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“Se eu, em uma posição privilegiada, estava cansada daquele machismo, imagine todas as outras mulheres?”

Ali Pastorini - 10 ago 2018
Ali Pastorini, vice-presidente do World Jewerly Hub, fala dos desafios que teve que superar no setor joalheiro, ainda dominado por homens, e de sua iniciativa para empoderar outras mulheres da área.
Ali Pastorini - 10 ago 2018
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por Ali Pastorini

Não venho de família de joalheiros e, quando iniciei a trajetória neste setor, não almejava me tornar executiva. Eu queria (como acredito que muitos empresários iniciantes sonham) ter uma marca de joias que fosse bem aceita e recebida pelos consumidores do meu país. Honestamente, nem passava por minha mente internacionalizar a marca e, muito menos, fazer parte de uma Bolsa de Diamante Internacional, da qual eu não tinha a menor ideia da importância.

Mas a vida nos traz boas e desafiadoras surpresas. Hoje tenho um nome reconhecido no setor e muitas pessoas podem pensar que tudo foi “redondinho” para mim. Não condeno e nem me aborreço com quem pensa assim, mas estudei e trabalhei muito, como qualquer profissional que quer se destacar no mercado de trabalho.

Por conta do machismo, tive que ter muito bom humor, um incrível jogo de cintura e “engolir muito sapo”, pois não bastava ser apenas inteligente e competente

Sempre soube que o ramo de joalheria, apesar de ter um consumo na maior parte feminino, tinha um domínio nos negócios totalmente masculino. Portanto, quando entrei no mercado de joias e pedras preciosas, não achei que deveria encarar isso como um problema. Minha preocupação era tomar as decisões certas para minha empresa crescer e se manter. O que acontecia na indústria não cabia a mim resolver. Hoje, sei que essa mentalidade estava errada, mas naquela época era como enxergava as coisas.

Em 2013, quando minha marca de joias Del Lima Jewelry já estava em Dubai e eu participava de um evento naquele país, conheci executivos da Bolsa de Diamante do Panamá (um hub na América Latina que visa a expansão de mercados das empresas latinas e internacionais do setor de diamantes, pedras preciosas e joias). Para eles, era muito curioso uma mulher latina e jovem, para os padrões do setor, estar em um evento daquele porte.

Isso despertou um certo fascínio nos investidores, que quiseram saber quem eu era e minha experiência profissional. Meses depois de muita conversa e negociação, fui contratada pela Bolsa de Diamantes do Panamá para prestar uma consultoria de quatro meses.

Até esse momento, ser consultora não incomodava ninguém. Havia uma certa tranquilidade em exercer minha função e apenas entregar os resultados que meu contratante esperava. Era algo do tipo: “Ela vai ficar aqui quatro meses, fazer os estudos do mercado latino, dar a opinião dela do que deve ser feito e, ao final, pegar as malas, ir embora e ninguém nunca mais vai ouvir falar dela”. Ok, eu também esperava isso (risos)! Mas após os meses como consultora, me ofereceram fazer parte da equipe permanente da Bolsa como diretora de marketing, que aliás é uma das minhas especialidades.

Pensei: “Claro, ter em meu currículo esse cargo será maravilhoso!”. Ao aceitar essa proposta, tudo passou a ser bem diferente e comecei a perceber a mais profunda — e não tão bonita — realidade do setor.

Quando uma jovem mulher começa a se destacar em um cargo executivo, isso incomoda. Nas primeiras viagens de negócios, antes mesmo de eu me apresentar, já me colocavam no lugar de secretária

Eu estava com o primeiro presidente da Bolsa e isso acontecia assim que eu chegava nos locais. Eu tinha que educadamente explicar que era a diretora de marketing e quem iria apresentar o projeto, na verdade, era eu — e não o presidente.

É quase como se o pensamento dominante fosse: “Uma mulher chegou no recinto, manda ela preparar o café e fazer as anotações, depois a gente pergunta quem é ela”. Não demorou muito para eu perceber que tinha duas opções com naquela situação. A primeira era voltar para o Brasil, ficar revoltada e achar que a vida é injusta. A segunda era aceitar o desafio e mudar o cenário a meu favor, sem me colocar no papel de vítima. Escolhi a última opção.

Não quero me colocar como uma super mulher, nem dizer que tomar essa decisão foi fácil. Confesso que, por um momento, me questionei se valeria a pena seguir em frente, mas pensei: “Espera! Estudei tanto quanto um homem, trabalho a mesma carga horária, entrego bons resultados, fico meses longe da minha família, gasto parte do ano em aeroportos viajando à trabalho etc. Por que tenho que provar vinte vezes mais do que sou capaz pelo simples fato de ser mulher?”.

Claro que ao tomar a decisão de encarar o desafio e tentar mudar uma realidade imposta por décadas, eu sabia que a qualidade do meu trabalho iria ser constantemente avaliada e questionada, e que consequentemente eu teria de, cada vez mais, ser uma profissional completa e visionária com meus projetos.

Agradeço muito às pessoas que tinham uma descrença em mim no começo, seja pelo fato de eu ser mulher, por ser latina ou mesmo pela minha idade. Devido a elas, acabei me tornando uma profissional ainda melhor

Durante o meu período como diretora de marketing da Bolsa de Diamantes do Panamá, visitei todos os pontos possíveis deste globo para conhecer de perto a realidade de cada empresa, fosse ela pequena, média ou grande. Conheci empresários renomados do setor até os anônimos para entender exatamente o que cada mercado ou país necessitava da Bolsa.

Diferente de alguns colegas, entendi que não podemos subestimar o micro e médio empresário, pois é ele quem fará o mercado girar com mais frequência, quanto o grande empresário impulsionará e trará o prestígio que uma Bolsa espera. É preciso gostar de gente, de escutar, entrar em uma sala de reunião com zero arrogância e compreender o que aquele empresário necessita para finalmente absorver e vir com a melhor solução.

Não dá para entrar em uma reunião querendo impor o seu estilo sem conhecer a necessidade do outro. Não é um jogo de quem sabe mais, é preciso fazer a leitura correta do mercado.

Após um ano no cargo e solucionando os desafios de muitas empresas, além de fortalecer o nome da América Latina, fui eleita vice-presidente sênior da Bolsa de Diamantes do Panamá. Nesse estágio, já sabiam quem eu era, eu já dava algumas entrevistas ao redor do mundo sobre o mercado, porém meu cargo ainda era um choque para os líderes do setor. Vale lembrar que muitos deles são homens, com mais de 50 anos de idade, vindos de países europeus e asiáticos e de famílias tradicionais do ramo.

De repente tinha uma mulher de 32 anos (minha idade na época), brasileira, que não vinha de um família tradicional do setor nem era casada com um joalheiro. Eu não atendia a nada do “script”. O ano como diretora de marketing me preparou psicologica e emocionalmente para lidar com essa mentalidade pragmática, e naquela fase ainda não podia reivindicar o papel da mulher no setor pois ainda estava conquistando meu “lugar ao sol”.

Quando comecei a atuar como vice-presidente sênior, em outubro de 2015, não tinha tempo de pensar em empoderar outras mulheres porque precisava mais uma vez garantir a todos que não tinha sido um “acidente” a minha nomeação. Paralelo a isso, existiam os desafios que a função naturalmente exige e, por isso, procurei me focar em ser uma líder coerente. Aprendi de imediato que as pessoas não precisam amar sua líder, mas sim confiar nela.

Ser líder por si só já é um desafio, já sabia disso por causa da minha marca de joias, mas ser líder de uma organização com mais de 110 empresas cadastradas de diferentes partes do mundo, com expectativas distintas, de várias religiões e idiomas era ainda mais complicado. Por mais que gostassem do meu trabalho, ainda tinha aquele machismo velado por eu estar no comando.

Em maio de 2016, em minha primeira Conferência Internacional como vice-presidente, vi a gravidade da exclusão à mulher. Éramos os líderes mundiais do setor de diamantes que iriam por três dias consecutivos discutir, em Dubai, a direção da indústria. Estavam presentes 100 participantes e, deste total, apenas seis eram mulheres – sendo cinco secretárias ou assistentes e uma vice-presidente (no caso eu), com chance de voto. No voo de volta para Nova York, senti que não adiantava continuar a falar sozinha nesses encontros ou em entrevistas, algo mais concreto deveria ser feito.

Se eu, em uma posição privilegiada, estava cansada daquele machismo e resistência, imaginei mulheres que estão há anos no setor e não avançam pelo simples fato de serem do sexo feminino

Sim, me solidarizo muito com essas mulheres, pois sei que apesar dos desafios e dificuldades que passei, ainda consegui ir além do que sonhava, diferente de muitas que acabaram aceitando as regras do jogo e se adaptando ou outras que desistiram no meio do caminho. Levantar a voz não é fácil, você é julgada constantemente, mesmo pelas próprias mulheres.

Há ainda quem diga: “Lá vão aquelas mulheres de novo falar sobre oportunidades”. Eu adoraria parar de falar sobre isso, adoraria não precisar ter criado o grupo Mujeres Brillantes, adoraria focar única e exclusivamente em meus negócios e palestras… Mas o cenário só se transformará se a gente discutir isso com frequência, a ponto de todos se conscientizarem da importância da mudança, que também precisa partir da própria mulher. Não condeno apenas o machismo masculino, condeno também o machismo feminino, além da falta de suporte uma com as outras.

A Mujeres Brillantes, associação internacional criada em junho de 2016, e que hoje já está em mais de 15 países, da qual sou idealizadora e atual presidente, não vem apenas com o intuito de ajudar a mulher a avançar e se desenvolver profissionalmente ou mostrar aos homens que merecemos mais respeito e oportunidade. Vem também para ensinar a mulher a compreender qual é o papel dela na sociedade: se ela continuará como mera espectadora e deixará seus sonhos em segundo plano por medo de julgamentos ou se tomará controle da sua vida e terá um papel social mais ativo.

Hoje o grupo tem quase mil membros, que discutem em diferentes idiomas, mas sempre sobre o mesmo tema “trabalhar juntas e elevar a nossa voz”. Já fizemos várias ações regionais e internacionais, como palestras educacionais, workshops, mentoria, eventos comerciais e networking no setor joalheiro, além do setor de bijuteria. Há muitas histórias de mulheres do grupo que vem mudando drasticamente não apenas sua postura profissional, mas também o modo de enxergar seu papel em sua comunidade. Era algo que eu planejei quando criei a associação? Não, mas fico muito feliz de ter criado. Se o projeto está indo longe é graças a todas essas mulheres que, antes de acreditarem na iniciativa, acreditaram nelas mesmas.

A lição que posso passar aqui, se é que posso passar algo à vocês, é que ao longo da vida haverá muita gente descrente na sua capacidade pelas mais diferentes razões. Eles só mudarão a opinião quando você acreditar em si mesmo. Não existe fórmula mágica. É difícil e existirão muitos momentos de frustração, de questionamentos sobre se vale a pena continuar. Porém, no final, a sensação de romper barreiras e alcançar os seus sonhos superará qualquer sentimento negativo durante a trajetória.

Hoje, se minha marca está em cinco países (indo para o sexto em breve), gerando empregos diretos e indiretos, se me tornei uma executiva e se conquistei reconhecimento é porque acreditei em mim: deixei de ser minha pior inimiga para me tornar minha melhor amiga.

 

Ali Pastorini, 36, é presidente do grupo Mujeres Brillantes, fundadora da marca de jóias Del Lima Jewelry e, desde 2015, vice-presidente do World Jewerly Hub (primeira bolsa de diamantes na América Latina), sendo a única mulher a ocupar esse cargo entre 31 bolsas de 22 países.

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