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“Sem catador não tem reciclagem; sem ambulante, o nosso produto não chega na mão do consumidor. Precisamos que eles sejam protagonistas”

Maisa Infante - 19 jun 2024
Vânia Guil, gerente executiva do Instituto Heineken.
Maisa Infante - 19 jun 2024
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Seja no Carnaval de rua ou em qualquer grande show, do sertanejo à Madonna em Copacabana, lá estão eles (e elas), empurrando seus carrinhos com o isopor entupido de gelo ou catando as latinhas que o público deixa para trás. 

Vendedores ambulantes e catadores de resíduos estão na ponta da cadeia da indústria cervejeira. Agora, o Instituto Heineken se mobiliza para dar capacitação e algum protagonismo a esses trabalhadores informais.

Criado há dois anos, o Instituto estabeleceu a meta de levar impacto positivo, até 2025, a 10 mil vendedores ambulantes e catadores. Este objetivo está perto de ser cumprido — com um investimento anual na ordem de 10 milhões de reais, os projetos já impactaram 9 500 profissionais.

Os números parecem tímidos diante do tamanho do Grupo Heineken, que tem 14 mil funcionários e 14 fábricas no país (e, além da Heineken, é dono da Sol, Amstel, Bavaria, Baden Baden, entre outras marcas).

Segundo Vânia Guil, gerente executiva do Instituto Heineken, mais do que quantidade, a ênfase está na qualidade do impacto:

“A nossa maior preocupação é olhar as histórias de vida que estão sendo transformadas por trás dos grandes números. Queremos ir na contramão do mercado. Impactamos 10 mil, 20 mil, 30 mil pessoas? Mas qual a qualidade desse impacto? O que isso quer dizer de fato?”

Alguns dos projetos ocorrem em colaboração com organizações que já atuam junto aos catadores e ambulantes, como o Pimp My Carroça, parceiro no Catafolia, realizado em eventos como Carnaval e Réveillon. 

Nestas ocasiões, ações de coleta e triagem de embalagens ajudam a promover uma remuneração mais adequada pelos serviços ambientais prestados. Os profissionais também recebem treinamentos sobre segurança do trabalho, redução de danos e comunicação não violenta.

Outro projeto com os catadores é o Hub da Cidadania, parceria com a Associação Nacional dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (ANCAT), em que um trailer circula pela cidade de São Paulo oferecendo serviços de assistência social a catadores autônomos, como emissão e renovação de documentos, informações sobre programas sociais e atendimento psicossocial.

Em paralelo, junto aos ambulantes, o instituto desenvolveu, em Salvador, o programa Esse Verão é Meu, realizado com a Aliança Empreendedora, a fim de proporcionar aumento de renda por meio de dicas de vendas, marketing e finanças, desafios, bonificações e acompanhamento de especialistas.

A seguir, Vânia avalia o trabalho e fala sobre os desafios nestes dois anos de Instituto:

 

O Instituto escolheu trabalhar com catadores e ambulantes, que normalmente são trabalhadores informais. Qual a importância deles entre os stakeholders da cadeia cervejeira?
A importância é imensa porque estão conectados muito diretamente com o nosso negócio. Sem catador não tem reciclagem, já que são responsáveis por 90% de tudo que é reciclado neste país.

Apesar desse protagonismo, eles não têm o devido reconhecimento, nem financeiramente nem emocionalmente 

Sem ambulante, nosso produto não chega na mão do consumidor. Então, precisamos desses profissionais e precisamos que eles sejam valorizados adequadamente como protagonistas desta cena.

E como o Instituto mede o impacto do que foi feito até agora? Quais são os indicadores usados?
A gente ainda está modelando e aprendendo, mas nossos principais indicadores são incremento de renda, condições mais dignas de trabalho e desenvolvimento socioemocional. Temos um parceiro, o Plano CDE, que faz essa mensuração.

Mas hoje, para mim, o pulo do gato nesse momento de instituto que estamos vivendo são as parcerias e uma relação muito boa com stakeholders muito importantes para essas populações, que são lideranças de movimentos e de associações. Ter essas pessoas juntas no dia a dia, construindo projetos, pensando no impacto e no coletivo nos dá muita força. 

Com os ambulantes, por exemplo, entendemos que era o público que tínhamos mais dificuldade porque não tinha ali uma associação organizada – e é um público com diferentes perfis. Tem ambulante por proximidade, por necessidade e tem aquele que é vendedor ambulante todos os dias. 

Então, o trabalho que fizemos em Salvador, em parceria com a Aliança Empreendedora, foi basicamente buscar um a um para criar essa rede

Temos ainda um outro tipo de impacto que é um pouco mais difícil de mensurar porque é algo super novo e, ao mesmo tempo, muito transformador, que é a atuação deles nos eventos. 

Nós – como cervejaria, não só como Instituto – patrocinamos uma série de eventos no Brasil. E começamos a entender como poderíamos abraçar essa população dentro dos nossos eventos, trazendo para eles condições mais dignas, entendendo que são parte daquela festa. 

Junto com alguns parceiros conseguimos viabilizar pagamento de diária para catadores que estão trabalhando nos nossos eventos, oferecer cesta básica e vale alimentação 

Para ambulantes, junto com a Aliança Empreendedora, oferecemos um curso de empreendedorismo que fala sobre saúde financeira, sobre o quanto eles são empreendedores – e não “apenas” ambulantes que estão ali fazendo algo que não tem valor… 

Eu acredito que é um caminho sem volta, porque agora eles nos cobram. Isso tem trazido um grande impacto no dia a dia deles, na forma como se entendem, se veem trabalhando e no reconhecimento financeiro também, no incremento de renda e no apoio social que eles têm nesses momentos. 

Quando o Instituto foi lançado, há dois anos, uma das metas era atender 1 milhão de jovens em situação de vulnerabilidade social. Até o momento foram atendidos 1 900, número que está bem longe da meta (e 2025 já está chegando). Como você avalia isso e o que o Instituto pretende fazer?
Nossa meta com os jovens em situação de vulnerabilidade foi colocada pela questão do consumo responsável de álcool e o quanto a gente precisava abordar esse tema com esta população.

Mas, de dois anos pra cá, o cenário foi mudando e entendemos que os jovens de 18 a 25 anos estão, inclusive, consumindo menos álcool. 

À medida que fomos nos debruçando no entendimento do consumo nocivo de álcool para essa população, entendemos que por trás disso estava uma falta de perspectiva muito grande no futuro. Então, começamos a atuar numa frente de capacitação socioemocional e empregabilidade

Conforme adaptamos a metodologia do WeLab [nas palavras do Instituto, trata-se de “uma jornada de aprendizagem pessoal e profissional, 100% gratuita, para que os jovens reconheçam e ampliem suas potências e habilidades”], percebemos que não iríamos conseguir ter um impacto de profundidade para 1 milhão de jovens até 2025 e resolvemos repensar e entender o tipo de impacto para então chegarmos em número mais realista. Ainda não temos a nova meta, mas seguimos trabalhando em projetos. 

No ano passado, fizemos uma parceria com a CUFA (Central Única das Favelas) no The Town e direcionamos o montante de 1 milhão de reais proveniente das vendas de Heineken 0.0 realizadas no festival ao projeto CrI.Ativos da Favela. Sessenta jovens participaram e temos resultados incríveis, com jovens já contratados por agências e fazendo frilas. 

Para a comemoração de dois anos do Instituto, convidamos alguns desses jovens para fazerem um mini doc contando a nossa história e falando sobre o trabalho. Foi um modelo de projeto que a gente gostou muito, com resultados muito legais. 

E como o Instituto consegue engajar o público de catadores, ambulantes e os jovens nos seus projetos?
Destes três públicos, talvez o que seja um pouquinho mais difícil de conseguir mobilizar são os jovens.

Com os catadores e os ambulantes, se eles sentem que têm um compromisso sério com a categoria e que a gente está com os parceiros certos, temos uma mobilização fácil. 

Já os jovens é um pouquinho mais complicado porque a gente vive tentando achar formas de fazer uma mobilização orgânica mais ampla… vou te falar que a gente ainda não tem a receita ideal, mas temos parceiros que nos apoiam nisso, como o Instituto PROA, com quem fizemos uma rodagem de WeLab no ano passado. 

Fazemos algumas rodagens desse programa também presencialmente, em parcerias com prefeituras. Então, geralmente, temos um parceiro mobilizador e isso nos ajuda.

Para além do Instituto, o Grupo Heineken tem alguma outra iniciativa para atuar com esse público?
Tem algumas outras frentes que também devem passar por um olhar mais apurado para essa população, como a de direitos humanos, que a gente já tinha na Heineken Global e é uma área que está se estruturando agora no Brasil para olhar não só catadores e ambulantes, mas para a cadeia de forma geral.

Essa área não está dentro do Instituto, mas trabalha diretamente conosco e vai estar cada vez mais próxima para que a gente consiga abarcar essas populações da melhor forma possível dentro dos nossos projetos. 

Outra coisa que temos feito e tem sido legal é chamar os catadores, os ambulantes e os jovens para participarem da construção destes projetos. Muitas vezes eles vão até o escritório, sentamos juntos, trocamos ideias, eles dividem a realidade deles: o que seria mais vantajoso, mais interessante… 

Estamos chamando eles para o centro dessa discussão, dessa conversa e dessa construção. Essas são iniciativas que demonstram a valorização desse profissional para além daquilo que a gente está vendo nos eventos e tudo mais. 

A frente de eventos, especificamente, cruza três coisas. Ela cruza um pouco o trabalho do instituto com uma frente de direitos humanos e um apoio de marcas. Nesse sentido, muitas vezes as marcas patrocinadoras também nos apoiam financeiramente, entendendo também a relevância disso. 

Não dá para fazer um Carnaval sem catador. Carnaval sem catador é resíduo na rua até não sei quando… Então, as marcas também estão mais conscientes disso e entendendo o papel e a importância desses profissionais.

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