultoria do Sebrae chamada Agentes Locais de Inovação, que orienta passos maiores em termos organizacionais. Neste modelo, Silvia é administradora, “empreteca” e a pessoa responsável pela gestão. Já a Vanda cuida de todo o processo produtivo. Super detalhistas, embora tenham alguns desenhistas que projetam as coleções, as duas cuidam de perto de cada peça que sai para o consumidor.
A Camiseta Feita de PET é uma indústria que não produz para terceiros e seu modelo de negócios se apoia em 16 revendas oficiais, no e-commerce (as camisetas, estampadas ou lisas, são vendidas por 49 reais) e na venda direta em eventos, simpósios e congressos dos quais elas participam com frequência.
Em fevereiro deste ano, Silvia e Vanda formataram um sistema de franquias, que abrange microfranquias (com investimentos de 5 a 50 mil reais) para quiosques, lojas físicas e móveis e até uma unidade de produção. “Realizamos metade do que planejamos inicialmente. Em cinco anos, temos pretensão de ter 500 franquias, e para isso, sabemos que será necessário ter uma equipe de expansão boa e ter a nossa ONG ou OSCIP, que já está em fase de documentação”, diz Vanda.
A CADEIA POR TRÁS DO PRODUTO
Quando Silvia diz que a Camiseta Feita de PET é a única empresa do mercado que está dentro da cadeia produtiva do fio de PET, significa que elas não só produzem e vendem camisetas, mas também recolhem todas as garrafas usadas no processo produtivo. Para tanto, tem o projeto Eu faço a diferença no mundo. Com ele, desde 2010, já recolheu três milhões de garrafas PET por meio de ações ambientais nas escolas. Ao todo, mais de 150 escolas participaram das ações. Vanda, idealizadora do projeto, fala a respeito:
“Somente a partir da educação se muda uma nação. Investimos em educação ambiental em escolas para mostrar que gestos simples, como a separação de lixo, podem fazer toda a diferença no nosso modo de vida”
O objetivo com a formalização do projeto é dividir claramente a operação de venda e a operação ambiental. “Nesses seis anos, vimos que é possível recolher garrafas com educação ambiental e com poucos recursos”, diz Vanda. Uma vez recolhidas, elas são separadas por cor e prensadas, então enviadas para a RePET, que é a segunda empresa da cadeia produtiva do fio de PET.
Entre os planos das duas está a formalização de um instituto, terá uma organização nos moldes de experiências bem sucedidas na Europa. A ideia é que os colaboradores tenham creche à disposição, educação continuada, refeições acompanhadas por nutricionistas e duas horas para o descanso entre o almoço e a volta ao trabalho. “O instituto deve estar de pé no final de 2017”, diz Vanda. Quem diria que uma conversa informal poderia dar tanto pano para manga. Literalmente.
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