Dentro de uma garrafa de cerveja existe, principalmente, agricultura (em cevada e lúpulo, dois dos insumos principais) e muita, muita água — o equivalente a 90% do conteúdo de uma garrafa ou latinha.
Quando se pensa na cadeia como um todo — produção, embalagem (vidro ou alumínio), transporte e descarte pós-consumo –, fica claro que aquela cervejinha do dia a dia traz impactos para o planeta.
Dona das marcas Brahma, Skol, Bohemia e Budweiser, entre outras (além de bebidas não alcoólicas, como Guaraná Antarctica, Pepsi, Gatorade e a marca de sucos do Bem), a Ambev estabeleceu uma série de compromissos ambientais, a serem cumpridos até 2025.
As metas foram definidas em 2018 e incluem ter 100% da eletricidade comprada de fontes renováveis; reduzir as emissões de carbono em 25% ao longo da cadeia de valor; melhorar de forma mensurável a disponibilidade da água para 100% das comunidades em áreas de alto estresse hídrico; usar embalagens retornáveis ou que sejam majoritariamente feitas de conteúdo reciclado em 100% dos produtos da cervejaria.
Segundo Carolina Pecorari, diretora de sustentabilidade:
“Até 2017, nossas metas olhavam muito para ‘dentro de casa’, com questões de eficiência elétrica, hídrica e de carbono. Ao longo da jornada, percebemos que nosso impacto é muito grande para o ecossistema. Foi quando lançamos as metas que não olham só para gente”
Carolina exalta alguns índices já conquistados: uso de 71% de energia vinda de fontes sustentáveis; 47,7% de vidro reciclado nas embalagens; 75,1% de alumínio reciclado; e 45% de PET reciclado. Mas sabe que, em se tratando de uma companhia com 32 mil funcionários no Brasil e operações pela América Latina e no Canadá, ainda há um longo caminho a se trilhar.
A seguir, a diretora de sustentabilidade conta um pouco do que já foi e do que vem sendo feito pela Ambev — e como a pandemia afetou essa jornada.
Qual foi o impacto da pandemia nos projetos de sustentabilidade da Ambev?
Só deixou mais forte. Existe um investimento grande ano contra ano — e 2020 foi um ano em que não dava para parar. E tudo se conectou com as nossas iniciativas de olhar para comunidade e oferecer soluções, como usar a nossa gestão para construir hospital ou transformar a cervejaria Colorado para a produção de oxigênio.
Claro que isso teve como base um aprendizado que já tínhamos. Gosto de dizer que não existe perfeição, mas amadurecimento.
A pandemia deu um boost em todos os aspectos. Hoje, existe mais abertura de todos — VPs, conselho fiscal e conselho de administração — para olharmos quais são os nossos gaps e evoluirmos neles. É uma jornada, não um negócio momentâneo.
Uma das metas da Ambev é ter 100% de energia renovável até 2025. Em que momento vocês estão dessa meta e o que está sendo feito para atingi-la?
Hoje, já temos 26 Centros de Distribuição funcionando com energia renovável e 18 deles conectados ao sistema, ou seja, pronto para isso.
A ideia é até o final deste ano ter nossos 84 centros de distribuição conectados com energia renovável. Isso era para ter acontecido no ano passado, mas atrasou por causa da pandemia
Estamos construindo 48 usinas distribuídas em 48 municípios e 21 estados brasileiros. Serão 51 mil painéis solares, com capacidade de geração de 2.3 gWH – o equivalente a 15 mil residências ou a uma cidade com cerca de 60 mil habitantes. A operação e a manutenção das usinas serão realizadas por parceiros especializados.
Tem um parque eólico sendo construído na Bahia? Em que fase está?
O parque eólico da Bahia é o primeiro parque contratado, que está sendo construído em parceria com a Casaforte Investimentos. Ele vai abastecer com energia limpa e renovável todas as cervejarias presentes no Nordeste, inclusive as cervejarias que produzem Budweiser aqui no Brasil. Isso representa, aproximadamente, 35% de nosso consumo total no país.
Além disso, temos outro parque, também localizado na Bahia, para atender outros três centros de distribuição no estado. Hoje, ele está concluído e aguarda apenas o trâmite de conexão para iniciar a operação.
Então, além de Centros de Distribuição existem cervejarias abastecidas com energia sustentável?
Temos um mini parque solar na cervejaria de Guarulhos, mas ele não é suficiente para alimentar totalmente a operação. Mas, com esse projeto, a ideia é que até 2023 todo o Nordeste esteja conectado e, até 2025, cheguemos a 100% das cervejarias. É um projeto que vai demandar a construção de alguns parques solares e eólicos.
Para cuidar da água, existe o Programa Bacias e Florestas. O que é? Em que regiões ele atua e por quê?
Dado que água é mais de 95% da nossa matéria-prima, precisamos cuidar desse item pensando no planeta e também no nosso negócio.
Junto com um grupo de geólogos, olhamos para as bacias de onde extraímos água e identificamos onde há mais extração do que devolução. Então, fazemos um mapeamento, o engajamento da comunidade, definimos as prioridades, o custo, o impacto, enfim: desenhamos como vamos trabalhar.
Hoje, o programa Bacias e Florestas é desenvolvido em parceria com a TNC (The Nature Conservancy) e a WWF em Jaguariúna, Jundiaí, Jacareí e Rio Claro, em São Paulo; Sete Lagoas, em Minas Gerais; Anápolis, em Goiás; e Aquiraz, no Ceará, que são áreas de alto estresse hídrico.
As ações variam de acordo com a realidade de cada local. Por exemplo: uma parte da água que sobra da produção e é tratada pela Ambev pode voltar para o rio mais limpa, mas o agricultor também pode usar essa água direto da cervejaria para irrigar a plantação que esteja ali próxima
Esse projeto também atua fazendo o reflorestamento da mata ciliar para garantir que haja melhor disponibilidade de água e que não haja um estresse nos lençóis freáticos.
Em 10 anos, o programa conseguiu recuperar mais de 10 mil hectares de vegetação — o equivalente a mais de 12 mil estádios de futebol — e já plantou cerca de 1,8 milhão de árvores.
O uso de reciclados também está nas metas da Ambev. Como a empresa pretende usar mais material reciclado nas embalagens de vidro?
Estamos atuando bastante na coleta do material. Para isso, temos parceiros como a Green Mining, que nos ajuda a desenvolver a coleta de vasilhames de vidro junto a hotéis, bares e restaurantes.
Também estamos fazendo testes em condomínios junto com o Instituto Muda. O vidro coletado pode ir para nossos parceiros ou a nossa fábrica de vidros no Rio de Janeiro. Depende um pouco de logística e do que faz mais sentido
Também começamos com um piloto em Curitiba, no Paraná, onde a nossa própria operação faz a coleta nos bares e restaurantes, leva para o nosso centro de distribuição e nós fazemos a triagem para mandar os cacos ou retornáveis para produção, lavagem e tudo mais. É bem possível que a gente consiga atingir a meta do vidro já neste ano, com 50% de material reciclado.
As embalagens retornáveis podem ser uma solução para o problema das embalagens de vidro?
Hoje, no Brasil, 38% do nosso volume de cerveja é retornável. Comparado com outros participantes do mercado, estamos mais ou menos 15 pontos percentuais à frente.
O grande desafio aqui é a conveniência do consumidor. Hoje, tem gente morando em 30 metros quadrados, ou seja, não tem espaço [para guardar embalagens retornáveis]. Daí esse exercício de trabalhar com o Instituto Muda e outras startups e empresas para direcionar e ter, por exemplo, uma coleta de vasilhames embaixo do prédio.
A Ambev está super envolvida nessas alternativas para endereçar essas conveniências e não exigir que o consumidor tenha um espaço dentro de casa para acumular.
Com relação ao PET, muito usado nos refrigerantes e outras bebidas, como está o processo de uso de reciclados?
O guaraná lançou a primeira garrafa feita com conteúdo 100% reciclado em 2012. Em 2020, fechamos 80% das nossas garrafas de guaraná feitas com 100% de material reciclado.
Mas ainda precisamos trabalhar no interesse da cadeia do plástico pela reciclagem, para que o PET seja um material mais atrativo para os catadores. No Carnaval de 2020, por exemplo, coletamos resíduos — e transformamos em lixeiras neste ano.
Usar mais plástico ou vidro reciclado na indústria exige muita mudança estrutural?
O conteúdo reciclado vem na cadeia antes do nosso fornecedor direto. É a fábrica de alumínio, por exemplo, que faz placas com material reciclado. A gente compra esse material e usa para transformar em lata. Dentro da Ambev, precisamos fazer testes e aprovar para que aquilo seja comercialmente viável, inclusive por contato com o alimento.
Como reduzir as emissões de carbono em 25% ao longo da cadeia de valor?
Estamos evoluindo bem nessa meta desde que começamos a mudar nossa matriz energética em 2013. Quando falamos em escopo 1 (que são as emissões diretas), já reduzimos em 63%. Isso inclui, por exemplo, o uso de biomassa e biogás em algumas caldeiras. Onde é possível, a gente usa. Mas existem algumas coisas que ainda não são viáveis.
No escopo 2 (emissões indiretas relativas ao consumo de energia) estamos trabalhando com a energia renovável e, agora, estamos olhando com mais cuidado para carbono escopo 3 (emissões indiretas em geral), porque vimos que se nós não exigirmos de alguns fornecedores, eles podem não se movimentar.
Esse tipo de transição em caldeiras, por exemplo, exige mudança de infraestrutura da indústria?
Dependendo do caso precisa de alguns ajustes. Mas o que fazemos obrigatoriamente são testes.
Na primeira fase da nossa aceleradora, a 100+, aceleramos uma startup que usa resíduo urbano para fazer briquetes que aquecem nossas caldeiras e geram vapor. Fizemos testes para ver se essa emissão não é mais prejudicial, quais gases são emitidos, se deixa um excesso de resíduo que pode comprometer em médio e longo prazo o uso da caldeira…
A gente não faz nada sem testar se a longo e médio prazo isso é sustentável.
O custo de incluir a sustentabilidade na operação é mais alto?
No passado, muitas alternativas mais sustentáveis eram muito mais caras. Hoje em dia isso está muito melhor e há coisas que são bem competitivas ou até mais baratas. Porém, há coisas que são mais caras mas, por questão de sustentabilidade, optamos por fazer. Usar material reciclado, por exemplo, muitas vezes é mais caro. Mas é algo que faz sentido.
Qual o papel da aceleradora 100+ nesse caminho da sustentabilidade?
A aceleradora foi criada junto com as nossas metas. Sabíamos que eram metas ambiciosas e que não íamos conseguir atingi-las sozinhos.
Então, a ideia é trazer empreendedores e startups com ideias que enderecem os principais problemas socioambientais atuais, nos auxiliem a atingir essas metas; em troca a gente oferece gestão e treinamento
Já aceleramos a Green Mining, de logística reversa; a Deink, que tem uma tecnologia para extrair a tinta do shrink, o plástico que envolve o pet e as latinhas, e tornar esse plástico reciclável para voltar a ser shrink; a Agrosmart, que está criando um algoritmo preditivo para identificar onde há problema na safra e permitir uma atuação bem localizada do produtor…
Como a sustentabilidade se organiza dentro da Ambev?
A sustentabilidade está espalhada pela companhia inteira. Tem pessoas com metas de sustentabilidade e pessoas com iniciativas de sustentabilidade, que não necessariamente são metas. O ESG é multidisciplinar, vai do departamento de compras até as cervejarias.
Neste ano, iniciamos um comitê de ESG, primeiro para ter uma conscientização. Então, trouxemos todo mundo para o conhecimento, mostramos os nossos gaps e temos conversas constantes com investidores que nos dão feedback.
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