Sil Bahia, 39, se define como uma ativista dos sonhos. Ela é diretora executiva do Olabi, uma organização que acaba de completar dez anos e é codirigida por duas mulheres, uma negra e outra branca. É também conselheira do Museu do Amanhã, onde faz parte do Comitê Científico de Saberes e provoca discussões.
No Olabi, a partir da experimentação, Sil pensa e desenvolve soluções para problemas sociais bastante ligados à evolução da tecnologia digital, sempre com duas lentes – gênero e raça – e foco na redução de desigualdades.
É dela a autoria e a coordenação geral do PretaLab, que nasceu (como ela gosta de dizer) como um “quilombinho” e acabou virando um programa, com muitas camadas de educação, ciclos formativos e uma rede com quase 1 500 mulheres que trocam conhecimento sobre vagas de trabalho e bolsas de estudo na área tech.
Silvana Bahia batalha diariamente para que o grupo de mulheres negras em cargos de liderança, em especial na tecnologia, seja cada vez menos seleto. E faz isso em muitas frentes. Entenda a seguir na entrevista que ela deu ao Draft:
Já ouvi homens e mulheres dizerem que não creem no cargo de co-CEO. Na sua experiência, a codireção do Olabi é possível devido às personalidades das codiretoras, ou seja, você e Gabi Agustini? Ou tem mais a ver com o fato de a organização ser experimental e não estar inserida no mercado corporativo tradicional? Você acredita em codireção no caso de entidades que não sejam organizações sociais ou não tenham preocupação grande com o ESG?
A Gabi é a minha “casca de bala”, todas as decisões são tomadas em conjunto. Eu acompanho alguns projetos mais de perto e ela, outros, mas sempre temos o cuidado de compartilhar todas as informações.
É uma gestão bem compartilhada, o que é maravilhoso, porque estar à frente de uma organização envolve muitos processos, dos burocráticos aos experimentais. Poder criar e compartilhar isso com uma outra mulher que tem um pensamento tão alinhado com o meu…
Costumo dizer que a Gabi é o meu casamento perfeito. Porque a gente se escolheu e segue se escolhendo todos os dias diante dos desafios, alegrias – e glórias também.
Acredito que tem pessoas que não foram muito felizes em codirigir algo, em fazer uma cogestão; nesse sentido, “ganhei na mega sena”, porque faço um trabalho com pessoas – a Gabi e a equipe do núcleo duro do Olabi – muito comprometidas com a causa e a organização.
No meu caso e da Gabi, dividir a cogestão tem muito a ver com sermos muito diferentes, em muitas coisas. O que falta em mim sobra na Gabi – e o que falta nela transborda em mim. E, trazendo um pouco a lente de gênero, é uma forma feminina de liderar que é muito assertiva, mas não agressiva
A gente trabalha para o mercado também, prestamos consultorias para grandes empresas na área de DE&I – Diversidade, Equidade e Inclusão, nessa intenção de cumprir as metas ESG.
E mesmo dentro desse universo – que é muito diferente do universo do PretaLab, por exemplo, que é mais um “quilombo”, um trabalho para essas mulheres –, acho que é uma soma de expertises que se complementam, e a gente consegue fazer uma boa gestão.
Você tem um lado mais artístico. É codiretora de um documentário – Quadro Negro, de 2020, com Bruno Duarte – e editora do livro Pode um robô ser racista?, de 2023, o primeiro da coleção Pensando Amanhãs, do Museu do Amanhã. Como foi o desenvolvimento desses projetos? O que você aprendeu com cada um?
Legal você trazer o Quadro Negro, porque foi uma experiência muito intensa, algo que eu nunca tinha feito na vida. Me vejo, cada vez mais, como uma experimentadora, uma pessoa curiosa e – como gosto de dizer – uma ativista dos sonhos.
Eu trabalho por causas – redução das desigualdades, equidade de gênero e de raça – num país onde essas questões são muito marcadas, não como coisas triviais, mas como regra.
Então, independente do que eu esteja fazendo – se é um filme, um livro, um podcast –, todas têm essa intenção de comunicar essas causas. Ou de trabalhar para que a gente ou se conscientize ou possa desenvolver soluções, pensamentos, reflexões sobre esses desafios, que existem muito antes do digital.
São problemas seculares que a gente vive, mas quando chega nesse momento da internet, do digital, corremos o risco de ampliar essa desigualdade
O que aprendi fazendo o filme é que dá muito trabalho! O cinema tem uma magia, depois você vê tudo montadinho, não imagina o trabalho que dá roteirizar, gravar…
O cinema me ensinou que essa indústria é uma forma muito poderosa de propor um diálogo, porque toca o coração, não é só sobre uma coisa racional. E um documentário como Quadro Negro, de histórias de pessoas negras que foram para a universidade – a maioria delas eram as primeiras de suas famílias a adentrarem um espaço como esse –, me toca, porque essa é a minha história também.
Fui a primeira pessoa da minha família a ir para a universidade. Hoje, meu irmão e primos já foram. A vontade de fazer esse filme também estava muito ligada com a nossa história pessoal, com a minha e a do Bruno Duarte
Já o livro me pareceu um pouco mais fácil do que fazer o filme, porque venho da comunicação, escrever já está mais dentro do meu cotidiano.
O livro me ensina que, muitas vezes, é difícil botar no papel os pensamentos de forma que, de fato, você se comunique com o leitor. Esse, em especial, me ensinou que quanto mais simples a gente escreve, mais facilmente a gente se comunica com as pessoas.
Busco isso na minha coluna e em outras ocasiões que têm a ver com a linguagem textual. Sempre uso palavras simples, porque não acho que isso empobrece o texto. Pelo contrário, isso amplia a possibilidade de diálogo com outros interlocutores.
Esse livro me ensinou que, ao falar de assuntos complexos é muito importante que a gente traga uma linguagem simples. Estávamos ali falando de racismo algorítmico, de coisas que ainda não são tão palpáveis
No Olabi temos um projeto, o meu favorito atualmente, de arte e tecnologia; acontece todo novembro e se chama Códigos Negros. Tem um caráter mais experimental que dialoga com as linguagens da arte. Porque a arte ajuda a gente a trazer alguma compreensão de um mundo tão complexo, onde temos pouquíssimas respostas – falando de tecnologia –, e a gente precisa estimular perguntas.
Este ano, o projeto traz o tema: “Imaginação como tecnologia e tecnologia para a imaginação”. Isso me alimenta muito, porque é quase como escolher: com o que eu vou brincar? Isso também me atrai na arte, essa coisa lúdica de poder experimentar a partir de outro lugar.
A arte e suas múltiplas linguagens são essa possibilidade de estimular perguntas.
Falando de tecnologia, esse mundo onde você se embrenhou para inserir nele mais mulheres pretas: como exatamente você acredita que a tecnologia pode ajudar a diminuir as desigualdades sociais?
A tecnologia é um campo com muitas áreas, é um universo. Quando entendi que tecnologia também era política, eu me interessei por esse campo. E aí a gente vai percebendo que é onde as vagas sobram, não se consegue preenchê-las.
É um lugar que sempre está com uma alta demanda por profissionais e a primeira coisa, depois de criar um “quilombinho”, era como – nesse universo, onde sobram vagas –, a gente consegue dar match com quem está precisando trabalhar.
Talvez, a primeira intenção de pensar como a tecnologia pode ser transformadora parta de uma ideia muito concreta: trabalho para as pessoas que precisam trabalhar.
As mulheres negras são as mais vulneráveis ao desemprego. Por que esse mundo não pode ser para elas também? Quando você olha para o mundo da tecnologia, ele é super masculino e branco
Como a tecnologia e as mulheres negras podem mitigar efeitos negativos na sociedade? Existem muitas respostas para essa pergunta. Eu não sei todas, mas a minha visão está ligada à ideia de que, se pudermos construir as tecnologias – e não apenas consumi-las –, talvez as tecnologias se tornem de fato linguagem, ferramentas para ajudar na resolução de problemas reais.
Isso tem a ver com a possibilidade de a tecnologia ser um campo para diminuir o índice de desemprego, por exemplo. É não visando uma única ação. Não acho que seja uma [única] coisa. Se tiver mais diversidade na tecnologia, vai resolver [todo] o problema? Não, não vai. Mas esse é um caminho.
Numa sociedade como a nossa, com uma estrutura do sistema de educação super precarizada, é muito importante que a gente possa discutir essas questões com pessoas que não necessariamente foram para a universidade, não necessariamente são especialistas nesse assunto – mas que estão ali sendo impactadas também por essa mudança
E aí, quando olha para quem é a maioria da população, que está fora dessa discussão, a gente percebe que essa população tem gênero, tem cor, tem classe social.
Pra mim, é uma missão de vida trabalhar para que a tecnologia não seja algo que aumente a desigualdade. Para isso há muitas ações, desde formar até promover diálogos sobre o tema, usando uma linguagem simples.
A gente fala muito [metaforicamente] em “hackear”; mas para você hackear, precisa entender o que está hackeando. A forma como as coisas aparecem, muitas vezes, é muito distante. A inteligência artificial é algo que está muito distante da gente – e, na real, não está.
Eu me sinto como uma tradutora de mundos, uma aproximadora de mundos que talvez não dialogassem facilmente – e a ideia é fazer com que dialoguem
É por isso que a gente trabalha numa ideia de ampliação de repertório. É por isso que a gente faz uma conexão com o mercado e o ajuda a ser melhor também para absorver essas pessoas. Porque todo mundo ganha. Se a gente melhora a vida de quem está embaixo da pirâmide social, todo mundo em cima também melhora.
Você sempre fala sobre educação midiática e letramento digital, e diz que a tecnologia não é neutra, porque a cultura está embutida ali. Pode explicar o que quer dizer com isso? Porque não é óbvio que a cultura e os seres humanos estão dentro da tecnologia, parecem coisas apartadas…
Muito bom você trazer isso, porque essa é exatamente a noção que se tem: essas coisas parecem não dialogar muito, né? E pra mim, toda essa transformação tecnológica que a gente tem vivido é, primeiro de tudo, uma transformação cultural.
Por que eu digo isso? Porque a tecnologia modificou a forma como a gente consome informação, a forma como a gente trabalha e como a gente se afeta.
Pense no que foi, durante a pandemia, ter a possibilidade de fazer videochamada! Eu ficava pensando que, se fosse 20 anos antes, como seria mais difícil de lidar.
A forma como a gente vê e experimenta o mundo se modifica por conta da transformação digital – porque a transformação digital é primeiramente cultural. Ela modifica a cultura, a forma como a gente se comporta, consome, aprende… a forma como a gente se vê e se relaciona com as pessoas
Fico pensando num mundo sem WhatsApp. Eu vivi esse mundo, sei como era; mas se for falar isso pra alguém que tem 20 anos hoje, é quase inconcebível.
Toda tecnologia – pode ser a mais high-tech, a maior inteligência artificial – é também humana. Sempre tem alguém que pensou aquele sistema ou que alimenta aquele banco de dados para que o algoritmo execute uma ação. E a gente não é neutro. Temos uma bagagem: a nossa cultura, onde fomos criados, os nossos gostos que vão se formando ao longo da vida.
Várias vezes penso que é óbvio dizer: a tecnologia não é neutra. E de fato é, mas o óbvio precisa ser dito, porque a gente não se relaciona com a tecnologia pensando: “nossa, esse computador aqui não é neutro; quem pensou esse computador botou essa tecla no canto direito e não no esquerdo…”
A tecnologia é feita de escolhas humanas. Toda tecnologia tem um fator humano, e esse componente não é neutro
“Ah, mas as tecnologias são racistas?” Elas não “nascem” racistas, mas muitas vezes reproduzem o racismo, porque quem desenvolveu pode até não se ver como racista, mas não pensou [por exemplo] que um dispenser de sabão também vai ser usado por uma mão negra.
E é por isso que a gente traz essa missão de pensar diversidade na produção das tecnologias. Porque vai ter diferença se uma mulher negra do sul e se uma mulher branca do norte construírem uma mesma tecnologia. Ela não vai ser igual.
É nesse sentido que gosto de discutir a não-neutralidade da tecnologia e essa humanização, que é fundamental. Porque senão a gente não vai saber quem é responsável por aquilo. A culpa é da máquina?
Hoje, vemos muita coisa que a inteligência artificial parece dar conta sozinha. Mas teve alguém que programou aquilo, que abasteceu aquele banco de dados. Então tem um processo, um fator humano. E aí sim vamos ver discrepâncias, assimetrias de poder, falta de diversidade, reprodução de preconceito.
Essa questão de vislumbrar que existe um programador por trás da inteligência artificial, alguém que pensou qual era o objetivo daquele código, pode ser mais difícil para algumas pessoas e menos para outras. Mas existe também um pouco de fantasia, que acaba gerando ansiedade, descrença e até teorias conspiratórias… Quando você fala de educação em relação ao uso de tecnologias, isso serve para crianças brancas de São Paulo e crianças indígenas do Amazonas. É um discurso importante para todo mundo. Você tem a intenção de falar com mais gente, para além dos projetos do Olabi?
Eu tenho toda a intenção de ampliar meu diálogo. Não quero construir um mundo onde mulheres vivam de um lado, homens de outro, pessoas negras de um lado, pessoas brancas de outro. Pelo contrário.
Ter um trabalho direcionado para determinados públicos – tanto pessoas negras, pessoas acima de 60 – tem a ver com esse desejo de impacto, de entender que existem populações mais vulneráveis que outras. Agora, não estou dizendo que o menino branco da USP está munido de todas essas informações e desse tipo de visão de mundo… Eu também quero dialogar com esse rapaz.
Inclusive é o que a gente faz: sentamos com executivos, engenheiros do Google, com esse mundo corporativo que está também muito apartado dessas instituições. A intenção é criar pontes e derrubar muros. Cada vez mais, essa conversa precisa ser ampliada
Eu também acho que a educação não é só o que a gente aprende na escola. Inclusive, a gente precisa ser muito mais criativo para renovar nossas metodologias de ensino, diante de tudo que temos hoje, desses aparatos tecnológicos e da inteligência artificial.
E para sobreviver a essas transformações num mundo onde não se tem certeza de nada – a gente tem certeza da incerteza –, aprender a aprender é fundamental. Talvez até desaprender seja importante. Porque tem muita coisa que aprendemos e que agora não cabe mais. Temos de dar uma limpada no HD mental.
E uma coisa que também acho [válida] para todo mundo – pode ser um engenheiro ou um auxiliar de serviços gerais – é estimular o pensamento crítico em relação a isso, para [as pessoas] poderem olhar uma imagem e se perguntar se é real ou não
Vai ser cada vez mais difícil dizer o que é real e o que não é real: se foi a máquina ou uma pessoa que criou. Talvez, daqui a um tempo, essa discussão seja irrisória, porque estaremos discutindo mais o impacto daquilo.
Desejo muito dialogar com pessoas muito diferentes. Uma das vocações do Olabi é exatamente reunir gente diferente em torno de causas, projetos e iniciativas para chegar numa solução comum. E criar um espaço para convivência onde a diferença possa caber.
Beleza, somos diferentes, mas o que nos une? O que a gente consegue fazer em conjunto? Vamos derrubar os muros e entender como se faz pontes – para construir, de fato, o mundo que a gente quer.
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