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Quem não abraçar a diversidade vai ficar para trás. Saiba como a Singuê trabalha para tornar empresas mais inclusivas

Juliana Afonso - 6 dez 2021
Eliezer Leal e Talita Matos, o casal de empreendedores da Singuê (foto: Nathali Motta).
Juliana Afonso - 6 dez 2021
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Quando se é uma pessoa negra, a questão racial atravessa todos os aspectos da vida. Das amizades na escola às oportunidades de trabalho, das relações interpessoais ao uso de espaços de lazer: negros e negras são lembradas, a todo momento, que a cor da pele as torna diferentes. 

Talita Matos, 38, e Eliezer Leal, 43, sabem bem o que isso significa. Eles trouxeram essa e outras questões para o centro das suas experiências de trabalho ao lançar, a Singuê, em maio de 2021. A consultoria desenvolve programas de diversidade, equidade e inclusão dentro das empresas. Segundo os sócios, “singuê”, na língua banto, significa aquilo que nos entrelaça.

Inovar, na visão de Talita, “é dar conta de resolver problemas complexos que são vividos por pessoas diversas”:

“Homens brancos, heterossexuais e cis são apenas 18% da população brasileira. Tudo que a gente desenvolve precisa estar a serviço do Brasil, das mulheres, das pessoas com deficiência, das pessoas negras, das pessoas indígenas, das pessoas LGBTQIA+, das pessoas trans”

Para desenhar soluções que atendam os problemas vivenciados por essas pessoas, é preciso que elas façam parte das equipes – e tenham espaço para apresentar as suas perspectivas.

ENQUANTO ESTUDAVA RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS, ELA ENSINAVA DANÇA PARA CRIANÇAS NA FAVELA

A experiência de vida dos fundadores da empresa é fundamental para entender o seu surgimento. Talita nasceu em Itajaí, Santa Catarina, e sempre foi acostumada a ser a única mulher negra nos espaços que frequentava. 

O entendimento de que a questão racial era crucial em tudo o que fazia a levou a estudar relações étnico-raciais na Faculdade de Ciências Sociais, na Universidade Federal de Santa Catarina. Além dos estudos, Talita dava aulas de dança para crianças da comunidade Maciço do Morro da Cruz, em Florianópolis. 

“Eu já tinha muito forte essa coisa de trabalhar para um mundo mais justo. Dançar e dar aulas para crianças da favela, em grande parte negras, sempre me motivou muito” 

Após captar recursos para atender 220 crianças, ela percebeu que podia fazer do desejo de contribuir para um mundo menos desigual o seu trabalho.

Dali em diante, Talita passou a atuar em projetos sociais e trabalhar com educação e desenvolvimento de jovens para o mercado de trabalho. 

“Essa vivência me fez enxergar muitos Brasis e perceber que a experiência de cada um é atravessada pelas questões identitárias, pelas questões de vulnerabilidade social, pelas questões do seu lugar de origem. No final do dia, muito do que somos é resultado dessa experiência.”

UM INTERCÂMBIO NA ÍNDIA DESPERTOU TALITA PARA O MODELO DE NEGÓCIO COM IMPACTO SOCIAL

Dois momentos foram cruciais no seu processo de transição de carreira até fundar a Singuê. O primeiro aconteceu em 2013, quando Talita fez um intercâmbio voluntário em incubadoras e aceleradoras de impacto social na Índia

“Ali eu percebi que existia um modelo para criar um negócio sustentável, mas que também entrega para a sociedade a resolução de um problema complexo”

O segundo foi a sua entrada para o Impact HUB, rede global de empreendedores de impacto, alguns anos após voltar para o Brasil. Ao conhecer de perto as startups e empresas brasileiras de tecnologia e inovação, ela percebeu que o ambiente era pouco diverso. 

Foi quando começou a defender essa pauta e se tornou consultora da rede global para diversidade, equidade e inclusão.

QUANDO O “OLHAR DE SUBÚRBIO” SE CHOCOU COM O AMBIENTE DE TECNOLOGIA

As percepções sobre o mundo corporativo sempre foram compartilhadas com o marido Eliezer. Nascido na Vila da Penha, subúrbio do Rio de Janeiro, ele também se acostumou desde cedo a ser um dos únicos negros em parte dos ambientes que frequentava. 

Aos 17, Eliezer conseguiu um estágio no Centro de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação Leopoldo Américo Miguez de Mello da Petrobras, um dos mais importantes do mundo na área de tecnologia. 

“Foi uma grande ruptura na minha vida, quando eu cheguei lá, com aquele olhar de subúrbio, e dei de frente com tanta tecnologia”

Eliezer fez um curso superior de Análise de Sistemas e trabalhou mais de 20 anos com negócios em tecnologia. Nos últimos cinco anos, voltou-se para o mercado de inovação, com foco no desenvolvimento de soluções em modelos de startups. 

Paralelo a isso, ele sempre teve um lado social ativo. “Estudei teologia e trabalhei em movimento dos sem-teto no Rio de Janeiro.”

EM PLENA PANDEMIA, ELES FUNDARAM UM NEGÓCIO SOCIAL JÁ EM RITMO DE STARTUP

Quando Talita começou a trabalhar como consultora da rede global do Impact Hub e a ser cada vez mais reconhecida pelo trabalho com diversidade, equidade e inclusão, aos poucos foram surgindo propostas de trabalho.

Para realizar as demandas, eles fundaram a Singuê, em plena pandemia, e passaram a trabalhar juntos.

“Acho que a gente foi bem startupeiro”, brinca Talita sobre o início das atividades da Singuê. A alusão ao ecossistema de startups diz respeito ao ciclo de criação, experimentação, venda e aperfeiçoamento, comum nessas empresas iniciantes, e à rapidez com que tudo aconteceu. Eliezer relembra esse começo:

“Criamos a marca, na verdade, porque o email da Talita já não estava suportando. Eu acho que essa é a forma ideal de formar uma empresa, é uma validação do mercado”

Nas conversas que tinham com as empresas interessadas, eles passaram a observar com atenção quais eram as demandas e qual melhor produto podiam oferecer. 

Foi quando perceberam que o mercado já tinha consultorias dedicadas a processos de letramento e conscientização para a atração de profissionais diversos, mas poucas trabalhavam ações para a permanência desses trabalhadores.

O BACKGROUND PESSOAL E PROFISSIONAL AJUDA A ENTENDER OS DESAFIOS E CONVERSAR COM A ALTA LIDERANÇA

Hoje, a Singuê oferece dois serviços principais: a modelagem de estratégias de diversidade, equidade e inclusão; e o desenvolvimento de programas de aceleração de carreira e liderança para públicos de diversidade. Para a entrega dos produtos são utilizados métodos de cocriação. Talita afirma:

“O que a gente traz é esse olhar de desenho de solução. Além de dominar as questões relacionadas à pauta de diversidade, equidade e inclusão, temos a capacidade de mergulhar no universo do cliente e cocriar soluções de alto impacto”

Além de trazer a questão étnico-racial nas suas trajetórias de vida, ambos têm uma longa carreira profissional dentro do setor de tecnologia e inovação, o que possibilita conversar com a alta liderança sobre as demandas e os desafios do mercado.

EM CURTO TEMPO DE ATIVIDADE, CONQUISTARAM DOIS GRANDES CLIENTES: NUBANK E WILDLIFE

A Singuê acumula um portfólio de clientes vistosos. Um deles é o Nubank, maior banco digital independente do mundo. A consultoria realizou um mapeamento dos elementos que estruturam as carreiras dos funcionários da empresa e aplicou, em seguida, um recorte de raça. 

Assim foi criado o Black Leaders, programa de aceleração de carreiras pra profissionais negros. Entre as ferramentas utilizadas estão programas de coaching específicos para esse público. 

Os preconceitos enfrentados por pessoas negras, lembra Talita, influenciam diretamente o seu desenvolvimento profissional:

“A Singuê olha para entender como isso impacta e como desenvolver outras habilidades e comportamentos que possam ajudar as pessoas a performar livres disso. É bem subjetivo, bem específico…, mas é uma abordagem que comunica diretamente com a dor dos clientes”

Outro cliente é a WildLife, maior empresa de games da América Latina, que buscou a Singuê para desenvolver um programa de mentoria a fim de impulsionar a carreira para públicos de diversidade. 

Após um diagnóstico sobre os profissionais da empresa, foi desenvolvido um programa de mentoria para mulheres, pessoas negras e LGBTQIA+.

NADA DE “SOLUÇÕES PRONTAS”: A COCRIAÇÃO EMBASA (E VALIDA) O TRABALHO DA SINGUÊ

Eliezer afirma que a capacidade de ouvir e desenvolver ações com as empresas, ou seja, cocriar as soluções, é uma característica reconhecida da Singuê e valorizada pelo mercado. 

“Alguns clientes falam ‘vocês não chegam com soluções prontas, vocês chegam para ouvir e entender o que a gente tem de desafio e propor uma construção de solução’. Isso valida muito o nosso trabalho” 

Os valores cobrados por cada serviço estão alinhados, segundo eles, com o custo médio de consultorias em Recursos Humanos. 

“Tomamos cuidado para garantir que as entregas de diversidade e inclusão sejam tão respeitadas e tão bem pagas como outras entregas de desenvolvimento de pessoas”, explica Talita. 

TORNAR AS EMPRESAS MAIS INCLUSIVAS É CRUCIAL PARA DRIBLAR O APAGÃO DE MÃO DE OBRA

Com a demanda crescente, a Singuê teve de reforçar o time. Recentemente, foram contratadas duas funcionárias: a gerente de projetos Wany Damas e a designer Cinthia Godoy.

O time cresceu: ao fundo, de pé, a gerente de projetos Wany Damas (à esq.) e a designer Cinthia Godoy, com Eliezer e Talita à frente (foto: Nathali Motta).

A equipe tem se debruçado para entender qual será o modelo de crescimento da empresa. A proposta é seguir trabalhando com empresas que já entendem a importância dos temas de diversidade, equidade e inclusão. Segundo Eliezer:

“Quando a alta liderança não está convencida, a gente evita. Essa é uma dificuldade para crescermos, porque não queremos trabalhar com convencimento.”

Tornar as empresas mais abertas pode ajudar o mercado de tecnologia a superar o apagão de mão de obra especializada. 

“As pessoas dessa geração querem trabalhar em empresas inclusivas, onde todos se sintam valorizados e respeitados. Se você não abraça uma agenda que é importante para essa mão de obra, você não vai contar com essas pessoas”

A inclusão é boa para os negócios e, antes de tudo, é um imperativo moral: promover pessoas de grupos diversos é o certo a ser feito.

DRAFT CARD

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  • Projeto: Singuê
  • O que faz: Consultoria em estratégia e desenvolvimento de programas de diversidade, equidade e inclusão
  • Sócio(s): Talita Matos e Eliezer Leal
  • Funcionários: 2 (além dos sócios)
  • Sede: Florianópolis
  • Início das atividades: 2021 (maio)
  • Faturamento: R$ 1,6 milhão (previsão para 2022)
  • Contato: [email protected]
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