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Sextou com folga: empresas aderem ao movimento de 4 dias de trabalho por semana e garantem mais produtividade

Ruth de Castro - 30 jun 2023
Renata Rivetti, diretora da Reconnect Happiness at Work.
Ruth de Castro - 30 jun 2023
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A ideia é tentadora: receber 100% do salário e trabalhar apenas 80% do tempo. Na prática, você terá todas as sextas livres para fazer o que bem entender. Topa? Mas, para funcionar, você precisa cortar as distrações do dia a dia e manter – ou aumentar – a produtividade no trabalho. A redução da carga horária de maneira inteligente é o que propõe a organização neozelandesa 4 Day Week que, em parceria com a brasileira Reconnect Happiness at Work, chegou ao Brasil para engajar empresas nacionais que estejam interessadas em aderir ao movimento. Diversos países já adotaram (com sucesso) a jornada de quatro dias, entre eles Japão, Islândia, Bélgica, África do Sul, Reino Unido.

Sob o olhar conservador e desconfiado de alguns patrões pode parecer, à primeira vista, arriscado. Afinal, como reduzir a jornada e manter o lucro? E é de fato uma visão antiga, herdada do século passado – quando fazia sentido manter funcionários a todo vapor dentro das fábricas. Só que o mundo evoluiu e as tecnologias automatizaram processos antes manuais.

“O mundo mudou muito nestes últimos 100 anos. Não tem como falar o quanto a tecnologia mudou nossas vidas. Antes o trabalho era mais braçal, então as horas trabalhadas eram importantes. Hoje é muito mais focado no mental do que no braçal”, conta Renata Rivetti, diretora da Reconnect Happiness at Work, empresa especializada em felicidade corporativa e liderança positiva. “E mesmo assim a gente atua como antes, com oito horas diárias de trabalho durante cinco dias da semana.”

BRASIL: O PAÍS MAIS ANSIOSO DO MUNDO

As horas incessantes no escritório tem deixado os funcionários cada vez mais ansiosos e pouco produtivos. Somos o país mais ansioso do mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, com 9,3% da população com algum grau de ansiedade patológica. E o segundo com mais casos de burnout (esgotamento mental por conta do trabalho), segundo a International Stress Management Association (Isma), organização internacional sem fins lucrativos voltada à pesquisa, ao desenvolvimento da prevenção e tratamento do estresse.

Tamanho esgotamento afeta negativamente o desempenho no trabalho. Segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, a produtividade da indústria no país cai, em média, 1% ao ano desde 1995. No ano passado, esse índice caiu 4,5% e, em 2020, foi ainda pior: uma retração de 7,9%. Somente no primeiro ano da pandemia a produtividade aumentou, mas só porque os empregos presenciais, que costumam gerar menor produtividade, foram reduzidos.

HORA DE VIRAR A CHAVE

A realidade não afeta apenas o Brasil, ainda que por aqui os dados de saúde mental sejam alarmantes. Países do mundo todo encaram o mesmo dilema: como manter funcionários descansados e ainda assim produtivos.

Andrew Barnes, um dos donos da Perpetual Guardian, empresa de planejamento imobiliário e gerenciamento de fundos e testamentos da Nova Zelândia, refletiu sobre isso ao ler um artigo no jornal The Economist, em 2018. Nele, um estudo mostrava que as pessoas são produtivas apenas, em média, por duas a três horas ao longo do dia. Ele, então, anunciou a redução da jornada de trabalho para apenas quatro dias por semana – para surpresa (e algum contragosto) geral das lideranças. Mas, para isso, convocou seus colaboradores a pensarem como poderiam seguir tão produtivos quanto antes – era preciso a colaboração geral para um bem maior. Funcionou.

Os comprometimento aumentou e as taxas de demissões reduziram.

“Os colaboradores perceberam que valia mais a pena sair do Facebook. Entenderam que o day off era um presente que precisava ser ganho e não algo garantido. E aquilo estava mudando a vida das nossas pessoas”, contou Barnes em sua palestra no Ted Talks. “Trabalhar quatro dias por semana muda radicalmente a vida das pessoas. Trabalhar mais tempo não significa trabalhar mais ou com mais inteligência”, concluiu.

Barnes e a advogada Charlotte Lockhart fundaram a 4 days week, comunidade sem fins lucrativos, para difundir o projeto. E, desde então, outros países adotaram a jornada de quatro dias. Só no Reino Unido, o programa piloto contou com 61 empresas e quase 3 mil colaboradores. 39% dos deles relataram menos estresse, 71% tiveram menos sintomas de burnout e 15% descartaram qualquer possibilidade de aumento salarial para voltar à semana de cinco dias de trabalho.

Por aqui, a 4 day weeks, em parceria com a Reconnect Happiness at Work, abriu processo para selecionar empresas interessadas em adotar a metodologia de Lockhart e Barnes. Até aqui são 300 inscrições, mas apenas 40 devem ser selecionadas.

NÃO ADIANTA SOMENTE REDUZIR A JORNADA

A redução de jornada não acontece sem a total compreensão da empresa sobre si mesma e sobre seus funcionários. Pouco adianta reduzir a jornada e mantê-los sobrecarregados – como se precisassem fazer horas extras para trabalhar o equivalente a cinco dias, só que em quatro.

“Se a empresa tentar só aumentar a produtividade através desses desenhos, sem cuidar das pessoas, em algum momento isso vai falhar. Porque as pessoas voltarão a ficar ansiosas”, explica Rivetti.

Por isso, o primeiro passo é entender quais processos podem ser automatizados e cortar as distrações. Como exemplo, Rivetti conta a ideia de uma empresa de criar um espaço para seus funcionários guardarem os celulares em momentos nos quais o foco era essencial.

“São mudanças que achamos que não funcionam, ou que são muito óbvias, e que geram resultado de forma efetiva. Mudanças simples, com mudança de hábitos mesmo. Não adianta apenas tirar a sexta e manter as pessoas sobrecarregadas. Nosso piloto começa com os dados, para mensurar o que está acontecendo dentro da empresa e como a metodologia pode ajudá-los”.

 

Segundo Rivetti, empresas médias e pequenas tendem a ter mais facilidade para adotar o projeto. Nas maiores é preciso ir aos poucos – uma área de cada vez.

EM CADA SETOR UM DESAFIO

A área de atuação também influencia na migração para uma nova jornada. “Em trabalhos ligados a serviços mais intelectuais, como publicidade, advocacia, entre outros, fica mais fácil, porque as mudanças são pequenas. É diferente de uma fábrica, restaurante, logística, ou saúde, que por vezes atuam num modelo diferente, mais amplo do que cinco dias por semana. Então você precisa reorganizar e rever escalas, por exemplo”, explica.

“Com os serviços intelectuais as chances de mudanças para redesenhar o trabalho são mais fáceis. Dá para rever a quantidade de reuniões, ou avaliar se várias pessoas do mesmo time gastam tempo naquelas mesmas reuniões, por quanto tempo perduram esses encontros. Também vale entregar documentos técnicos antes das reuniões para chegar com foco na definição de ações, rever a tecnologia e automatizar processos, ver se existe um microgerenciamento nos setores.”

Ainda assim, segundo ela, o caminho parece possível para todas as áreas e todas as empresas, das micros às gigantes.

Por aqui, as aulas metodológicas e pesquisas começam em agosto e, em novembro, o piloto sai do papel – e alguns sortudos passarão a sextar em plena quinta-feira. Agora nos resta torcer para a moda pegar de vez.

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