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Sororidade não é blá-blá-blá. É a chave para impulsionar lideranças femininas e combater o machismo estrutural no mundo corporativo

Dani Rosolen - 8 dez 2021
Dhafyni Mendes Borges (à esq.) e Tati Sadala, fundadoras do Todas Group (foto: Ana Alvim).
Dani Rosolen - 8 dez 2021
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Quantas mulheres você conhece em cargos de liderança? Hoje, apenas 3% das 250 maiores empresas do Brasil têm mulheres como CEOs, e menos de 20% conta com a participação de representantes do sexo feminino no quadro executivo, de acordo com uma pesquisa da Bain & Company em parceria com o LinkedIn.

Mesmo em um ecossistema inovador, como o de startups, menos de 16% desses negócios no país contam com mulheres à frente, segundo dados da ABStartups.

Esses números revelam uma contradição, já que as brasileiras são mais instruídas do que os homens e têm mais acesso ao ensino superior (atualmente, 60% dos universitários que concluem o ensino superior são mulheres).

Entre os obstáculos à equidade de gênero no mercado estão fatores como a dupla (ou tripla) jornada de trabalho e o gap de autoconfiança feminina (segundo uma pesquisa da Harvard Business School, mulheres só chegam no patamar de autoconfiança dos homens após os 40 anos).

Algumas mulheres, porém, vêm colocando a sororidade em prática para transformar este cenário. Conheça a seguir algumas iniciativas que ajudam a catapultar a presença feminina em cargos de liderança.

A MULHERES NO COMANDO NASCEU COMO UM EVENTO E VIROU UM NEGÓCIO

Jéssica Paraguassu tem 29 anos. Em 2019, ela trabalhava como CCO da NFE.io, startup residente no Cubo Itaú.

Lá, começou a participar dos eventos do grupo Mulheres ao Cubo, criado pela co-head do hub de startups, Renata Zanuto, para incentivar a presença feminina no ecossistema de inovação. Jéssica relembra:

“Participar desse grupo me mostrou que eu não estava sozinha em relação a esse incômodo de ser uma das poucas mulheres no mercado de tecnologia. E isso foi um gatilho para criar meu próprio evento”

Em outubro daquele ano, Jéssica conseguiu que o Cubo cedesse gratuitamente o auditório para o “Mulheres no Comando: o que nunca te disseram sobre como chegar ao topo”, evento organizado por ela e com a presença de executivas convidadas para falar sobre os desafios que enfrentaram. A recepção foi positiva, com mais de 250 mulheres inscritas.

Animada com a repercussão, Jéssica organizou um segundo encontro, em março de 2020, focado em crescimento de carreira. Ela diz que foi o último evento presencial no Cubo antes da pandemia. Com a necessidade do distanciamento social, ela transferiu seu projeto para o online.

ESTAR NO COMANDO É MAIS DO QUE LIDERAR EMPRESAS: É SER PROTAGONISTA DA PRÓPRIA HISTÓRIA

Em poucos meses, a empreendedora decidiu transformar a proposta em um negócio. Dessa forma, lançou em junho de 2020 a plataforma Mulheres no Comando, que hoje oferece conteúdo para desenvolvimento de carreira, mentorias, construção de networking e conscientização para “liberar o potencial da mulher no mundo”.

Jéssica Paraguassu, fundadora da Mulheres no Comando (foto: divulgação).

Para embarcar com ela na sociedade, Jéssica convidou o noivo, Thiago Holtz, que hoje acumula os cargos de COO e CTO da empresa. A empreendedora estruturou ainda sua própria metodologia, batizada de P.O.D.E.R. (Potencializar, Orientar, Desenvolver, Energizar e Revolucionar):

“Por meio da metodologia, elas passam por um processo de autoconhecimento e avaliação de pontos fortes e fracos, entendem os seus porquês e objetivos, e ganham motivação — até, por fim, assumirem o papel de protagonistas da própria história.”

MAIS DE 20 EMPRESAS JÁ APOIARAM SUAS LÍDERES COM A AJUDA DO PROJETO DE JÉSSICA

A Mulheres no Comando opera no B2C e no B2B. Nesse modelo corporativo, a Mulheres no Comando entrega projetos de formação de liderança e mentoras, e programas de conscientização sobre diversidade dentro das empresas.

“Um cliente nosso que virou um case foi a Mondelez Internacional. Eles ganharam recentemente um prêmio da ONU como uma das empresas mais engajadas na questão da diversidade — e isso tem muito a ver com o trabalho que realizamos lá dentro”

Segundo Jéssica, o portfólio inclui mais de 20 clientes; ela cita ainda Bradesco, Bip, Microsoft, Pearson e Zeiss.

No modelo B2C, cada assinante paga 57 reais por mês para ter acesso à plataforma com mais de 250 horas de conteúdo gravado, trilhas de desenvolvimento, capacitação e networking; outro plano (192 reais mensais) inclui ainda mentorias individuais.

Jéssica afirma que cerca de 2 mil mulheres já usaram os serviços pagos da plataforma — e mais de 1 milhão foram impactadas pelo negócio (que, durante um período, abriu seus conteúdos gratuitamente).

COMO SUPERAR O MACHISMO ESTRUTURAL DO UNIVERSO DE FUNDOS DE INVESTIMENTO

Depois de um ano de operação, Jéssica decidiu que era hora de procurar um aporte para escalar. Porém, a empreendedora esbarrou em um entrave nem tão inesperado: o machismo do mundo corporativo.

“Houve casos de grupos de investimento em que eu declinei a proposta porque me senti muito mal durante a conversa. A forma como as perguntas eram feitas se mostrava muito enviesada”, diz.

Ela dá um exemplo que, na superfície, pode parecer banal:

“Quando eu contei que já tinha grandes clientes, o investidor perguntou se eu que tinha conseguido [por conta própria] ou se eles vieram por meio de indicações. Sei que esse tipo de pergunta não é feita para os homens. Eles, na verdade, são aplaudidos se têm clientes fortes, enquanto a minha competência é questionada…”

Disposta a quebrar com essa lógica no ecossistema, Jéssica convidou as próprias mentoras da plataforma (hoje são mais de 300) para financiarem o negócio. Afinal, são mulheres que conhecem na pele a política sexista em vigor. E elas corresponderam ao convite:

“Fizemos algo inédito no mercado: somos a única empresa que levantou sozinha uma rodada inteira de investimento com a própria base de contatos!”

O PODER DA UNIÃO FEZ COM QUE A EMPRESA CAPTASSE 400 MIL REAIS

Assim, em julho de 2021, surgiu o Pitch Night Mulheres no Comando. O evento reuniu as mentoras da edtech, sendo que 24 delas aportaram 400 mil reais na empresa. Além do grupo, dois investidores também participaram da captação: Sergio Rinaldi (Principal Product Manager na Xerpa e marido de uma das mentoras) e o próprio Thiago, sócio e noivo de Jéssica.

Foram cerca de 35 intenções de investimento, com cheques entre 5 mil e 80 mil reais. Entre as investidoras, estão Itali Collini (diretora da 500 Startups), Ciléia Assunção (chefe de dados na Beiersdorf) e Melissa Lima (gerente de CRM do PagBank PagSeguro).

Após essa conquista, Jéssica já tem planos maiores para o futuro.

“A médio prazo, pretendo expandir internacionalmente… A dor que resolvemos é global e [mesmo] sem esforço já temos algumas assinantes de outros países na América Latina”

No horizonte mais longo, a ambição é ainda maior:

“A longo prazo, acredito que podemos nos tornar um hub de soluções pensadas para o público feminino, em que teremos capital para investir em outras iniciativas fundadas por mulheres e adquirir empresas que façam sentido para o nosso portfólio.”

O TODAS GROUP SURGIU QUANDO AS SÓCIAS PERCEBERAM QUE, NA PANDEMIA, MUITAS MULHERES PENSAVAM EM DEIXAR O MERCADO

Tati Sadala, 36, atuou por 15 anos no mercado corporativo tradicional, entre Coca-Cola e Johnson & Johnson (nesta última liderando 50 mulheres). Uma trajetória bem diferente daquela de Dhafyni Mendes Borges, 33, que sempre foi dona dos próprios negócios — ela empreendeu uma agência de marketing e uma produtora.

Hoje, Tati e Dhafyni são fundadoras do Todas Group, uma edtech para impulso de carreiras femininas que há dois meses recebeu seu primeiro aporte, 1 milhão de reais, da The Next Company, empresa fundada por Bob Wollheim e André de Escobar.

Mesmo com currículos tão distintos, ambas as sócias tiveram oportunidades de crescer profissionalmente. Tati, por exemplo, foi promovida duas vezes na Johnson & Johnson e recebeu a terceira proposta após voltar da licença-maternidade, mas recusou e saiu para empreender.

Elas sabiam, no entanto, que a maioria das brasileiras não tem a mesma sorte. Segundo Tati:

“Ouvi diversas vezes na minha trajetória um discurso preconceituoso de que a falta de representação feminina em cargos de liderança era resultado da baixa ambição profissional das mulheres por conta da maternidade”

Com visões de mundo semelhantes, Tati e Dhafyni decidiram criar juntas um projeto para impulsionar outras mulheres logo que se conheceram, em 2020, durante um networking online. Só não sabiam exatamente o que fazer.

Até que veio a pandemia, e com ela uma pesquisa da McKinsey, que mostrou o caminho a seguir. O estudo revelou que, por conta da Covid-19, uma em cada quatro mulheres consideraram deixar o trabalho ou mudar de posição (a proporção era maior no caso de profissionais seniores, mães e mulheres negras).

Este dado chamou a atenção da dupla. Assim, em abril de 2020, elas começaram a organizar, de forma voluntária, transmissões pelo Zoom, toda quarta-feira à noite, sempre com alguma liderança feminina e o propósito de inspirar outras mulheres. Aqueles encontros virtuais se transforaram no que é hoje o Todas Group.

A EDTECH ATENDE PROFISISONAIS QUE QUEREM CRESCER, LÍDERES QUE DESEJAM AJUDÁ-LAS E EMPRESAS EM BUSCA DE DIVERSIDADE

Após sete meses de encontros online gratuitos, as sócias perceberam que tinham em mãos um modelo monetizável que poderia atender várias frentes. Segundo Tati:

“Vimos que o Todas Group estava funcionando como ponte entre três grupos: mulheres que queriam crescer profissionalmente; grandes líderes que queriam contribuir, mas não sabiam como fazer isso de uma forma massiva; e empresas que gostariam de fazer parte dessa agenda”

Ao começar a operar, em outubro de 2020, as empreendedoras focaram no B2C, criando uma plataforma de conteúdo e eventos exclusivos para as assinantes.

Lá, elas encontram vídeos gravados ou ao vivo sobre as trajetórias e aprendizados de grandes líderes, as habilidades mais importantes para a profissional do futuro e material de desenvolvimento pessoal, além de podcasts com os principais insights dos livros de cabeceira dessas lideranças inspiradoras.

A assinatura custa R$ 49,90 por mês; interessadas podem testar de graça por sete dias.

DE PROFISSIONAIS DANDO OS PRIMEIROS PASSOS A CEOS DE GRANDES EMPRESAS

Mais de 40 profissionais compartilham ensinamentos através do Todas Group. São mulheres como Paula Paschoal, managing director do Google Pay Latam, e Rachel Maia, conselheira da Vale, do Banco do Brasil, da CVC e do Grupo SOMA, além de membro do conselho consultivo da UNICEF Brasil.

Segundo Tati, mais de 5 mil mulheres já passaram pelo Todas Group. “Hoje, temos na nossa comunidade desde mulheres que estão começando a carreira até grandes CEOs”, afirma. Desse total, a empreendedora diz que mais de 30% foram promovidas ou conseguiram um aumento após a experiência com a edtech.

“Nosso foco e metodologia são voltados para dois grandes grupos: mulheres entre 25 e 30 que querem crescer profissionalmente e não sabem como; e profissionais sêniores que enfrentam a dor da liderança solitária e buscam conhecer seus pares para compartilhar experiências e se aperfeiçoar”

As sócias dizem que, nos últimos tempos, empresas também começaram a bater na porta do Todas Group. Elas então lançaram o modelo B2B, com assinatura coorporativa da plataforma e um programa de aceleração de carreira para líderes (o número e o nome desses clientes corporativos permanecem em sigilo, pelo menos por enquanto).

ANGEL.US: UMA IDEIA COM INSPIRAÇÃO NA RESISTÊNCIA DAS ÁRVORES

Em mais de 30 anos de carreira executiva, Claudia Colaferro, 52, passou pela diretoria de marketing de empresas como Coca-Cola, Motorola, Philips e Unilever, além de ter atuado como CEO da Dentsu, empresa global de comunicação e marketing.

E, em todas essas experiências, ela conta que sempre teve o olhar atento para a importância de apoiar e promover outras mulheres.

“Acredito que as líderes têm a responsabilidade de remover os obstáculos em todos os negócios dos quais fazem parte, para que as outras não apenas tenham sucesso, mas também acreditem poder ter sucesso”

Mas foi após uma edição do DisruptHR realizada em fevereiro de 2020, em Miami, que ela lançou a semente do que viria ser seu atual empreendimento.

Na ocasião, Claudia palestrou sobre a importância da autoconfiança e da autopromoção como uma ferramenta de empoderamento de lideranças femininas. Ela afirma que, logo após a apresentação, foi procurada por muitas mulheres (e homens) querendo saber mais sobre os conceitos apresentados.

Este foi o “fertilizante” natural que ela precisava para dar início à Angel.Us, plataforma colaborativa exclusiva para mulheres criada para ajudá-las a atingir seus objetivos profissionais — sejam elas executivas, empreendedoras ou profissionais liberais.

Com o investimento de 200 mil reais, a empresa foi lançada em 21 de setembro, Dia da Árvore. No site, Claudia explica a origem do nome do negócio: “Inspirada no recém descoberto santuário das árvores gigantes, da espécie Angelis, que unidas por mais de 500 anos prosperam contra todas as adversidades no coração da Floresta Amazônica, nasce o projeto da Angel.Us”.

APOIO E DIAGNÓSTICO PARA ENFRENTAR AS BARREIRAS DO MERCADO E OS MEDOS DA JORNADA

Muitas mulheres acreditam que nunca chegarão ao topo, diz Claudia, porque a estrada é longa, desconhecida ou ainda incompatível com outras jornadas em suas vidas. Assim, desistem cedo.

Mesmo as que alcançam o sucesso, segundo ela, apontam muitas dificuldades:

“As mulheres reclamam que mesmo quando são promovidas a cargos de chefia, enfrentam obstáculos como ter a legitimidade contestada e as contribuições subestimadas”

Esses problemas precisam ser superados. Claudia, porém, crê que o principal entrave ainda é a questão da autoconfiança. “A mulher precisa achar-se merecedora.”

Para resolver essa barreira, a Angel.Us oferece, no modelo B2B (para empresas que desejam investir no desenvolvimento de suas lideranças femininas) e no B2C, três planos diferentes.

Claudia Colaferro, fundadora da Angel.Us (foto: divulgação).

No “Marketplace”, a assinante tem acesso a mentorias (com mais de 100 mentoras, ou “Guardians”, guardiãs), serviços, treinamento, cursos e networking. O acesso é gratuito, mas a usuária paga por serviço contratado.

No plano “Autoconhecimento” (R$ 1 349,10), a usuária tem à disposição exercícios online, questionários, teste de personalidade e avaliações. Entre as mentoras estão Adriana Machado (ex-CEO da GE Brasil e fundadora do Briyah Institute) e Ana Carolina Almeida, senior marketing manager do LinkedIn.

Já o plano “Autoconhecimento e Desenvolvimento” (R$ 2 699,10), além dos serviços oferecidos no módulo anterior, dá direito a uma customização das ações e ao acompanhamento da execução de suas metas por um ano.

Claudia evita revelar o número de usuárias e o nome das empresas clientes; a cada dez mulheres atendidas, a plataforma oferece uma bolsa integral.

COMO CRIAR UMA “IRMANDADE”

A equidade de gênero no mercado de trabalho ainda está longe de ser alcançada. A empreendedora aposta na união para mudar essa realidade:

“Acreditamos que qualquer iniciativa que apoie o desenvolvimento de mulheres deve buscar sinergia para aumentar o impacto e diminuir a desigualdade de mercado de forma mais rápida.”

Claudia tem a esperança de que a próxima geração esteja em outro patamar de oportunidades e igualdade. E, para isso, insiste: as mulheres que já passaram por esse ciclo devem servir de inspiração e fortaleza para outras.

“Minha prioridade é fazer com que elas entendam e compartilhem este propósito, para que também possam fazer parte dele em um efeito multiplicador e virtuoso. Apoio e irmandade é o que quero oferecer, criando o poder da matilha”

Ou, como diz, parafraseando Shelley Zalis, CEO do The Female Quotient: “Uma mulher tem poder; coletivamente temos impacto”.

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