“Só transformando a si mesmo você pode propor a transformação de alguma outra coisa”

Adilson Batista - 21 dez 2018
Adilson Batista conta a sua trajetória, de garoto pobre da periferia paulistana às maiores agências do país, passando por falências e transformações, até enfim encontrar um propósito para a sua carreira.
Adilson Batista - 21 dez 2018
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por Adilson Batista

Faz dois anos e meio que defini um propósito para a minha carreira: ajudar a transformar os serviços ruins prestados por empresas brasileiras em experiências memoráveis para as pessoas. Tenho 42 anos, só consegui definir essa missão pessoal aos 40. Demorei 24 anos para chegar nesse ponto.

A minha trajetória profissional começou quando eu tinha 16 anos, quase 17. Nasci em uma família humilde da periferia de São Paulo, com pais semianalfabetos e muito religiosos. Sou o irmão mais velho entre cinco. São três irmãs e um irmão. Meu pai, que hoje está aposentado, era encanador e a minha mãe sempre foi “do lar”.  Morávamos em um conjunto habitacional de um dos bairros mais violentos da Zona Leste de São Paulo à época. Tudo naquele bairro era escasso e muito precário. Conseguir estudar era um luxo. O meu futuro estava predefinido: seria torneiro mecânico (o que os garotos da região que venciam na vida conseguiam ser) ou encanador, seguindo a referência que tinha em casa.

O importante era ser honesto e trabalhador, como os meus sábios pai e mãe ensinavam. Eu concordava nesses pontos com eles, mas achava pouco. Queria muito mais para o meu futuro.

Fiz o ensino fundamental em escolas públicas muito precárias. Faltavam mesas, cadeiras, giz para quadro negro e o mais importante: professores. Eu aproveitava cada aula que tinha como se fosse a última que ia ter. Para complementar o ensino precário, lia muito. Tudo o que achava pela minha frente; era de jornal, gibis, enciclopédias até revistas velhas, que eu pedia para o meu pai trazer dos descartes dos lugares onde ele trabalhava.

Quando eu tinha de 14 para 15 anos, iniciei o ensino médio em uma escola pública na Vila Mariana, na cidade de São Paulo. Ali eu tinha melhores condições para estudar,  pois pelo menos havia professores. Menos os de Língua Inglesa. Nossa, sempre quis aprender inglês, mas era difícil ter professor em escola pública que ensinasse. Estudava pela manhã e fazia bicos para ganhar um dinheiro à tarde até que, com 16 anos, quase 17,  no último ano do ensino médio, arrumei um emprego de office boy em período integral e mudei meu turno escolar para a noite.

Esse foi o momento que minha vida se transformou pela primeira vez.

Comecei como office boy mas fiquei apenas um mês na função. A empresa era uma assistência técnica de informática e montava microcomputadores com partes e peças importadas da China.  Pouco tempo antes de eu começar a trabalhar lá, o governo tinha acabado com as regras de reserva de mercado do setor. Era, portanto, um segmento que prometia crescer rapidamente.

Quase sem perceber, eu já estava montando micros e meu envolvimento com o mundo da informática tornou-se uma grande paixão

Passei a estudar tudo que conseguia sobre o universo de hardware e microeletrônica, até o ponto que — de forma autodidata — aprendi a hackear o que fazia, chegando a criar micros customizados com a marca da empresa.  O meu chefe, que era engenheiro eletrônico, ficava impressionado como eu aprendia rápido e ele me dava, cada vez mais, novos desafios.

Um dia fui surpreendido com a seguinte frase dele: “Adilson, quer desafio de verdade? Isso que você fez até aqui foi apenas um treino. Abra aquela porta!” Era a porta de uma sala grande de reunião da empresa e lá dentro havia uma mesa repleta de equipamentos que eu nunca tinha visto antes. Ele prosseguiu: “Esses equipamentos serão o futuro da informática. Preciso que você os estude e aprenda tudo porque eu quero vender essa marca. Conto com você.” 

O meu coração ficou muito acelerado e as minhas mãos ficaram geladas. Eu não tinha a menor noção o que eram aquelas caixas e o meu chefe ainda fez questão de dizer que não me ajudaria em nada, porque ele também não sabia direito como fazer aquelas coisas funcionarem.

Nas caixas havia equipamentos de uma marca chinesa desconhecida por todos no Brasil até aquele momento, chamada D-Link. Eram hubs, switches, roteadores, placas de rede e adaptadores para ligar microcomputadores em rede que o meu chefe havia acabado de importar. Os manuais estavam em chinês e inglês e eu não sabia como decifrá-los. Peguei o ônibus para casa ao final do dia e uma lágrima escorreu no rosto. Era raiva de não saber inglês.

Fiquei alguns dias com muita raiva de onde eu tinha nascido e da ausência de uma educação de base que me ajudasse naquele desafio

Tomei a decisão mais importante da minha vida: vou estudar e aprender tudo por conta própria. Eu disse a mim mesmo: eu vou conseguir, vou transformar a minha vida!

Comprei um dicionário de inglês, tirei fotocópias de todos os manuais e devorei cada palavra. Cada significado. Testava os equipamentos a medida que eu decifrava as palavras, uma a uma. Em cada etapa de teste eu aprendia um pouco mais e melhorava o meu conhecimento gradativamente, passando a dominar o significado daquelas instruções. Aprendi inglês na raça, aprendi a programar em linguagem de máquina e dominei cada um daqueles equipamentos. Com isso, ajudei a empresa a virar a distribuidora nacional da marca D-Link e em pouco tempo ela já tinha 400 revendedores.

Gostei de me desafiar. Passei a estudar programação, sistemas de redes, protocolo TCP/IP e uma infinidades de coisas tecnológicas. Aos 17 anos e meio me tornei um engenheiro de redes certificado pela empresa Novell, de Utah, dos Estados Unidos. Viajei para vários lugares do Brasil ensinando as pessoas a fazerem projetos de redes. Fui chamado por grandes empresas para montar projetos sofisticados para aquela época.

Aos 18 anos eu estava no auge. Era chamado de “golden boy” pelo meu chefe, ganhava 4.500 dólares por mês (uma fortuna para a minha idade) e gerenciava uma equipe com oito pessoas. Conciliava tudo isso com o cursinho pré-vestibular, pois sonhava entrar na USP. Não deu, entrei na PUC em Economia. A minha carreira estava “bombando”. Naquele momento, era 1994, eu tomei conhecimento de uma coisa incrível: uma tal de internet. Fiz o primeiro site da minha carreira, junto com meu primo, nesse ano.

Fiquei na Economia da PUC por apenas seis meses. O curso não estava me agregando naquele momento. Decidi focar nos estudos de tecnologia por conta própria e pouco tempo depois, com 19 anos e meio, eu saí da distribuidora de informática e decidi montar a minha primeira empresa.

Me achava invencível naquela época. Montei a empresa, ela cresceu um pouco e, depois de um ano, quebrou. Quebrei junto. 

Não tinha dinheiro para comprar um hot dog. Senti o golpe. Naquele momento, cheguei a pensar que quebrar era um ensinamento que Deus estava me dando pois eu deveria ter me conformado em ser torneiro mecânico e trabalhar no ABC Paulista com carteira assinada.

Passado o luto da culpa, sacudi a poeira e foquei em reerguer a empresa. Vendia hardware e fazia homepages para empresas ao mesmo tempo. Tive ajuda de um amigo da área financeira para dar a volta por cima. Com a empresa recuperada e depois de ter feito alguns sites junto com o meu irmão Adhemas Batista, decidi que era a hora de viver de internet.

Apesar de nesse intervalo eu ter entrado novamente na faculdade, agora para estudar Marketing, não cheguei a terminar o curso. Todo o conteúdo que eu aprendia lá parecia velho para mim. Tempos depois achei o primeiro curso livre de Marketing Interativo, na ESPM, e me matriculei. Foi ótimo. Alguns dos amigos que fiz no curso vieram a ser pioneiros do mercado de internet no Brasil.

Já em 1999, junto com o meu irmão e minha noiva na época, abrimos a Popup Interactive, uma agência de marketing digital. Crescemos, ganhamos projetos de empresas grandes como o Banco Itaú e em 2002 fomos incorporados pela Tesla, uma das primeiras empresas focadas na economia pontocom brasileira. Os desafios para mim tornaram-se enormes. Tinha 26 anos, recém-casado, estava trabalhando em uma empresa icônica da internet e atuando em projetos de grande porte para as maiores empresas do Brasil.

Percebi que precisava estudar numa velocidade muito maior do que eu já costumeiramente fazia. Sei lá o porquê, tinha entrado na faculdade de Relações Internacionais na Unibero. Fiz quase três anos do curso mas não terminei. Na paralela, devorava textos de sites, livros, artigos, seminários e cursos de todo tipo. De antropologia à engenharia de software. Aprendi gestão de projetos, arquitetura de informação, usabilidade, marketing, programação, gestão de banco de dados e uma grande diversidade de assuntos.

A certeza que eu tinha (e continuo tendo) era que o ato de estudar muito era a única ferramenta que eu possuía para evoluir profissionalmente

Em 2006, com 30 anos, fui contratado pela Wunderman (uma agência de marketing direto) com a missão de promover a digitalização da empresa. Foi o momento mais insano da minha trajetória profissional. Eu trabalhava 16 horas por dia em média e não descansava. A agência virou uma potência e eu quase morri. De verdade. Fui internado duas vezes e descobri que o estresse e o volume de trabalho estavam destruindo meu corpo. Desenvolvi uma neuropatia (que tomo remédios até hoje para controlar), além de uma enxaqueca crônica que levou seis anos para ser controlada.

Depois de uma breve passagem pela Y&R (a maior agência de propaganda da época), no final de 2009, decidi transformar novamente a minha carreira. Abandonei o mundo corporativo e comecei a empreender novamente, com a premissa de que precisava ter e promover qualidade de vida. Tinha um frio na barriga mas também a certeza de que havia acumulado experiências suficientes para me virar. Montei o que chamei de a primeira consultoria de estratégia digital do Brasil e dei o nome para ela de ADBAT (de Adilson Batista). Comecei absolutamente do zero, num quarto do meu apartamento. Fui ganhando projetos, clientes, funcionários e crescemos. No segundo semestre de 2011 promovemos a fusão da ADBAT com a Tesla (aquela mesma que trabalhei lá atrás), resultando numa agência digital de porte médio com o nome de ADBAT/TESLA. Eu não achava suficiente que fossemos apenas uma agência digital, eu queria mais. Queria que fosse uma agência integrada e colocar filmes na TV Globo. Virou a minha meta.

Em 2013, dividimos a empresa em 2 partes, elas passaram a se chamar Tesla e Today, respectivamente. A Tesla voltou para sua vocação original de fazer sites e a Today posicionou-se como uma agência de comunicação integrada. Em 2014 fizemos o primeiro filme de um cliente que foi para a  TV Globo e isso foi marcante para mim. Mais um feito na minha trajetória.

No segundo semestre de 2015 a crise bateu na nossa porta. Os números estavam fazendo a empresa balançar e em 2016 eu pensei em fechá-la. Preferi focar meus pensamentos em encontrar caminhos novos e, em função disso, me matriculei em um curso extensivo de Design Thinking porque queria aprender como redesenhar o modelo de negócios da agência. Depois fiz também um curso de Business Design e, com esses conhecimentos e muito trabalho de várias pessoas envolvidas, redefinimos a Today completamente. Passamos a ter um modelo híbrido entre consultoria e agência e, recentemente, adotamos um novo posicionamento: Today, a agência que transforma.

A transformação digital é uma tendência em pleno curso, gerando muitos impactos na sociedade. Entendo que antes de propor para os meus clientes que eles se transformem, eu e a minha empresa precisamos comprovar a nossa experiência no assunto de transformação.

Aprendi que empresas não se transformam, pessoas sim. Nós temos que nos transformar antes de propor a transformação de qualquer coisa

 Faz alguns meses que entrei no curso de Service Design do IED (Instituto Europeo di Design) e sei que tenho que estudar muito para, daqui a alguns anos, ser capaz de propor a transformação de serviços ruins prestados por empresas brasileiras em experiências memoráveis para as pessoas. Vou continuar me transformando para chegar lá. É a minha nova meta.

 

 

Adilson Batista, 42, é publicitário, fundador e diretor de estratégia da Today. Tem 23 anos de experiência no mercado digital brasileiro. Estuda profundamente Design Thinking e técnicas de Design de Serviços. 

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