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Ser responsável sem gourmetizar: este é o desafio do casal que desenha e vende cangas 100% brasileiras

Luisa Migueres - 27 maio 2016 Diogo Cavallari e Letícia Tambellini não estão deitados no chão, mas sobre uma canga com estampa de ladrilho paulista: a empresa aposta na identidade brasileira.
Diogo Cavallari e Letícia Tambellini não estão deitados no chão, mas sobre uma canga com estampa de ladrilho paulista: a empresa aposta na identidade brasileira.
Luisa Migueres - 27 maio 2016
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A canga é um adereço bem brasileiro. Mas a maioria das que a gente encontra em qualquer praia por aqui são fabricadas Indonésia – sim, mesmo as de estampas de pulseiras do Senhor do Bonfim ou de obras de Romero Britto. Como custam barato, não é difícil imaginar em que condições elas são fabricadas por lá. Essa cadeia de produção no mínimo duvidosa foi a primeira motivação para que um casal de paulistanos enxergasse aí uma oportunidade de negócio. Diogo Cavallari e Letícia Tambellini, ambos de 28 anos e arquitetos de formação, hoje são donos da Canga, uma loja online de cangas 100% brasileiras — tanto na produção como na temática das estampas.

Eles começaram a operar com um e-commerce. “A loja online funciona como um teste de mercado, para sentir a viabilidade da nossa ideia de negócio”, diz Diogo. Foi durante uma viagem para a praia que a dupla viu a oportunidade de empreender. “A gente estava pensando em algum presente que pudesse ser versátil, e chegamos na canga. Mas era difícil encontrar encontrar uma legal, diferente. Elas eram muito espalhafatosas, ou muito femininas. Aí decidimos: ‘vamos fazer cangas brasileiras do jeito que a gente gostaria de encontrar’”, conta Letícia.

As estampas (como a Belém, acima) são o principal diferencial da Canga.

As estampas (como a Belém, acima, inspirada em azulejaria portuguesa) são o principal diferencial da Canga.

Mas não foi só a maresia que inspirou o casal. Segundo Diogo, desde o início, eles queriam que o diferencial fosse ter um produto que trouxesse temas brasileiros e uma produção “sustentável”, ou seja, que remunerasse de maneira justa todos os envolvidos na cadeia. Diogo procurou a costureira que trabalha na quadra da sua casa, na Centro de São Paulo. O tecido, por sua vez, vem de uma fábrica de Sorocaba, no interior paulista, e a estamparia e as linhas também são 100% nacionais.

A empresa é jovem, tem apenas quatro meses de operação e o investimento inicial já se pagou. Foram 2 mil reais que os dois tiraram do bolso para produzir a primeira leva, de 40 peças – que se esgotou em um mês. As estampas, que são o maior chamariz da marca, foram criadas pelos próprios sócios, e trazem temas que tocam a memória de qualquer brasileiro. Goiabas, ala das baianas, azulejos de cidades coloniais e até aquele chão de ladrilho que muita gente via na casa da avó. Apesar do apelo à brasilidade não ser novidade, eles não encontraram concorrência e decidiram seguir em frente.

CONCORRER (POR FORA) COM AMBULANTES DA PRAIA

Se uma canga vinda de outro continente chega até no litoral brasileiro por 20 reais, como Letícia e Diogo, que optaram por criar uma cadeia mais responsável de produção, poderiam fazer um preço competitivo? Eles nem tentaram. “A nossa ideia era fazer uma canga bonita, bem acabada, e a primeira ideia era competir com as da praia, para não gourmetizar e ser cara demais. Só que quando a gente começou a pesquisar produção, fornecedores, a gente viu que o custo já seria mais alto do que as cangas de ambulantes”, diz Letícia. Então, olhando para o mercado nacional e já pensando em uma operação fora do país, eles chegaram ao preço: 83 reais. Os sócios sabem que o valor é salgado, mas dizem ser o necessário para que todos os profissionais envolvidos sejam remunerados de maneira justa.

Nas feiras e bazares que participam, os sócios levam a "biciCANGA" para expor as peças.

Nas feiras e bazares que participam, os sócios levam a uma bicicleta customizada para expor as peças.

Pouco antes de participar da primeira feira (onde exporiam “ao vivo” as peças), eles estavam com estoque baixo. Letícia conta que precisou visitar costureiras para acompanhar o andamento – e botar seu perfeccionismo de arquiteta para colocar cada etiqueta nas cangas. “Quando cheguei lá, vi que as costureiras não estavam nem parando para almoçar porque tinham que terminar logo o trabalho. Parei tudo. Não quero que o nosso produto seja feito nessas circunstâncias”, diz.

O tecido também faz diferença nessa equação. “Nosso algodão é mais macio, a impressão da estampa é digital e a areia sai mais fácil, então isso faz o custo ser mais alto. Apesar disso, a gente não queria que fosse algo acessível só para a elite”, afirma Diogo. Entre os diferenciais do seu produto também está o tamanho das peças. As cangas de Diogo e Letícia são “mais quadradas” (140cm x 125cm) do que as peças comuns vendidas por ambulantes na praia (que medem geralmente 150cm x 100cm), pensadas para acomodar duas pessoas deitadas lado a lado.

TIMING AJUDA, MAS NÃO É TUDO

Com a empresa operando no lucro e ganhando cada vez mais espaço no Facebook e Instagram, o negócio parece estar amarrado. “A venda online depende de uma atividade muito intensa nas redes sociais. Mesmo assim, o comércio virtual não dá a resposta de vendas que a gente quer, por isso percebemos rápido que teríamos de atacar por diversos meios”, diz Diogo. Esse início, como se pode imaginar, não veio sem sustos e erros, como Letícia conta:

“Nosso maior perrengue é administrar fornecedores e prazos. Na nossa primeira leva, tínhamos planos de vender aproveitando o Natal, mas a estamparia atrasou quase dois meses a produção”

O jeito foi começar as vendas só em fevereiro, quase no fim do verão. A loja online já estava pronta, com a programação visual feita por eles mesmos. Perder o timing teoricamente mais apropriado para vender cangas (o verão!) acabou se transformando em um desafio interessante, já que uma das propostas do casal é provar que a peça pode ser usada em qualquer estação ou ocasião social, e até virar peça de roupa, com alguns nós aqui e acolá.

As cangas da marca paulistana têm temáticas nacionais e um dos objetivos é o mercado externo.

As cangas da marca paulistana têm temáticas nacionais e um dos objetivos é o mercado externo.

Hoje, Letíca e Diogo terceirizam a produção e ficam responsáveis por gerenciar os pedidos do e-commerce, levar as cangas embaladas para o Correio, fazer as embalagens. Ela se dedica integralmente à empresa, enquanto Diogo se divide entre a Canga e o escritório de arquitetura que abriu em 2012, ao fim do curso da FAU-USP com outros três amigos. Ele diz que os planos para o futuro devem incluir mais colaboradores: “Hoje a gente desenvolve as estampas, mas queremos chamar designers gráficos para criar e, também, para dar visibilidade para mais gente”.

Por ora, montar uma loja física está fora dos planos. Em vez disso, os sócios querem começar o quanto antes o seu processo de exportação. “Ter um produto só ajuda muito a organizar as vendas. Fazemos tudo pelo PagSeguro e compramos a máquina de cartão da Moderninha, então todo dinheiro entra no mesmo lugar”, conta Letícia.

Diferentemente dos primeiros dois meses, quando eram raras as encomendas, hoje as cangas são enviadas em levas para os Correios. Para as entregas mais próximas, na cidade de São Paulo, os sócios usam uma bicicleta customizada, com um baú para guardas as peças. Essa bike também é usada durante as feiras que a Canga participa, como a Feira Fera, Bazar das Muchachas, Bombo Bazar e Bazar da Praça, todas em São Paulo. E durante a Flip, no fim de junho, ela poderá ser vista pelas ruas de Paraty (RJ).

CANGA NO FRIO PODE SIM

A empresa está na fase de produção de sua terceira leva de cangas. Na segunda, foram vendidas em torno de 70 unidades em 40 dias – contabilizando um faturamento de 5 810 reais, que foram investidos na empresa novamente. Letícia fala dessa estratégia:

“Hoje a gente consegue cobrir todos os custos fixos com as vendas, mas não fazemos nenhuma retirada. Colocamos tudo na Canga para ela ficar mais sólida”

Agora, o casal se prepara para encarar o desafio de vender cangas no frio, definindo estratégias para atingir os estados brasileiros que são quentes mesmo no inverno, no Norte e Nordeste. O e-commerce também deve ganhar reforço em breve, com uma variedade maior de estampas e ensaios fotográficos que transmitam a pluralidade das próprias peças de Letícia e Diogo. “Não queremos modelos profissionais, padrão de beleza. Além da diversidade de uso da canga, a gente quer que as pessoas que usem e sejam os nossos modelos. Seja gordo, magro, negro, branco, gay, travesti, quem for”, conta ela.

Diogo acredita que a proposta da empresa, de usar somente fornecedores locais, também vá atrair clientes preocupados com consumo consciente. “Acho que vão entender que esse também é o nosso papel aqui. E que isso torne as cangas ainda mais representativas para o brasileiro”, diz ele. Que venha o verão.

DRAFT CARD

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  • Projeto: Canga
  • O que faz: Produz cangas 100% brasileiras com estampas exclusivas
  • Sócio(s): Diogo Cavallari e Letícia Tambellini
  • Funcionários: 2 (os sócios)
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: fevereiro de 2016
  • Investimento inicial: R$ 2.000
  • Faturamento: R$ 5.846 (em 2016)
  • Contato: [email protected]
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