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“Só percebemos o impacto de viver num ritmo tão acelerado, no ‘piloto automático’, quando o corpo grita por socorro. Mas não precisa ser assim”

Thais Requito - 27 dez 2024
A consultora Thais Requito, especialista em mindfulness e produtividade sustentável.
Thais Requito - 27 dez 2024
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Há dez anos, a minha vida mudou para sempre. Mas eu não podia adivinhar o que estava por vir quando acordei naquela segunda-feira. 

Tudo parecia normal, exceto o meu corpo, que não parecia interessado em acompanhar a velocidade da minha mente. Avisei no trabalho que chegaria atrasada, na esperança de que em algumas horas eu estivesse de volta ao meu ritmo frenético usual.

Aos poucos, os sintomas foram ficando mais evidentes: meu coração batia forte e acelerado, minhas mãos suavam e tremiam, minha boca estava seca, me sentia zonza e mil assuntos passavam por minuto pela minha cabeça

Estava claro que eu não iria ao escritório naquele dia… o lugar certo para uma pessoa naquele estado era o hospital. Então, lá fui eu, com a certeza de que estava prestes a ter um infarto.

O médico foi categórico: “Você não está morrendo do coração, você está tendo uma crise de ansiedade”. Crise de ansiedade? Impossível, eu pensei. O médico tinha que estar errado.

Eu era vegetariana, meditadora, Yogi, voluntária de ONG, participava de retiros, lia sobre autoconhecimento, fazia cursos de Ayurveda, me tratava com homeopatia e até pra Índia eu tinha ido em busca de transcendência. Eu fazia “tudo certo”.

A VIRADA DE CHAVE

Eu tinha acabado de alcançar o maior marco da minha vida profissional: o prêmio Circle of Excellence, da Microsoft. Depois de oito anos de dedicação intensa, semanas antes, finalmente o reconhecimento que sonhava tinha se concretizado. 

Como eu iria explicar para os meus colegas, clientes, amigos e familiares que eu – a perfeitinha, que tinha respostas para tudo – estava completamente fora de controle e tomando remédios de tarja preta para conseguir funcionar?

Naquela época, teria doído menos ter recebido um diagnóstico de uma doença física terrível do que uma recomendação de afastamento do trabalho para me tratar de um burnout

Eu queria uma “pílula mágica” que pudesse devolver a minha vida de volta. Mas os médicos me diziam: “Deixe a pressa e os cronogramas de lado. No que diz respeito à sua saúde, procure viver um dia por vez”.

Foi um período sombrio e assustador. Eu estava tão desequilibrada, que sentia medo de tudo: janelas, facas, multidões. Não passava um minuto sozinha, não dirigia, nem conseguia imaginar como poderia voltar ao trabalho. Mas o maior medo era nunca mais ser “normal”

Até aquele momento, eu tinha sido (ou pelo menos tentava ser) a melhor em tudo. Meu nível de expectativa comigo mesma era altíssimo. Eu não me permitia parar nunca e me orgulhava de ser “a” Head de Projetos Customizados “da” Microsoft.

Liderava iniciativas importantes e gerava mais resultados do que os meus pares. Vivia acelerada, resolvendo os problemas de todos à minha volta, focada nas metas que queria alcançar – e aguardava, pacientemente, pelo dia em que finalmente poderia desfrutar dos resultados do meu envolvimento e dedicação.

Por isso, até o meu tratamento virou uma espécie de projeto. Mergulhei numa pesquisa desesperada por qualquer recurso que pudesse me ajudar a recuperar o equilíbrio e a alta performance 

Tentei de tudo: acupuntura, atividade física, visualizações, suplementos, mais yoga, mais comida natureba, detox, terapias… E foi nesse processo que conheci algo que realmente mudaria tudo: mindfulness.

NOVAS DESCOBERTAS

Se você nunca ouviu (ou leu) essa palavra, não se preocupe: é mais simples do que parece. 

Mindfulness é um estado mental de consciência plena; em outras palavras, é o que acontece quando você presta atenção, de forma intencional, na sua experiência, de forma curiosa, interessada e gentil. 

É comer, caminhar, conversar, trabalhar, consciente de tudo o que aquela atividade envolve. Dentro e fora de você

Algo natural para nós, humanos (basta ver uma criança fascinada com uma fila de formiguinhas carregando suas folhas para comprovar), mas que, com o passar dos anos – e o excesso de estímulos –, vai sendo substituído pela distração constante e pela atenção fragmentada… 

Thais Requito.

Por isso, há treinamentos (sérios, baseados em evidências!) que nos ajudam a fortalecer essa capacidade. Mais ou menos como treinar na academia para fortalecer os músculos.

Lá fui eu, então, curiosa – e desesperada – participar de um curso de mindfulness. No começo, fazia as práticas com os olhos abertos e muita dificuldade, porque as crises de ansiedade eram tão potentes e os sintomas tão desagradáveis, que prestar atenção naquilo tudo quase parecia uma tortura. 

Mas com o passar das (oito) semanas, fui compreendendo profundamente a relação dos pensamentos catastróficos que eu tinha com o medo e a ansiedade avassaladores que eu sentia – e com os sintomas físicos que surgiam a seguir

Aos poucos, comecei a observar esses fenômenos como passageiros, como representações do meu “clima” interno. Enquanto a minha capacidade de concentração aumentava, meus sintomas físicos perdiam intensidade, meu sono melhorava e passei a me sentir mais confiante e segura.

Voltei ao trabalho, aos poucos, e contei com a solidariedade dos meus líderes e colegas, que permitiram que eu respeitasse o meu tempo e os meus (novos) limites.

OS BENEFÍCIOS DO MINDFULNESS NA MINHA VIDA

Muitas pessoas passaram a desabafar comigo sobre questões parecidas que tinham vivido. E eu quase não podia acreditar que tantos profissionais estivessem sendo medicados para ansiedade, depressão, insônia (e outras questões de saúde relacionadas ao estresse extremo) sem que esses assuntos estivessem sendo tratados com enorme importância dentro das empresas.

Por isso, decidi que precisava fazer algo a respeito. Um ano depois dessa crise aguda, me demiti da Microsoft e me mudei para a Inglaterra, para estudar no Centro de Mindfulness da Universidade de Oxford 

Meu objetivo era aprender com os profissionais mais renomados do mundo e me equipar para apoiar pessoas que estivessem sofrendo como eu sofri.

Minha missão de vida passou a ser disseminar conteúdos e práticas simples, baseados em ciência, para promover bem-estar e produtividade sustentáveis e, assim, contribuir para um mundo mais justo, sustentável e pacífico. 

Me sinto feliz e honrada em dizer que, ao longo dos últimos dez anos, milhares de pessoas passaram por palestras, workshops e cursos que conduzi, dentro e fora de empresas, e aprenderam como transformar a maneira como se relacionam com a vida e consigo mesmas

Vivemos em um ritmo tão acelerado que só percebemos o impacto que estar no piloto automático tem sobre nós quando o corpo grita por socorro – como aconteceu comigo. Mas não precisa ser assim. 

Mindfulness vai muito além de pausar ou meditar: nos ensina a agir com mais clareza, tomar decisões melhores e a viver com mais equilíbrio. Não apenas no trabalho, mas em todos os aspectos da vida.

APOIAR E RECEBER APOIO

No ritmo frenético em que vivemos, aprender a pausar, observar e escolher com sabedoria é mais do que uma habilidade – é uma necessidade. 

A prática de mindfulness nos ensina exatamente isso: criar espaço para agir com sabedoria, em vez de reagir automaticamente 

No ambiente corporativo, essa prática é ainda mais poderosa, promovendo uma comunicação mais clara, resiliência emocional e colaboração genuína – elementos que sustentam não apenas os resultados, mas a saúde e o bem-estar das pessoas. 

Mindfulness não é uma solução mágica, mas é um recurso acessível e profundamente transformador. Quando usamos a atenção de forma intencional, moldamos nossas experiências e nos aproximamos do que realmente importa.

A forma como prestamos atenção (e no que prestamos atenção) pode moldar a nossa experiência – e a soma das nossas experiências pode moldar a nossa vida 

A atenção é um recurso precioso e limitado. Por isso é tão importante empregá-la com consciência, intencionalidade e sabedoria, dentro e fora do trabalho, para viver com equilíbrio, plenitude e saúde.

 

Thais Requito é consultora, especialista em mindfulness e produtividade sustentável, formada pelo Centro de Mindfulness da Universidade de Oxford, com mais de 15 anos de experiência corporativa (incluindo oito anos na Microsoft).

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