O que seria do cinema e da publicidade sem um toque do impossível? Não estamos falando de efeitos de computação gráfica ou megaproduções e, sim, de cenários ou simples objetos que não existem no mundo real — mas podem virar realidade nas mãos de alguém como Teresa Sbardellati.
A brasileira de 26 anos é a pessoa por trás do Ateliê Modestamente Revolucionário, que cria soluções analógicas para os mais variados clientes. Apaixonada pelo fantástico, ela traz ao mundo real os adereços necessários para filmes, campanhas publicitárias e também para seus vídeos autorais no YouTube. O Ateliê tem cerca de três anos, e funciona em uma casa no bairro da Santa Cecília, na zona central de São Paulo. Desde a concepção estética, até a confecção manual, é ali que o impossível (em mais de um sentido) pode ser criado. Ela conta:
“Muito antes de ter a empresa, comecei a me transformar, passei por uma transição muito grande, da profissional que fazia adereços para cinema até me tornar quem sou hoje”
Teresa morou anos na Itália com a mãe e a irmã, e foi lá que concluiu um curso técnico de modelagem e desenho para moda, logo após o ensino médio. Enquanto não terminava os estudos, trabalhou em restaurantes, foi assistente de fotógrafo e finalmente se envolveu com cinema, desenvolvendo “qualquer coisa que propusessem”, como diz. “Mas quando aparecia uma proposta mais tradicional, eu fugia, porque sempre pirei muito e gosto de coisas que façam rir”, conta. Foi com esse espírito que Teresa apresentou, como projeto de conclusão de curso, o projeto para um resort em… Marte.
De volta ao Brasil, aos 22, os planos incluíam um ano sabático e um diploma de ensino superior, mas ela descobriu que parar de trabalhar não combinava com sua personalidade, além de não ajudar nas contas. Como freelancer, começou a fazer seus primeiros projetos pessoais como aderecista, enquanto ampliava sua rede de contatos. Em um ano de “improviso”, Teresa alugou um espaço em uma garagem e viu sua rede de conhecidos aos poucos se multiplicar. “Fiz contatos no teatro, depois cinema e eventos. Comecei a pegar uns bicos e, de repente, me choquei quando vi que conseguiria ser remunerada fazendo algo que eu amo. Não entendia como as pessoas queriam me pagar para isso”, diz, rindo.
HORA DE ARRISCAR PARA GANHAR INDEPENDÊNCIA
Essa constatação foi a resposta que Teresa precisava para começar a transformar sua paixão em um negócio mais estruturado. Aos poucos, seu papel como aderecista cresceu até o ponto dela decidir montar o seu próprio ateliê, para ganhar independência. “Hoje, percebo que aderecista não era a profissão dos sonhos, mas usei essa minha trajetória para conseguir ter mais alcance e me transformar em empresa, me dissociando do papel de freelancer”, afirma.
A campanha para a OralB Complete, feita pelo Modestamente, ajudou a colocar a empresa no mercado dos “grandes” clientes.
Sob o nome de Ateliê Modestamente Revolucionário (imodesto como bem cabe a este mercado), Teresa passou a ser notada por “peixes grandes” do mercado. “Quando você entra nessa área, percebe que tudo é conectado”, conta. Entre 2011 e 2012, a jovem empresa recebeu o primeiro projeto grande para uma campanha da Oral B Complete, que envolvia um cenário com objetos de papel. Teresa havia mandado seu portfólio à agência Hard Cuore, do Rio de Janeiro e, duas semanas depois, já estava escalada para o trabalho (coordenado pela Africa), realizado com sua própria equipe — que hoje pode variar de duas a 10 pessoas. O vídeo foi um sucesso no YouTube e mostrou o potencial do Ateliê como prestadora de serviços.
O Ideias Épicas, projeto de Lucas Melo e Teresa Sbardellati, é um canal autoral no YouTube que serve de cartão de visitas para o Modestamente.
Daí para frente, pelo menos um grande cliente por ano surgia com projetos cada vez mais ambiciosos. Teresa e sua equipe criaram fantasias para o Netflix, uma animação em paper art para o Itaú, máscaras para a Volkswagem. Em paralelo, o Ateliê dava seus passos em direção ao conteúdo autoral. Da vontade de tomar conta de todo o processo audiovisual, nasceu o Ideias Épicas (de nome igualmente imodesto) um canal no YouTube que serve como cartão de visita da empresa e publica vídeos extremamente lúdicos com respostas para questões do nosso dia a dia, como “o que devemos ter na geladeira?” ou “como nasce o talento?”. O projeto é uma parceria de Teresa e Lucas Melo, amigo e diretor de TV com passagens por grandes emissoras.
Apesar de ainda não contar com financiamento externo, a dupla capricha a cada produção, e em 2014 faturou o prêmio de Revelação no youPix, plataforma que discute e aponta as principais novidades na internet. “Estamos em busca de parcerias com marcas ou emissoras que se identifiquem com nosso formato”, conta Teresa. Desde a estreia, o canal já trouxe seis clientes para o Ateliê.
Teresa e alguns alunos do workshop de paper art: um dos caminhos de expansão do negócio.
Além disso, neste ano a empresa fez o seu primeiro workshop de paper art, realizado com 15 interessados e durou dois finais de semana (Teresa cobrou 150 reais de inscrição por aluno). Agora, a ideia é expandir as aulas torná-las uma modalidade do Ateliê, sob o comando de Mariel Deak, socióloga que hoje cuida da parte financeira da empresa e do núcleo de workshops, cursos e oficinas, que podem se estender de dois dias a seis meses, em locais variados da capital.
A OBSESSÃO PELO INUSITADO COMO DIFERENCIAL
O “pacote” de serviços oferecidos pela empresa hoje mostra como a obsessão da empreendedora por criar o inusitado e ser independente ao mesmo tempo levou seu projeto para além do que ela imaginava. Sem necessidade de se rotular, Teresa está em fase de desenvolvimento de uma empresa que nasceu da intuição. “Tenho medo de me limitar, porque gosto de poder fazer coisas radicalmente diferentes entre si. Quero desafios”, diz, ciente da magia que só o trabalho artesanal proporciona. Ela fala deste amadurecimento:
“Tenho projeções bem megalomaníacas, mas muito pé no chão para perceber que é impossível tocar um negócio sozinha”
De uns tempos pra cá, ela vem estruturando melhor a empresa, procurando mão de obra adequada e tentando terceirizar algumas etapas do trabalho. “Nunca vou deixar de trabalhar com criação de objetos porque adoro isso de ‘entregar uma encomenda’, mas quero captar recursos pra realizar projetos do próprio Ateliê”, conta Teresa, cujo maior anseio no momento é profissionalizar cursos de trabalhos manuais que fujam da caretice. Para a “revolução modesta” que ela vislumbrou e está realizando, não vai faltar cola quente e papelão.
