“As melhores coisas da vida não são coisas”, bem disse o humorista norte-americano Art Buchwald. Mas, vá lá, também existem aquelas que ajudam a resgatar boas experiências, como um perfume que lembra um parente querido, um tempero que remete a uma viagem marcante ou um bombom que traz o sabor de dias mais alegres. Foi a partir de um hábito popular que anda esquecido nas cidades grandes que a fabricante de snacks Energia da Terra chegou a uma dessas coisas que mexem direto com as emoções: chupar cana. Ernest Saraiva Petty, 48, diretor executivo e sócio da empresa de alimentos minimamente processados fala a respeito:
“Quando alguém coloca um pedaço de cana-de-açúcar na boca, é impressionante: o primeiro reflexo dessa pessoa é sorrir”
Ele continua: “É porque é doce e as pessoas se lembram de momentos bons da vida, de relaxamento, de férias com pessoas mais velhas, queridas”. Com a convicção de que, mais que nutrientes e calorias, há também histórias contidas em pequenas porções de cana-de-açúcar descascada, Ernest e outros dois sócios lançaram, no final de 2015, a marca Cana Bacana. O carro chefe é o snack em que produto vem embalado a vácuo, in natura e pronto para consumo (sem necessidade de refrigeração).
Engenheiro agrônomo graduado na ESALQ/USP, Ernest havia enveredado para o setor de bares e restaurantes desde o início dos anos 2000. Era sócio de algumas casas noturnas na noite paulistana, quando um evento ocorrido em 2013 o incentivou a buscar outros rumos. O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS), tragédia que provocou a morte de centenas de jovens, levou o empresário a rever sua atuação profissional — ainda que seus estabelecimentos estivessem em conformidade com a regulamentação sobre segurança, diz.
DA CIDADE DE VOLTA PARA A ROÇA
Desfeito de suas sociedades e disposto a concentrar energia em um novo negócio, Ernest marcou um almoço com um amigo e um primo, seu xará e também engenheiro agrônomo pela ESALQ/USP Ernest Sícoli Petty, 50. Foi o amigo (e hoje sócio), Ricardo Cotrim, 45, economista atuante no setor sucroalcoleiro, quem os incentivou a pensar na cana-de-açúcar in natura como um produto inovador no mercado de varejo de alimentos. O raciocínio fez sentido para Ernest:
“É fácil tomar caldo de cana em qualquer feira de rua, mas não se encontra o produto no mercado, muito menos a cana in natura. É o que oferecemos”
Com a ideia, o trio começou a visitar fornecedores de cana em várias regiões, especialmente no Sudeste, onde a produção ainda está concentrada. Encontraram em Jambeiro e Caçapava (SP), no Vale do Paraíba, a melhor fonte do insumo, uma vez que existem muitas variedades do vegetal, cada uma voltada a uma finalidade: umas servem para produção de etanol, outras, para cachaça, para açúcar e, finalmente, algumas caem bem para a garapa e o consumo direto.
Após quase um ano de desenvolvimento do produto, incluindo a fase de testes de laboratório (para estipular o prazo de validade, por exemplo), a definição da marca Cana Bacana, a elaboração de embalagem e a aquisição de infraestrutura — tudo isso já com o CNPJ aberto e o investimento de 400 mil reais —, os três iniciaram a produção dos snacks. “A gente sabia que não existia um produto assim no mercado. Tínhamos certeza de que a cana era consumida como hábito popular, mas não como cultura alimentar, então, foi preciso entender como colocar isso no varejo”, fala Ernest.
COMO VENDER CANA-DE-AÇÚCAR EM GÔNDOLAS?
Começaram um novo período de testes para entender como introduzir o produto em meio à variedade disponível nas gôndolas. “Todo mundo adora a cana-de-açúcar, mas ninguém está acostumado a vê-la no supermercado. Onde ela seria exposta? Se consideramos que se trata de um alimento descascado, pronto para consumo, o melhor lugar é junto com frutas, verduras e legumes”, diz o empreendedor.
O produto já chegou na praça com uma boa competitividade, em matéria de durabilidade, pois, enquanto um tomate ou um abacate duram quatro dias na prateleira, a cana a vácuo pode ficar até 60 dias à espera de comprador. O Empório Santa Luzia, na capital paulista, foi o primeiro ponto de venda da Cana Bacana, à época, já disponível nos sabores natural, limão e abacaxi. Em três meses de estudo de campo, foi possível entender o posicionamento, o preço (média de 3,50 reais por pacote de 60g), a disposição, a reposição, colocando as engrenagens realmente para rodar.
Com essa primeira experiência, os sócios decidiram fazer uma rodada de investimentos para captar recursos e, em cerca de 30 dias, receberam dois aportes que possibilitariam vôos mais altos, aumentando a produção para prospectar e passar a atender outros pontos de venda, principalmente empórios paulistanos. Chegaram a cerca de 30 lojas, em pouco tempo, ao passo que fechavam uma parceria estratégica para uso da marca Turma da Mônica em uma linha com apelo infantil.
O produto, segundo Ernest, começava a ocupar seu espaço e se descobria inventando um novo tipo de “mercado da saudade”, aquele que leva a brasileiros que vivem no exterior alguns itens tipicamente nacionais, como farinha de mandioca, rapadura, goiabada, pão de queijo, azeite de dendê e outros que fazem falta a quem está longe da terra natal.
TER APENAS UM PRODUTO É BOM, MAS É POUCO PARA GANHAR ESCALA
Bem encaixados, mas em um recorte limitado de estabelecimentos de pequeno porte, os sócios passaram a buscar formas de escalar o negócio e procuraram uma consultoria para ajudar na definição da estratégia de crescimento. Assim, no final de 2017, após um processo de “revisão do DNA”, que levou 90 dias, a Malagueta Group apresentou aos sócios o novo posicionamento e a nova cara da marca. O trabalho rendeu participação acionária à Malagueta, que resolveu também investir diretamente na empresa.
Para conquistar grandes redes de varejo, era necessário diversificar as opções de produtos, os chamados SKU (do inglês, Stock Keeping Unit, ou Unidade de Controle de Estoque). “Estrategicamente, para entrar no varejo, não é bom ter uma quantidade pequena de SKUs, ainda mais um SKU que depende de uma mudança de hábito”, afirma Renata Porto, 42, sócia da Malagueta Group, condutora do processo que culminou na ampliação do portfólio de produtos e na consequente mudança da marca.
Já com abertura em redes como Carrefour, Pão de Açúcar, Walmart, Zaffari e St Marche, passaram a oferecer outras opções de snacks, atendendo também uma tendência do consumidor de variar o “lanchinho da tarde”, no trabalho, na escola ou na academia, para além das barras de cereais e salgadinhos.
Tomate cereja desidratado, damasco seco, semente de abóbora, banana chips, castanha do pará e milho torrado vieram compor a família de produtos, levando os empreendedores a assumir como marca o nome que já era razão social da empresa no papel: Energia da Terra.
Com a nova identidade visual inspirada na tabela periódica, a marca pretende levar os nutrientes mais básicos diretamente da terra para as mãos do consumidor. A capacidade de produção mensal atual, de forma artesanal, por quatro funcionários, é de 10 mil unidades de pacotes de 60g de cana-de-açúcar. Em desenvolvimento há pouco mais de um ano, um novo maquinário poderá elevar esse volume para 100 mil unidades por mês, até o final deste ano. Adquirido em comodato junto a um fabricante de Minas Gerais, o equipamento foi criado sob medida para cortar pedaços de cana em pelo menos três tamanhos: 4, 8 e 12 cm de comprimento. Quando estiver operando, diz Ernest, vai render um percentual da produção para o fabricante, que ficará responsável pela manutenção do maquinário.
MAIS DO QUE UM SNACK: UMA ALTERNATIVA AO PLÁSTICO E, QUIÇÁ, UM “REMÉDIO”
Os tamanhos maiores de cana estão disponíveis desde o início de 2017, mas ganharam impulso, em agosto deste ano, com outro uso diferenciado do material: mexedores de bebidas, cafés e drinks. “Estamos recebendo muita procura por mexedores, tanto de bares como de empresas que querem substituir os itens de plástico de sua lista de compras”, conta Ernest.
Ele credita parte do aumento na procura por esse SKU à onda anti-plástico, principalmente anti-canudo-plástico. O item não serve como canudo, mas cumpre a função de mexedor e, de acordo com os sócios, agrega, ainda, uma dimensão diferente no saboreio das bebidas, especialmente caipirinhas.
Com faturamento de 250 mil reais, em 2017, e estimados 400 mil, para este ano, Ernest e os sócios investiram cerca de 1 milhão de reais para chegar a este ponto. Nos próximos meses, além de buscar mudar a produção para um local mais próximo do fornecedor principal, no Vale do Paraíba, projetam incorporar novos snacks ao portfólio. São eles: castanha de caju, grão de bico e semente de baru.
“Temos também o que chamamos de ‘sonho grande’, que é transformar a cana-de-açúcar em um vetor para fármacos e nutrientes, auxiliando no combate à insegurança alimentar em regiões vulneráveis”, fala Ernest, mirando o futuro. Um passo de cada vez, ligando passado e futuro, a cana vai saindo da roça para conquistar seu espaço na cidade.
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