Quem poderia imaginar que o terreno de uma antiga metalúrgica poderia um dia abrigar um polo de vendas de plantas nativas e paisagismo sustentável?
Batizado de Pátio Caeté, o projeto responsável por essa guinada verde funciona desde fins de 2020 na Vila Leopoldina, Zona Oeste de São Paulo, em um espaço pertencente à Votorantim, holding com negócios em segmentos como construção civil, alumínio, energia, mineração e serviços financeiros (através do banco BV).
Trata-se de uma parceria entre a Giovanna Paisagismo, que está há 30 anos nesse mercado em São Paulo, e a Reservas Votorantim, empresa do grupo que administra o Legado das Águas, reserva privada de Mata Atlântica com 31 mil hectares no Vale do Ribeira, interior paulista.
Pelo acordo, a Reservas Votorantim é dona da marca Pátio Caeté e a Giovanna Paisagismo, responsável pela curadoria de plantas e operação do espaço, que atende desde grandes empreendimentos imobiliários até pessoas físicas querendo comprar plantas avulsas para embelezar a casa.
Jornalista de formação, Regina de Lucca, sócia da Giovanna Paisagismo, atua como paisagista desde a década de 1980. Sua especialidade é a manutenção de jardins de empreendimentos como o Hotel Renaissance e o Hospital Oswaldo Cruz, ambos em São Paulo.
O Legado das Águas, explica Regina, tinha a necessidade da logística e de comercializar as plantas que produz – enquanto a Giovanna Paisagismo detinha a expertise de cuidado e manutenção das espécies.
“Juntos, levantamos a bandeira de fomentar um paisagismo sustentável, trazendo benefícios para a cidade como um todo – tanto pela atração da avifauna nativa quanto pelo bom desenvolvimento e baixa necessidade de manutenção dessas plantas”
Segundo Regina, essa parceria começou com a Giovanna Paisagismo cuidando das plantas que saíam do Legado das Águas para o Projeto Pomar, de revitalização da Marginal Pinheiros. Um galpão pertencente à Votorantim era usado de maneira informal como depósito para as plantas desse projeto. Recauchutado (o grupo investiu na reforma cerca de 100 mil reais), o espaço passou a abrigar o Pátio Caeté.
Ao todo, 35 pessoas trabalham lá, incluindo um time de 27 jardineiros; o resto se divide entre RH, comercial e marketing. Regina administra a operação e executa os projetos. “A gente [Giovanna Paisagismo e Votorantim] só não compartilha mão de obra, mas tudo que envolve venda de plantas — quer seja projeto pequeno ou grande — é compartilhado.”
As mudas à venda no local custam a partir de 15 reais. Entre as espécies mais populares estão carqueja (Baccharis Trimmera), orelha-de-onça (Tibouchina heteromalla) e caliandras (Calliandra tweedi).
Caeté, em tupi-guarani, significa “mata verdadeira”. A ideia do Pátio Caeté é ajudar a trazer mais plantas nativas para a vida dos paulistanos, seja em casa, clubes, condomínios ou praças.
A maioria das plantas comercializadas vem do Centro de Biodiversidade do Legado das Águas, que desenvolve pesquisa e produção de mudas a partir de matrizes vindas da floresta. E não só mudas de árvores, mas também de arbustos, capins, bromélias e trepadeiras.
Para completar o mix oferecido aos clientes, Regina faz uma curadoria de plantas de outros biomas brasileiros:
“Procuro por todos os biomas os produtores de plantas nativas que são legalizados, com garantia de origem, que produzem através de semente e com autorização legal para fazer o manejo de mata, quando são usadas plantas extraídas de matas nativas para criar matrizes de reprodução”
Criar esse mix de plantas nativas da Mata Atlântica – bioma predominante na capital paulista – com outros biomas brasileiros torna o Pátio Caeté mais interessante para os paisagistas. É o que explica David Canassa, diretor da Reservas Votorantim:
“O paisagista quer criar – e a gente o estimula a fazer isso a partir de plantas dos nossos biomas. Quando trazemos plantas do Brasil, temos o cuidado de fazer com que estejam bem adaptadas na cidade de São Paulo.”
Esse cuidado, diz Regina, inclui a rustificação, uma aclimatação da planta trazida da mata para o ambiente urbano, onde as condições de umidade e insolação são diferentes – o risco, sem esse processo, seria a planta não se desenvolver.
Em 2021, primeiro ano de operação, o Pátio Caeté desenvolveu duas dezenas de projetos, com escolas, hotéis, empreendimentos e condomínios de alto padrão.
Ela destaca alguns desses projetos. Um deles foi o paisagismo de um empreendimento vizinho: o State, hub de inovação inaugurado em 2019 na Vila Leopoldina (e que foi pauta aqui no Draft). Com 15 metros de pé-direito, o galpão do State também pertence ao Grupo Votorantim e abrigou no passado a Metalúrgica Atlas, fabricante de fornos industriais.
Outro case é o estande do Parque Global, empreendimento da incorporadora Benx na Marginal Pinheiros. O projeto foi idealizado pelo botânico Ricardo Cardim, parceiro do Legado das Águas. São 12 mil m² de paisagismo com 77 espécies de Mata Atlântica.
Nesse primeiro ano de atividade, o faturamento do Pátio Caeté bateu em 500 mil reais. Uma surpresa, segundo David:
“A gente apostava que neste primeiro ano não estaríamos superavitários e iríamos apenas ‘criar conceito’… Nos enganamos, felizmente! Em um ano tão complexo, com todos os desafios sanitários, conseguimos levar inúmeros paisagistas novos até o Pátio Caeté”
Segundo ele, a demanda por plantas nativas vem crescendo há cinco anos, impulsionada pelos selos dados a construções sustentáveis, que valorizam um paisagismo com plantas nativas do bioma onde se localiza a edificação.
O Legado das Águas, que começou produzindo mudas para reflorestamento, percebeu que havia um potencial no mercado – e que explorá-lo poderia ser parte dos negócios da Reservas Votorantim, ajudando a manter a floresta de pé.
Hoje, a capacidade de produção anual do Centro de Biodiversidade está em torno de 180 mil plantas. A meta, porém, é triplicar esse número ao longo de 2022 para dar conta dos novos contratos – entre eles, a execução do paisagismo do empreendimento O Parque, da construtora Gamaro, totalmente com plantas nativas.
Esse incremento inclui aumentar a produção das espécies atuais e desenvolver mudas de novas espécies com potencial paisagístico.
“Conforme as construtoras, empreendedores e incorporadores entendem essa dinâmica e essa valorização do projeto deles em relação ao uso da vegetação nativa, a demanda aumenta. Estamos nos preparando para atender essa demanda”
Daqui pra frente, diz Regina, os planos incluem aumentar o espaço físico (dos atuais 6 mil m² para 10 mil m²), implantar um projeto social, criar uma escola de educação socioambiental para crianças e jovens do entorno e transformar o Pátio Caeté em um espaço que promova cursos, palestras e feiras.
David reforça essa vocação. Segundo ele, o sonho é tornar o Pátio Caeté um espaço público de eventos que promova discussões para repensar a cidade.
“Queremos criar um local onde seja possível fazer diálogos estruturados com a sociedade”, diz o diretor da Reservas Votorantim. “Através disso, o Pátio vai crescer, as pessoas vão conhecer a importância de trazer a vegetação nativa de volta às cidades… E assim vamos ajudar a tornar São Paulo um pouco menos árida.”
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