Já fiz muitas e muitas demissões. A minha primeira foi aos 26 anos, mas uma específica me marcou demais. A empresa havia liberado a contratação de 15 pessoas; três meses depois, recebi a notícia de que precisava demiti-las.
Não era nem de longe a primeira vez que eu demitia e nem seria a última. Mas olhar para as pessoas a quem eu havia dado a boa notícia tão recentemente e dizer agora que estavam demitidas me deixou com vergonha e muito triste.
Resultado: fui parar no hospital com uma crise de enxaqueca que nem gosto de lembrar. E quando a médica me perguntou o que estava sentido, chorei compulsivamente
Isto prova como não estamos preparados para lidar com a demissão no dia a dia.
Quando nos tornamos líderes — no meu caso, perdida aos 26 anos com uma equipe de mais de 80 pessoas —, a última coisa que nos falam é como se deve fazer o processo de demissão de alguém. Isto quando nos falam!
A realidade é que, quando precisamos fazer, ligamos para pessoas mais experientes e pedimos ajuda de última hora. Bem, esse foi o caminho que eu encontrei.
Uma líder específica sempre me mostrava boas direções. Ainda assim, errei muito (muito!).
Mas a verdade é que a maioria também não sabia muito como fazer, só fazia. E não era culpa deles, faziam o que podiam com o conhecimento limitado sobre o tema que tinham.
Por quê? Por ser tabu. Só falamos em demissão na hora de demitir. E aí bate o desespero: como eu faço isto?
Só que esta é a pergunta errada. Ela dá uma resposta que apenas reproduz o “como” de sempre.
A pergunta certa é: se demitir faz parte do negócio, como faço isto de forma a minimizar os impactos negativos que a demissão causa na vida da pessoa?
(Uso o termo “minimizar”, e não “eliminar”, por um motivo simples: demissão responsável não é demissão feliz. Pois quem não quer ser demitido não ficará contente na hora, não importa o malabarismo que você faça.)
E esta exposição massiva que eu tive ao mundo das demissões me colocou cara a cara com um grande problema social: o desemprego.
Afinal, querendo ou não, eu colocava aquelas pessoas nessa situação. Como não pensar nisso?
Não sei dizer ao certo como tudo aconteceu, que pensamento veio antes, se todos ao mesmo tempo ou se eles foram me ocupando aos poucos: demissão, desemprego, recolocação.
O fato é que em junho de 2018 eu decidi agir.
Primeiro nasceu o Revisores do Bem.
Hoje, é um projeto social, que através de voluntários faz mentorias individuais para ajudar pessoas que estão sem trabalho a se prepararem para processos seletivos e saírem do desemprego.
Apoiamos com currículo, LinkedIn e simulação de entrevista. São pessoas que tiveram último salário abaixo de 2 mil reais e que estão em situação de vulnerabilidade social
O mérito é dos quase 40 voluntários que fazem o Revisores do Bem acontecer. Não é um trabalho fácil — afinal, trabalho voluntário ainda é trabalho (somado a um monte de limitações). Requer disciplina, empatia, paciência e muita (muita mesmo) força de vontade.
Mesmo sendo desafiador mantê-lo — como todo trabalho voluntário —, é o meu xodó.
Em 2019, decidi que queria viver disso e fazer mais. Digeri como faria, pedi demissão e, em dezembro, nasceu o Prepara.me, uma startup que ajuda empresas a exercerem responsabilidade social na hora da demissão.
Lembra da pergunta certa? Se demitir faz parte do negócio, como faço isto de forma a minimizar os impactos negativos que a demissão causa na vida da pessoa?
Uma das tantas respostas possíveis é: a empresa pode apoiar o ex-colaborador a se recolocar no mercado de trabalho.
E é isto que nós fazemos no Prepara.me. A empresa que vai demitir nos contrata e nós ajudamos as pessoas a continuarem suas trajetórias pós demissão, através da orientação de carreira.
Se demitir é expor as pessoas em uma situação de vulnerabilidade social, emocional e econômica, então não faz sentido a empresa que puxa coro dizendo que pratica Responsabilidade Social ser a mesma que diz “demiti, não é mais problema meu”. É problema seu, sim
É possível resolver isto, e nós podemos ajudar. Quer um exemplo na prática? Em um case muito legal que temos de uma empresa, conseguimos recolocar mais de 90% das pessoas demitidas em menos de quatro meses (e nem falo de cargos de tecnologia, que os recrutadores batem na porta o tempo todo).
Nesta caminhada, logo percebi que muitas empresas já apoiam ex-colaboradores a se recolocarem no mercado de trabalho, mas só os executivos. O que é bacana, mas não é suficiente.
O motivo é óbvio, não é? Afinal, os mais impactados financeiramente pelo processo são pessoas com cargos de entrada até média gerência, como pude aprender com o Revisores do Bem. E é para estas pessoas que o Prepara.me existe.
Elas movimentam as empresas e a economia, então ajudá-las a gerar renda novamente para a sociedade é fundamental. Mas quando há demissão, tudo vira uma grande incógnita. Quanto mais demora para o dinheiro cair na conta mensalmente de novo, mais os efeitos financeiros e emocionais vão se acumulando.
O fato é que demissão é desagradável e inconscientemente fugimos daquilo que não é prazeroso. Mas o caminho precisa ser outro: normalizar a demissão.
Veja bem: normalizar não é banalizar.
Precisamos falar sobre demissão! Encontrar meu lugar para comunicar isto sem cair nas ciladas de romantizar ou racionalizar demais o assunto é um desafio e tanto
Mas dar voz para um tema que fica às margens da gestão de pessoas e que faz muita gente olhar com desdém e desconfiança me movimenta a aprender mais e me provoca a fazer diferente.
Para você que, assim como eu, já precisou demitir e ficou sem saber o que fazer, fiz um treinamento falando sobre conceito, boas práticas e casos reais. E olha que legal: 100% do lucro é destinado à ONG Cruzando Histórias, que ajuda mulheres na recolocação no mercado de trabalho.
Para você que quer bater um papo sobre layoff, offboarding, desligamento, ou seja lá o nome da moda que está no LinkedIn, me chama pra gente bater um papo. Prometo que não tentarei vender nada (mas se você quiser, eu quero!).
Te espero!
Lucy Nunes é fundadora do Revisores do Bem e do Prepara.me, e adora falar sobre Demissão Responsável.
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