“Somos acumuladores de trabalho. Viciados no excesso. Já parou para pensar nisso?”

Marcello Sampaio - 24 mar 2017
Marcello Sampaio desenvolve sua tese sobre o trabalho: Estamos usando a tecnologia de maneira antiquada!
Marcello Sampaio - 24 mar 2017
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por Marcello Sampaio

O que é o sucesso eu não entendo ainda. Sempre entendi que fracasso é não alcançar um objetivo predisposto pela sociedade. Mas o que é sociedade? Estamos falando de quem?

Podemos falar de uma megalópole como a cidade de São Paulo. Esse manicômio. Onde vivemos presos no trânsito. Organizamos nossa vida para o caos. Vivemos como se não houvesse tecnologia. E, nessa era da tecnologia, não temos qualidade de vida. Somos todos primatas. Isso serviu de bordão outrora (adoro falar difícil). Todo o nosso trabalho poderia ser feito de casa, não é mesmo? Precisamos admitir que o uso da inteligência da tecnologia, que deveria nos libertar, muitas vezes serve apenas de acessório para nos escravizar ainda mais.

Vivemos como se fôssemos velhos, ultrapassados, infelizes, vítimas de nossas próprias construções. Antiquados. O que, como diz Mario Sérgio Cortella, nos difere de idosos, que são seres humanos mais abertos ao novo. Que ironia.

É irônico que as gerações passadas trabalhavam tanto e a gente falava sobre isso de outra forma. A gente dizia: nunca na minha vida serei escravo como meu pai. Ficávamos indignados pelo estresse. Pela ausência. Pelas horas que nossos pais passavam trabalhando. (Meu pai trabalhava tanto que era inumano pensar na sua capacidade. E como era antigo com seus três empregos. Tipo o pai do Chris). O louco é que nós, seres humanos filhos do Mr Catra, ainda passamos a maior parte da nossa vida trabalhando. Logo, o que você faz, a sua carreira, tem uma importância enorme e merece muita reflexão.

Não faz muito tempo que o nosso único objetivo era trabalhar, trabalhar, trabalhar. Acumular coisas. Patrimônio, de videocassetes, computadores, rádio-relógios, apartamentos, carros do ano, plano de saúde, educação dos filhos, tamagoshi. Herança. Queríamos envelhecer na riqueza. Tocar piano com os pés igual naquele filme do Tom Hanks. Esperávamos que nossos filhos e os filhos deles se comportassem da mesmíssima forma (inclusive tocando piano no filme do Tom Hanks). Até nos tornarmos reféns do Rivotril, do Amplictil, do Alprazolam.

Somos trabalhadores, feito macacos. Mas o que é trabalho? Quem inventou esse troço?

A palavra trabalho vem do latim tripalium (que rima com Valium – outra ironia), termo formado pela junção dos elementos tri, que obviamente significa “três”, e palum, que quer dizer “madeira”. Tripalium era o nome de um instrumento de tortura constituído de três estacas de madeira bastante afiadas e que era comum em tempos remotos na zoropa. Desse modo, originalmente, “trabalhar” significava “ser torturado”. No sentido original, os escravos e os pobres que não podiam pagar os impostos eram os que sofriam as torturas no tripalium. Assim, quem “trabalhava”, naquele tempo, eram as pessoas destituídas de posses. Exatamente igual a hoje.

E precisamos entender o teletrabalho, o trabalho remoto, pois estamos usando a tecnologia de maneira antiquada. Precisamos repensar a nossa forma de trabalho e dar mais tempo ao ócio (spoiler!). Vamos nos inspirar em Keynes? (West? Não). Então. Vamos. Essa figura exótica, o economista britânico John Maynard Keynes, nos anos 1930 escreveu um ensaio intitulado “As Possibilidades Econômicas dos Nossos Netos” (ou algo do tipo). Entendam a piada. Este rapaz acreditava que em 2030 viveríamos um sistema de quase total “desemprego tecnológico”, no qual teríamos que trabalhar apenas 15 horas por semana (rá), principalmente para não perder a cabeça por causa de tanto lazer. Juro. Parece, mas não é piada.

Continuando. Nosso querido John propunha um pacto com o diabo: se confiássemos bastante na nossa ganância, isso nos salvaria de nós mesmos. Para ilustrar, Keynes fez a observação um tanto antissemita (não sabe o que é antissemita? Nem eu) de que, assim como o Jesus judeu nos deu acesso à vida eterna, os gênios judeus dos juros compostos produziriam abundância suficiente para nos libertar da escravidão salarial. Infelizmente não rolou. Seria uma revolução se todos trabalhássemos 5 horas por dia. Todos teríamos trabalhos nessa escala de 5 horas. É necessidade do capitalismo o trabalho 15 horas por dia. Todos teríamos tempo para o trabalho e para o ócio. Mas o que é ócio, querido Aurélio?

Ócio significa não fazer nada, nadica, niente. Ou podemos dizer que é uma palavra com origem no latim otiu. Ócio representa, por exemplo, uma folga do trabalho, do colégio ou faculdade, um momento de lazer, para aproveitar e descansar. Uma pessoa ociosa é aquela que não está fazendo nada no momento. Também é conhecido como um estado de inércia física ou intelectual, muitas vezes necessária, para aqueles que trabalham muito. Etimologicamente, a palavra negócio indica a “negação do ócio”, ou seja, uma empresa ou algo que ocupa alguém.

O sociólogo italiano Domenico De Masi descreveu o conceito de vida desse que vos escreve. O Ócio Criativo é o título da monografia que revolucionou o conceito de trabalho, dizendo que as pessoas devem incluir, no seu dia a dia um momento para descansar, sim, momentos de lazer, sim, e que devem conciliar isso com o trabalho e a aprendizagem.

Macacos. Entendam. De uma vez por todas. Precisamos desafiar os modelos. Redesenhar as relações de trabalho

Muitos chefes não são eleitos, são pedaços de ditadura. Eles não têm tempo. Não cuidam melhor da família. Invocam colaboração, mas incentivam competição. É quase uma relação BDSM, mas sem o prazer sexual da coisa.

Vivemos a sociedade pós-industrial, mas temos uma mentalidade pré-industrial, mesmo no momento da altermodernidade. Mais uma pergunta no ar. O que é altermodernidade, meu filho? Existe um cara, filho pródigo da arte contemporânea francesa, chamado Nicolas. Nicolas Bourriaud é polivalente, é do tipo que faz malabares, assobia e chupa cana. Ao mesmo tempo. Só que em francês. Simultaneamente curador, crítico de arte, ensaísta. Segundo Nicolas, “alter”significa outro, mas o prefixo evoca igualmente a multitude.

Em política, a alter-globalização é uma constelação de lutas locais que visam combater a homogeneidade mundial. No domínio cultural, “alter-moderno” significa algo semelhante, é como um arquipélago de singularidades conectadas umas às outras.  O “altermoderno” é, para mim, a forma emergente e contemporânea da modernidade, ou seja, a de uma modernidade que corresponde aos desafios do século XXI. Ser moderno, no século XX, correspondia a pensar de acordo com formas ocidentais. Hoje, a nova modernidade produz-se segundo uma negociação planetária.

Somos acumuladores de trabalho. Viciados no excesso. Trabalhamos dias e dias e dias e madrugadas como os chineses da Foxconn. Aliás, você conhece a Foxconn?

As condições de trabalho nessa senzala sempre geraram polêmica. Saca como é nervoso o bagulho. Em 2010, quatorze, QUATORZE, catorze, fourteen, chineses se suicidaram. Tipo: Adiós Bida. A empresa do Terry Gou ficou meio confusa. Meio trit. E aumentou os salários. Foi um fuzuê. Barato mais loko que os fluxos de SP. De tanto que trabalhavam os chinesinhos, coitados. E você, serzinho que me lê neste exato momento. Sempre sonhou ter um produto gerado pelos china. Sabe o quê? – Alô Cristina? – Como vai, Galisteu? – Essa é a Porta dos Desesperados. Se joga no chão. Rááá. Você sempre desejou alguma coisa da Apple. Sim. Vai. Pode assumir. A Foxconn é a principal fabricante do Mac mini, iMac, iPod, iPad e o iPhone da Apple Inc.

Você está entendendo aonde quero chegar? Precisamos que a exaustão do trabalho seja levada a sério. É problemático demais somatizarmos os problemas físicos e psicológicos que o excesso está nos levando. Porque o crescimento disso é infinito.

O lugar do capitalismo deveria ser a redistribuição de riqueza. Mas vivemos um capitalismo doente. Não utilizamos as ferramentas tecnológicas disponíveis para nos liberarmos da fadiga. Sério mesmo, Keynes, que o trabalho de um pintor vai acabar? O traço humano, o erro, o que nos difere dos cupins, não é relevante?

Liberte-se. Um executivo trancado na empresa tem menos ideias e cada vez mais medo do mundo externo. Está enjaulado. Isso me perturba. Isso me sufoca. Eu imploro para que respirem. Atravessem as ruas. Desistam da porcaria das ideias que seus filhos façam o mesmo que vocês. Esqueçam! Seus filhos não querem. Estão desempregados, não querem um apê. Eles precisam de uma viagem para o Marrocos. Desistam dessa condição epidêmica, essa doença altamente contagiosa. Tenham dignidade em vez de subordinação. Desçam de seus pedestais, dessa gestão arcaica e opressiva dos tempos e dos espaços.

Chega dessa chantagem de “ou você age de determinada maneira ou não terá uma boa carreira”. Que carreira? Quem disse que queremos carreira? Nós precisamos ter cuidado em enviar nossos makers para empresas. Ou nos organizemos para que o movimento de makers revolucione as empresas. Precisamos hackear as empresas. Arrancar por escalpe dos empresários a ideia de que o sucesso está atrelado à condição financeira. Isso é alienação. Morrerão do coração, alienados, aposentados, desadaptados da vida privada e família. Vítimas da solidão e do saudosismo.

Tudo que entendi do fracasso, ele é a operação total da minha própria vida. O empoderamento de só trabalhar em boas ideias. Em ideias libertadoras. Em lugares onde o ar (não condicionado) entra pelas narinas

Obviamente. Repito. Obviamente. Precisamos fazer o combinado. Meu avô dizia que o combinado não sai caro. Até porque, imagine o cenário, sua casa está pegando fogo, ele está apagando as chamas e dá a hora de encerrar o trabalho do bombeiro. Ele apaga o fogo dos dois ambientes e deixa os quartos sendo consumidos pelo fogo, porque deu sua hora. Tenham a mínima capacidade de entender que a vida é maior que isso. Que se não trabalha com o que quer. Vai embora. Desiste. Chega. Mas não deixem a casa pegando fogo.

E sinceramente. Repito. Sinceramente. Perguntem-se constantemente: quem vocês querem ser quando se libertarem? Pensem nisso. E respirem profundamente. Há coisas bem maiores que ter o sucesso imposto. Imponham-se para elevar a vida coletiva. E enfrentem o medo aproveitando o gostoso da vida. Senão, qual será a sua obra?

 

Marcello Sampaio, 31, é cineasta, storymaker, story producer e diretor de criação audiovisual. Já atuou na Rede Globo, no Big Brother Brasil e na novela Império. É ator de formação desde 93. Ganhou o prêmio de Melhor Diretor no Festival CINE-PE em Pernambuco em 2016. Também trabalhou como criador de séries para os canais Multishow, GNT, HBO e Canal Brasil. Lançou o canal no Youtube Under Calvin, em fevereiro deste ano.

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