Uma denúncia feita recentemente pela imprensa internacional vem sacudindo o mercado ESG que tanto fala no comércio de créditos de carbono: segundo o jornal britânico “The Guardian”, lideranças indígenas dizem que estão sendo abordadas por empresas de compensação de carbono que prometem benefícios financeiros significativos com a venda de créditos se estabelecerem novos projetos em suas terras. No fim das contas, o que acaba acontecendo: acordos nebulosos que podem durar até um século, contratos longos escritos em inglês, e comunidades sendo expulsas de suas terras.
São os piratas modernos, os chamados “Piratas de Carbono”, que se aproveitam de um nicho ainda sem regulação para obter vantagens e cometer crimes.
“Os piratas entram nas comunidades, muitas vezes não sabemos de onde vêm, como trabalham ou quem são. É um grande problema. Algumas dessas empresas são fantasmas, trabalham nos bastidores. Não acho que devamos vender os créditos para companhias petrolíferas ou mineradoras. São eles que estão fazendo o estrago”, disse Wilfredo Tsamash, da etnia Awajun, na Amazônia peruana, ao “The Guardian”.
GANHA-GANHA
O mercado de crédito de carbono consiste em um sistema de compensações de emissão de carbono ou outros gases de efeito estufa. Empresas que emitem esses gases nocivos podem compensar a sua poluição adquirindo títulos verdes, gerando, assim, créditos de carbono. Assim, as companhias que conseguem créditos podem vender esses ativos para empresas e países que não atingiram suas metas de redução.
Já quando uma empresa decide instalar um projeto de carbono dentro de um pedaço da floresta, é preciso que haja um diálogo com as comunidades locais e que seja estabelecido um pacto de colaboração com os povos indígenas – é um ganha-ganha. O programa deve garantir benefícios mútuos. O valor arrecadado por meio das vendas de crédito de carbono deve ser direcionado para que comunidades possam investir na sustentabilidade (e não no desmatamento), além de proporcionar educação e saúde para estes povos. Nem de longe isso passa (ou deveria passar) pela grilagem de suas terras.
O que parece é que muitas empresas estão tentando garantir apenas negócios em territórios indígenas para seus projetos de compensação. Sem oferecer nada em contrapartida, além de falsas promessas.
Julio Cusurichi, um líder da etnia Shipibo, da região de Madre de Dios, no Peru, disse que o dinheiro dos créditos de carbono poderia ajudar a pagar por melhores instalações de educação e saúde com um planejamento cuidadoso – mas isso não acontece.
“É importante fortalecer as estruturas das comunidades indígenas [como parte desses projetos de compensação]. Essa questão dos piratas de carbono está acontecendo em toda a Amazônia. Eles podem ser projetos de 30, 40, 100 anos. Quem tem dinheiro, tem poder”.
FALTA DE REGULAÇÃO
Os mercados voluntários de carbono foram avaliados em US$ 2 bilhões em 2021. A expectativa é que estes mercados cresçam, pelo menos, cinco vezes até 2030, atingindo de US$10 a 40 bilhões. O problema é que a regulação deste setor aqui no Brasil ainda engatinha – o que dá margem aos tais piratas.
Na última COP 27, centenas de CEOs brasileiros desembarcaram no Egito prontos para exigir do Estado uma legislação que dê régua e compasso para este mercado.
“O tecido empresarial tem nas mãos o protagonismo – conseguimos perceber que as principais medidas recentes de mitigação saíram das empresas. Na ausência de políticas públicas, o setor privado vem se movimentando. São iniciativas muito consideráveis”, disse Carlos Almiro, head de Sustentabilidade e Gestão de Riscos, da BRK, direto da COP 27, para a reportagem de NetZero.
“No caso do mercado de carbono, pela primeira vez na história você vê o setor empresarial pressionando o Estado para ser regulado. Nós, da BRK, por exemplo, enviamos, junto com o CEBDS uma série de cartas ao governo pedindo para acelerar esta regulação. Isso é emblemático. Existe uma necessidade de regulação para que este mercado possa crescer de maneira saudável”.
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