Os paulistanos Antonio Oliveira, 36, e Marília Lara, 32, se conheceram no ambiente acadêmico. Hoje são casados, têm dois filhos pequenos e… a Stattus4, startup que oferece ao mercado um método mais apurado que o tradicionalmente usado na detecção de vazamentos de água na rede urbana. O engenheiro eletrônico (terminando a segunda graduação, em Matemática) e a administradora de empresas (com mestrado em Marketing), porém, não tinham nenhuma intimidade com sistemas de água e saneamento básico antes de criarem o business. Eles tinham, sim, vontade de empreender em algo que “fizesse sentido” e apresentam aquela mistura de desprendimento, coragem e sorte que muitas vezes leva ideias assim adiante.
O embrião da Stattus4, como é comum a muitas startups, foi a insatisfação de seus criadores com o mercado convencional de trabalho. “Estávamos um pouco descontentes, querendo rever caminhos de carreira. Entendemos que gostaríamos de trabalhar com propósito, não apenas entregando um produto e ganhando dinheiro com isso”, diz Marília.
Há dois anos, tanto Antonio como Marília trabalhavam em uma empresa da família de Marília que desenvolvia projetos eletrônicos e fazia montagens de placas eletrônicas. Por conta desse conhecimento, um cliente (que trabalhava em uma pequena fabricante de geofones) fez a proposta que iria mudar a vida do casal. Ele queria ajuda de Antonio para desenvolver um geofone específico. Aqui, um pequeno parênteses técnico: geofone é o instrumento tradicionalmente usado para detectar vazamentos de água. Com ele, técnicos com ouvido treinado (já que quando o líquido escapa, ele produz um som específico) inspecionam hidrômetros da rede de abastecimento.
A princípio, Antonio desenvolveu um geofone comum, igualzinho aos que já existiam no mercado, mas, ao sair para testar percebeu como sua utilização era difícil.
“O operador enfrenta condições complicadas quando está na rua: sol quente na cabeça, carros passando, cachorro latindo”, diz. Foi aí que ele, que já tinha trabalhado com engenharia musical, teve o estalo: “Pensei que poderia desenvolver uma espécie ouvido biônico para fazer essa detecção com mais precisão”. Pronto! Estava rascunhado o sistema que, mais tarde, seria o carro-chefe da Stattus4.
O que não foi tão bom antes, na vida dos dois, serviria de aprendizado neste momento. “Quebramos bastante a cara, eu e o Antonio, mas com outros CNJPs. Isso nos ajudou a errar um pouco menos na Stattus4″, conta Marília.
Desde o rascunho da ideia do que seria o Sistema Fluid, o casal já vinha se equilibrando entre erros e acertos do próprio produto. “O desafio era saber o momento certo de desistir de uma ideia e tentar outra nova, dentro da própria proposta do Fluid. Existe uma linha tênue entre ser insistente e ser persistente”, afirma.
O QUE É O PRODUTO
O hoje chamado “Sistema Fluid”, criado pela Stattus4, é um coletor móvel com uma haste que, uma vez encostada a um hidrômetro, grava a vibração da água passando pelo encanamento. “Quando existe um vazamento, ele vibra com um som diferente e é isso que a gente capta”, diz Marília. Além de captar o ruído, o aparelho também o avalia, trazendo tecnologia a um ofício que antes dependia da habilidade pessoal do técnico (e do cachorro da vizinha não latir na hora errada). Hoje, o Fluid encosta por 15 segundos em cada hidrômetro, registra o ruído e envia para um sistema de inteligência em nuvem, que extrai da amostra coletada 79 características diferentes, para enfim classificá-la — porque nem sempre um ruído diferente significa vazamento; às vezes, é só um problema no hidrômetro.
A proposta não é substituir o trabalho dos geofonistas (os técnicos do ouvido treinado), diz Marília, mas “otimizar o trabalho deles, fazendo com que as distribuidoras de água para as quais eles prestam o serviço encontrem o vazamento de forma mais rápida”. Marília vê aí o beneficio “real” de seu produto para a sociedade:
“Se perdemos menos água na rede, sobra mais água para a população. Isso é bom para todo mundo”
Em seis meses de operação, a Stattus4 já tem um case de sucesso do produto. Em Santa Bárbara d’Oeste, cidade no interior de São Paulo, o Fluid detectou dois vazamentos em um ponto onde, da maneira tradicional, só havia sido encontrado um. Parece pouco? Não é: a perda d’água na região estava em 41% mas, depois disso, baixou para 18%.
COMO É VENDER UM PRODUTO QUE AINDA NEM EXISTE
Lá em 2015, assim que a ideia foi colocada no papel, ou melhor, no PowerPoint, Marília e Antonio entraram em contato com a Sabesp (a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) para tentar validar o produto que tinham concebido. “E esse foi nosso primeiro golpe de sorte. Descobrimos o nome do diretor de novos negócios da Sabesp, telefonamos, a secretária passou a ligação e ele disse para o Antonio: ‘você tem cinco minutos’. Eles ficaram conversando durante meia hora”, conta Marília.
Eles marcaram uma reunião – que também deveria ser jogo-rápido, mas se estendeu – e os agora sócios em um negócio que estava nascendo saíram de lá com uma carta de intenção de compra da companhia para o produto que sequer tinham desenvolvido de verdade. “Somos bons no gogó”, brinca ela. Depois do primeiro sinal verde, era hora de fazer acontecer e usar, de novo, o tal gogó para conseguir uma grana:
“Não somos da área de saneamento, então tivemos que aprender, do zero, tudo desse mercado. E fomos atrás de um investidor, pois só tínhamos a boa ideia e a boa vontade”
O primeiro investidor-anjo da Stattus4 conhecia o casal. “A gente brinca que ele investiu só no PowerPoint”, diz ela. Esses 150 mil reais iniciais foram usados para remunerar o próprio Antonio e, também, um outro profissional que cuidaria do desenvolvimento do sensores. Enquanto isso, Marília continuava trabalhando na empresa da família (à época, grávida do segundo filho), dando aula e, em paralelo, dedicando-se também ao produto que precisavam fazer funcionar. Tudo, assim, misturado.
“Estávamos fazendo uma coisa meio louca pra casal, que era botar todos os ovos na mesma cesta”, diz ela. Nesta fase, os empreendedores fizeram uma incubação no Cietec (Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia) e foram convidados a conhecer o Parque Tecnológico de Sorocaba, município no interior paulista para onde acabaram se mudando.
Em dezembro de 2016, eles conseguiram levantar mais 300 mil reais em uma segunda rodada de investimento, o que permitiu a Marília agora se dedicar totalmente ao próprio negócio. Finalmente, em julho deste ano, começaram a “botar a cara” em um mercado que, até então, estavam “só tateando”. Atualmente, estão também sendo acelerados pela Baita Aceleradora, que investiu mais 200 mil reais na Stattus4.
PRIMEIROS PASSOS NO MERCADO, PRIMEIROS PRÊMIOS
Os clientes da startup são, basicamente, as concessionárias de água e empresas que estas contratam, que prestam o serviço de detecção de vazamento. Existem dois tipos de contrato: um é a licença anual do software que desenvolveram e, o outro, um pacote de amostras do sensor, que funciona como um cartão pré-pago que a distribuidora tem seis meses para usar. O preço varia de acordo com o total de sensores. Por exemplo, um pacote de 5 mil, suficiente para fazer as detecções em um bairro com 20 mil habitantes, custa em torno de 3 mil reais. Para chegar a este valor, Marília conta que o casal fez “uma planilha gigante” considerando o tamanho da empresa e da equipe que queriam ter, os passos que dariam e os custos que já tiveram, principalmente com a inteligência de nuvem.
Em julho desse ano, a Stattus4 venceu o Prêmio ASSEMAE (Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento) Startups 2017, o que gerou visibilidade e atraiu clientes, com os quais já preparou alguns pilotos pagos, que começam em janeiro de 2018. Também foi finalista do prêmio internacional BID-FEMSA, que elege as soluções mais inovadoras na América Latina e no Caribe em água, saneamento e resíduos sólidos. “Estamos em um momento muito feliz, em que as coisas estão se encaixando. Até estranhamos a coisa estar tão boa”, diz Marília.
Ganhar prêmios é sempre positivo, claro. Mas ela faz uma leitura realista da situação do negócio propriamente dito: “Hoje, estamos trabalhando para atravessar o ‘vale da morte’, que é quando ainda não conseguimos encaixar o fluxo de caixa das vendas para pagar a operação e já começamos a ter pouco dinheiro do investidor. É aquela situação em que tem é preciso ser muito inteligente, errar pouco, para não morrer na praia”.
A expectativa para o ano que vem, no entanto, é grande: eles querem faturar pelo menos 1 milhão de reais (esse ano, vão fechar em 30 mil reais), mas o frio na barriga gerado exatamente pela disrupção sempre vai existir:
“Estamos mudando a forma de detectar vazamento no ramo de saneamento. Quando você vende pão francês, todo mundo sabe o que esperar do seu produto. Mas quando você fala desse tipo de inovação, o cliente tem que ver que realmente funcionamos”
Os desafios estão colocados. E alguns sonhos, já conquistados. Antonio e Marília queriam ter uma empresa de alta tecnologia e que tivesse um propósito: conseguiram. Nas palavras de Marília, estão “economizando água para as futuras gerações”. No que depender da dupla, não vão parar por aí, mas é preciso seguir uma estratégia. “Temos algumas ideias na prancheta, mas a melhor sacada é focar em alguma coisa. Nosso grande objetivo, hoje, é nos consolidarmos na área”.
Ela afirma, no entanto, que entre os planos está desenvolver outras soluções em que possam trabalhar com recursos vitais. Para a empreendedora, o mundo pode ser maravilhoso “desde que saibamos cuidar dele” pois, como diz: “Dá para a gente ter conforto sem ter tanto impacto. Usar o conhecimento que temos, que é muito, para tentar trabalhar de forma mais harmoniosa é a grande missão que nós, humanos, deveríamos ter na Terra”.
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