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“Somos cientistas natos ao testar hipóteses desde bebês. Fazemos ciência antes de fazer arte”

Giovanna Riato - 22 out 2018
Detentora de 61 patentes, Jayshree Seth, Chief Science Advocate da 3M, fala dos desafios da área e de como é ser a profissional com o mais alto cargo técnico da companhia no mundo.
Giovanna Riato - 22 out 2018
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Uma mulher, indiana e mãe de dois filhos. Se fosse para chutar, este não seria exatamente o perfil mais óbvio para a engenheira e cientista corporativa da 3M, Jayshree Seth, 50. Ao deixar estereótipos de lado, a verdade é que ela é autora de impressionantes 61 patentes e a profissional com o cargo de maior prestígio para uma área técnica na companhia: foi a primeira pessoa a assumir a posição de Chief Science Advocate, criada em março de 2018. É uma espécie de embaixadora global da ciência da organização, que trabalha com a missão de divulgar a carreira na área e colocar fim ao mito de que este é um assunto para poucos gênios iluminados. Ao que parece, Jayshree é fã de desconstruir clichês.

“Somos todos cientistas natos. Quando bebês estamos sempre tentando descobrir e provar a nossa hipótese, testá-la. Isso é tudo que seres humanos fazem em seu processo evolutivo. Fazemos ciência antes de fazer arte”, disse em entrevista ao Projeto Draft e ao 3M Inovação durante sua primeira visita ao Brasil, no fim de setembro. Com jeito pragmático e bem-humorado, ela é defensora da tese de que boas ideias surgem em lampejos, mas diz que não é mágica e só funciona quando já existe um caminho bem pavimentado para que a tal faísca realmente faça sentido.

Na entrevista a seguir ela detalha o processo de inovação, analisa o caminho para ter mais mulheres na ciência e trata da importância das pessoas alimentarem a curiosidade. Jayshree fala ainda que os brasileiros têm uma característica de alta relevância para a inovação: a grande capacidade de resolver problemas.

 

Qual é exatamente o seu papel como Chief Science Advocate?

É algo novo. Fizemos a pesquisa Estado da Ciência que mostrou que precisamos de uma embaixadora para a ciência porque 40% das pessoas entrevistadas globalmente disseram que a vida delas não seria diferente se a área não existisse. Este foi um número chocante para nós. Por outro lado, 82% encorajariam seus filhos a perseguir uma carreira na ciência e 92% gostariam que eles soubessem mais sobre o assunto. Assim, decidimos criar esta posição para valorizar a ciência e derrubar barreiras, como a da diferença de gênero e a necessidade de ter mais diversidade na área.

Quais conquistas você teve até agora e o que ainda pretende alcançar?

Fizemos a pesquisa, desdobramos ela e compartilhamos as informações. Participamos de encontros com estudantes, universidades, professores, e de uma série de eventos para falar dos resultados, do que as pessoas pensam da ciência. Também me envolvi com a produção de um podcast, o Science Champions, em que falamos dos desafios da área. Tenho ainda escrito uma série de artigos. Devagar trabalhamos na construção de relacionamentos com outras organizações que também estão promovendo a ciência, conversando com clientes. Queremos falar com todos os elos envolvidos na área e continuar advogando pelo tema, popularizando os resultados da pesquisa para que as pessoas entendam que existe um desafio.

Seus projetos já geraram 61 patentes. Qual é o papel da propriedade intelectual em um mundo cada vez mais colaborativo e aberto?

Todas as patentes são resultado de colaboração e trabalho em equipe. Acredito que o sistema de propriedade intelectual vai evoluir ao longo do tempo Independentemente disso, a companhia continuará com ferramentas para manter sua vantagem competitiva na ciência. A 3M tem aspectos além das patentes que garantem esta posição, como o nosso alcance global, infraestrutura e uma série de outras coisas. Ainda vamos ver como tudo vai evoluir, mas chegar a novas ideias e fazer coisas boas com elas é um tipo de vantagem competitiva necessária para que todo o sistema funcione.

Como a 3M cria mecanismos para gerar inovação?

Lá dentro estamos sempre discutindo o nosso trabalho com outras pessoas. Temos um fórum de tecnologia e nos encontramos para debater projetos. As pessoas contribuem umas com o que as outras estão desenvolvendo. Há muita colaboração neste espaço, é como um catalisador de ideias. A 3M conta ainda com 46 plataformas tecnológicas de produtos, então há todo o suporte da área de pesquisa e desenvolvimento para gerar ideias em diferentes frentes. Outro ponto importante é o empoderamento criado pela cultura dos 15%, em que você tem este espaço para se dedicar a novos projetos.

Somos encorajados a trabalhar com coisas que não necessariamente estão ligadas à nossa rotina na companhia, a ajudar os outros. Esta estrutura te permite ter muitas ideias.

Muitas das inovações que propus não estavam ligadas à área em que eu trabalhava na época, mas a um esforço para ajudar outro departamento, resolver o problema que outra pessoa identificou. Enfim, as ideias vêm de diferentes lugares e, na 3M, temos muito espaço para dar impulso a elas.

A 3M é uma companhia bastante reconhecida por suas inovações físicas, analógicas. Onde estão as novas oportunidades em um mundo cada vez mais digital?

Nós combinamos cada vez mais estes dois universos. Na área médica temos, por exemplo, o inalador digital que permite fazer upload dos dados e entender se os medicamentos estão realmente sendo entregues ao paciente. Outro exemplo são os nossos filtros que avisam quando precisam ser trocados. Também estamos trabalhando em carros autônomos, em sinalização inteligente para as ruas e estradas e em uma série de outras coisas digitais. Vamos para onde os clientes e o mercado estiverem indo, para onde enxergamos a tecnologia. Temos grupos muito fortes em ciência de dados na 3M que dão apoio às nossas 46 plataformas tecnológicas. Não existe este ou aquele mundo. As coisas sempre caminham juntas.

Fale um pouco mais das patentes que você desenvolveu. Que tipo de produtos e projetos te deixam mais orgulhosa?

Eu amo todos os meus projetos. É como você me perguntar de qual filho eu gosto mais (risos). Aprendi algo novo a cada patente. Às vezes o aprendizado é sobre a origem da ideia, em outras situações é sobre a dificuldade para resolver aquele problema e há projetos em que o intrigante é desenhar a estratégia para aquela patente. Um desafio que me deixa especialmente orgulhosa é vislumbrar como será o mundo nos próximos anos, que tipo de produtos serão necessários, e gerar patentes em torno disso. É sempre divertido ver como as coisas se desenvolvem e quais das nossas previsões se tornam realidade.

Como você inova? Existe uma fórmula ou processo?

Muita gente me pergunta isso, então já pensei bastante a respeito e até escrevi um artigo no meu LinkedIn sobre a origem das ideias. Pelo que entendi, o primeiro passo está na decisão tomada pela liderança da companhia. É isso que indica no que devemos focar. Quanto mais você olha para um setor a partir deste ponto de vista, mais percebe oportunidades. Tento construir um mosaico mental da área, converso com pessoas e leio muito para entender o que falta. Depois vem a etapa de testes, de mostrar aos clientes algumas ideias e descobrir o que agrada mais. É assim que entendemos para onde as coisas estão indo. Ter uma visão clara do que o mercado precisa ajuda muito, entender quais problemas ainda não foram resolvidos.

Em seguida testamos as ideias e, neste processo, uma série de outras possibilidades surgem. A etapa final é quando você encontra a peça que faltava para completar o quebra-cabeças, quando consegue preencher os espaços em branco. É o lampejo, algo que simplesmente aparece quando você já tem todas as outras etapas na cabeça. Um belo dia você está andando de bicicleta ou tomando banho e as peças se juntam, formam uma resposta. Parece simples, mas você percorreu um caminho até chegar ali.

A ciência ganhou outro papel com a revolução digital?

A ciência ganhou ainda mais destaque porque agora temos o mundo digital como pano de fundo. Este é um universo que está progredindo a passos largos, o que faz com que a ciência do laboratório também precise evoluir em ritmo acelerado. A tecnologia vem da boa ciência. O inverso também acontece: a tecnologia dá suporte à ciência. Então existe esse belo relacionamento entre estes dois lados.

O índice do Estado da Ciência mostrou que ainda há uma diferença entre os gêneros no segmento. Como resolver este problema?

O primeiro passo é a comunicação. Precisamos falar da ciência de uma perspectiva que seja relevante para as pessoas. Na maioria do tempo falamos sobre o que é o projeto ou o produto que estamos fazendo, mas não como ele pode ajudar a melhorar a vida das pessoas. Esta conexão não é feita e, por causa disso, não conseguimos inspirar as mulheres. As pessoas querem mudar o mundo, fazer dele um lugar melhor, desenvolver coisas que se apliquem à vida. Precisamos falar disso e tornar a ciência mais inspiradora para mulheres.

É o que percebo na minha experiência com a minha filha. Eu e meu marido tentamos inscrever ela em aulas de ciência depois da escola e ela disse que não queria se tornar uma nerd, uma cientista trancada no laboratório ou um gênio maluco. Todas estas imagens são tão estereotipadas que ninguém se vê atuando na ciência, as pessoas pensam que é um assunto para poucos.

A verdade é que somos todos cientistas natos. Quando bebês estamos sempre tentando descobrir e provar a nossa hipótese, testá-la. Isso é tudo que seres humanos fazem em seu processo evolutivo. Fazemos ciência antes de fazer arte.

Você carrega uma responsabilidade maior por ser uma mulher com tanto destaque na ciência?

Muitas jovens mulheres provavelmente pensam que a ciência não é para elas porque não enxergam ali exemplos que as inspirem. Por isso é tão excitante para mim ver que o nosso laboratório de pesquisa e desenvolvimento no Brasil é liderado por uma mulher, a Camila Cruz. É ótimo que alguém possa olhar para cima e ver uma mulher ali. Por isso tento sempre participar das coisas, atender aos convites que recebo. Antes eu era um pouco distante das mídias sociais, mas percebi o impacto destes canais, o alcance. Temos muito a ganhar com os bons exemplos, com mulheres em posição de liderança, bem-sucedidas em carreiras na ciência.

Qual é a contribuição do Brasil para a ciência e para a inovação?

Fiquei muito feliz de ver os resultados do estudo Estado da Ciência. O Brasil foi um dos países que tiveram um dos maiores índices de apreciação da ciência na vida cotidiana. A nota global é 46%, enquanto aqui foi 72%, significativamente mais elevada. Também se mostrou muito alto o desejo local por saber mais sobre ciência. Com tudo isso, vejo uma grande oportunidade. Temos que assumir este papel de aprender e nos tornar mais fluentes em ciência. Nem todos precisam de um diploma, mas precisamos de entusiastas.

Inovação é completamente sobre este espírito curioso, sobre encontrar problemas para resolver e atuar de forma criativa e os brasileiros são pessoas com muitas ferramentas quando se trata disso. Precisamos alimentar este espírito, mantê-lo vivo.

Quais qualidades você procura em um profissional para trabalhar com você? O que é mais importante?

Ter iniciativa é o essencial. Atribuo todos os sucessos da minha carreira ao fato de eu ter tomado a iniciativa. Ninguém tem que te dar permissão ou dizer o que você tem que fazer. Você precisa fazer por sua conta porque enxerga a oportunidade e entende a relevância.

O que você ainda quer alcançar na sua carreira?

Fico muito feliz porque alcancei a posição de cientista corporativa, que é o nível mais alto que qualquer pessoa da área técnica pode chegar. Ao todo são três mulheres nesta posição na companhia e sou a única engenheira. Já estava muito feliz por estar aqui e de repente tenho a oportunidade de ser assumir a função de Chief Science Advocate. Isso é realmente algo que me inspira porque sei do desafio da ciência, entendo o quanto precisamos trabalhar para que as pessoas se interessem pela área. Atuar nessa frente me permite construir um legado, algo que me deixa muito feliz e emocionada (com os olhos marejados). Acho que posso misturar emoção e trabalho, não é?

 

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