• LOGO_DRAFTERS_NEGATIVO
  • VBT_LOGO_NEGATIVO
  • Logo

Tatiana Pimenta deixou a engenharia civil para cuidar da saúde mental das empresas: “Não olhar para isso pode custar bem caro”

Maisa Infante - 18 jul 2024
Tatiana Pimenta, CEO da Vittude (crédito: Juliana Frug).
Maisa Infante - 18 jul 2024
COMPARTILHAR

Em 2023, 38% de todas as licenças concedidas pelo INSS foram por causa de transtornos de saúde mental.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 18 milhões de brasileiros convivem com o transtorno de ansiedade, o equivalente a 9% da população, o que faz do Brasil o país com o maior número de pessoas ansiosas do mundo.

Para Tatiana Pimenta, 42, CEO da Vittude, por mais que hoje existam inúmeros tratamentos para os transtornos de saúde mental, ainda é uma área cheia de preconceito, medo e vergonha, o que dificulta a aceitação e o cuidado.

“Quando falamos de saúde mental, muita gente pensa em manicômio, camisa de força e pessoas surtando. Elas não pensam em alguém que está trabalhando normalmente e pode estar com alguma disfuncionalidade, bastando um gatilho pra ter algum comprometimento”

A própria Tatiana passou por isso quando viveu uma situação dramática de abuso. “Aquele foi o pior dia da minha vida, mas no dia seguinte eu fui trabalhar como se nada tivesse acontecido. Mas eu estava desatenta, cometi equívocos no envio de propostas, escrevia coisas desconexas.”

É o que se chama de presenteísmo, explica Tatiana: a pessoa está presente, mas não consegue realizar nenhuma tarefa. “Às vezes, um distúrbio mental não incapacita totalmente as pessoas, mas pode deixar alguém ali, trabalhando numa produtividade muito reduzida.”

Nascida e criada em Corumbá, no Mato Grosso do Sul, Tatiana deixou a cidade para cursar engenharia civil em Londrina, no Paraná. Antes de empreender, fez carreira corporativa, passando por Votorantim, Cimpor (Cimento de Portugal), Arauco Brasil e Hilti Brasil.

Foi a partir de suas experiências pessoais com a busca de tratamento que ela fundou a Vittude (em 2016, junto com Everton Höpner), inicialmente como uma plataforma que conectava pacientes a psicólogos.

Em 2019, a startup começou a pivotar para o modelo B2B. Um movimento que acabou sendo impulsionado pela pandemia. “Atualmente, a Vittude atende 200 empresas e está com 3,5 milhões de vidas sob gestão com os últimos contratos”, diz Tatiana. Entre os clientes estão Grupo Boticário, Ambev, Vivo e L’Oréal.

Sua atuação se baseia em quatro pilares: diagnóstico (um retrato de como anda a saúde mental dos funcionários); educação (workshops, treinamentos e conteúdos relacionados à saúde mental); clínica (atendimento de psicólogos aos colaboradores); e uma área de inteligência, responsável por coleta e análise de dados.

A seguir, Tatiana fala sobre os desafios encarados em sua trajetória e por que saúde mental é uma tema estratégico para as corporações:

 

Como uma engenheira civil virou uma empreendedora da área de saúde mental?
Em 2012 tive um quadro de depressão. Eu tinha acabado de ficar noiva e a pessoa começou a achar que mandava em mim.

Eu não podia viajar, não podia trabalhar, não podia sair com amigos. Começou uma relação extremamente complexa de ciúmes que foi se transformando em uma relação abusiva.

Quando tentei terminar, ele me trancou por 16 horas em cárcere privado e falou assim: “se você não casar comigo, eu te mato”. No dia seguinte, fui trabalhar como se nada tivesse acontecido…

Só que depois a conta veio. Comecei a ter pesadelo, não conseguia dormir, acordava suada, chorando, agoniada.

Fui ao médico por causa da insônia e ele me deu um remédio pra dormir que me descompensou inteira. O quadro foi piorando e levei uns meses pra entender que aquilo não era normal.

Só comecei a me dar conta quando eu não tinha mais vontade de levantar da cama, já estava com alteração de apetite e comecei a perder as coisas… Perdi a chave de casa, os óculos, a carteira, o voo.

Foi quando caiu a ficha de que eu precisava de ajuda. Só que a experiência de buscar ajuda no plano de saúde foi péssima. Passei por três psicólogos muito ruins — e um deles, inclusive, dormiu na minha sessão

Acabei tratando com um psicólogo particular e a vida seguiu. Em 2015, fui desligada da Hilti e, no mesmo dia, fiquei sabendo que meu pai estava com câncer.

Quando fui procurar médico foi um caos de novo. Ele morava em Corumbá e eu queria uma consulta de telemedicina para não ter que deslocá-lo de avião pra São Paulo sem ter certeza do que fazer. Não consegui.

Enfim, trouxe meu pai, mas a gente podia ter feito pelo menos a consulta inicial e a triagem por vídeo. Quando ele voltou para Corumbá, eu já estava fora do mercado há quatro meses, tinha uma reserva financeira importante e decidi esperar para voltar.

Fui gastar o meu tempo em coisas de inovação e comecei a ir em Startup Weekend, evento de aceleradora, sempre com a cabeça em saúde.

Nesse período, participei da feira Hospitalar e conheci o Paulo Chapchap [que durante quase 20 anos foi diretor do Hospital Sírio Libanês] e o Luiz Reis, que era da inovação do Sírio.

Trocamos figurinha sobre como seria possível que o médico de Corumbá falasse com o médico do Sírio, por exemplo.

Depois do terceiro ou quarto café, eles disseram que não viam a telemedicina funcionando nos próximos anos e que talvez eu tivesse que pensar em outro negócio… E aí alguém comentou que a psicologia seria perfeita, porque só depende da fala. Pra mim, foi um momento eureka

Passei mais ou menos dois meses estudando, pesquisando e lendo coisas sobre saúde mental e a Vittude nasceu em maio.

Você já disse que na fase inicial da Vittude ficou três anos sem salário e chegou a alugar o seu quarto para conseguir pagar o aluguel do apartamento. O que tudo isso te ensinou?
Saí da Hilti em agosto de 2015. Nas minhas contas, eu tinha reserva financeira para ficar dois anos sem salário.

Só que fiquei sem salário até 2018, quando a gente começou a receber um pró-labore pequeno. Então, houve um período bastante crítico em que a reserva já tinha ido embora.

O meu maior custo em São Paulo era o aluguel. Resolvi alugar meu quarto no Airbnb algumas vezes no mês. Nesses períodos eu ficava em casa de amigos. Passei 15 meses nessa função de alugar o quarto e ficar fora de casa para manter o zero a zero no meu apartamento.

Sempre me achei resiliente, mas ali desenvolvi uma tolerância à dor maior porque a gente sofreu muito nos primeiros anos com a dificuldade do mercado em acreditar que a tese de saúde mental era viável. Ninguém acreditava que as pessoas poderiam fazer terapia online

Além disso, não existia regulamentação. Fazer terapia online era proibido e ninguém colocava dinheiro porque não daria certo, né?

Outro aprendizado foi lidar com a própria autoestima, porque foi uma fase em que comecei a duvidar de mim.

Todo mundo falava que eu estava maluca quando resolvi abrir isso aqui — e comecei a achar que as pessoas tinham razão. Um lado me falava pra desistir e procurar emprego e o outro pra continuar que ia dar certo.

E o que te fez ouvir o lado que dizia para continuar?
Não sei se a palavra certa é propósito, mas eu sabia que aquilo precisava mudar. Sabia que dava pra mudar, mas precisava de muitos aliados ao meu lado.

Então, o grande desafio foi tentar achar as primeiras pessoas que topassem entrar na brincadeira.

Quando conseguimos achar o primeiro investidor-anjo, que foi a Vetor Editora, tivemos um momento pra respirar e ganhar um pouco mais de maturidade. Quando a Redpoint entrou, em 2019, eu tinha certeza que morrer a gente não ia mais

Foi aquela certeza de que estávamos com os parceiros certos para fazer esse negócio acontecer.

Mas sempre tive essa inquietação de que esse negócio precisava ser diferente, principalmente por ver o tanto de gente que sofre calada e, muitas vezes, sequer reconhece que tem um problema.

A Vittude nasceu como um marketplace para conectar pessoas e psicólogos e, depois, pivotou para um negócio B2B. O que aconteceu?
Ficamos puramente marketplace até 2017. Em 2018 fizemos o primeiro teste com modelo de negócio B2B por causa de dois acontecimentos.

Um foi a regulamentação da terapia online, que a gente já sabia que aconteceria porque eu atuei muito fortemente junto ao Conselho Federal de Psicologia.

O outro acontecimento foi que a OMS se posicionou em relação ao burnout pela primeira vez, dizendo que em quatro anos haveria uma mudança no código de doenças internacionais (CID) e o burnout seria equiparado a uma doença do trabalho.

O meu começo de carreira foi na área de auditoria, então eu sabia que se isso [burnout] fosse acidente de trabalho teria custo previdenciário, custo trabalhista — o que mudaria o jogo

Fui procurar algumas empresas pra ver se alguém tinha entendido o que o OMS estava falando ou se estava todo mundo perdido. E a primeira que se interessou em montar um programa foi a Resultados Digitais, que agora é a RD Station.

Eles queriam montar um programa de bem-estar, embora não tivessem o que a gente chama de dor real. Eles queriam cuidar e atrair bons colaboradores.

Fizemos um piloto com 20 pessoas e, no final, 18 disseram que se a RD continuasse a investir em saúde mental elas continuariam fazendo terapia

Aí, no ano seguinte, fizemos um contrato para todos os colaboradores da organização e, com esse contrato, fomos buscar uma rodada para escalar esse modelo B2B. E fechamos com o Redpoint.

Por que as empresas estão aderindo a programas de saúde mental? 
Algumas empresas começaram a entender que investir em saúde mental afeta o resultado financeiro da organização. Como agora o burnout é equiparado a uma doença do trabalho, há uma série de obrigações que precisam ser cumpridas.

Quando a organização começa a afastar muita gente por transtornos mentais, por exemplo, o imposto dela sobe por causa do FAP [Fator Acidentário de Prevenção] que vai de 0,5% até 2,5%. Esse múltiplo incide em cima da folha de pagamento inteira e, para muitas empresas, é um grande ofensor.

O absenteísmo também está custando em alguns segmentos, como escritórios de advocacia, onde não há tanta notificação de afastamento porque, em geral, as pessoas são super sênior ou sócias, mas têm uma perda de receita significativa porque o advogado mais sênior não estava trabalhando.

Eu já ouvi pessoas defendendo que a empresa não tem que se responsabilizar pela saúde mental dos funcionários porque “cada um é responsável por si”, e outras dizendo que, sim, é preciso se responsabilizar. Queria ouvir de você: onde começa e onde termina a responsabilidade de cada parte em zelar por essa saúde mental e pelo bom ambiente de trabalho?
Para mim, o primeiro ponto é que todo empregador tem uma responsabilidade social. Se a gente pensar nas letrinhas do ESG, a saúde mental entra tanto no ‘S’ quanto no ‘G’. O ‘S’ é a responsabilidade de cuidar.

Independentemente da origem do adoecimento do colaborador, a empresa é responsável. Se uma pessoa tiver câncer, ela vai ter que apoiar. Se uma pessoa tiver depressão, também.

Quando falo de Governança, o que acontece é que não olhar custa caro porque há um volume muito grande de pessoas sofrendo com transtorno mental. Esse número aumenta a cada ano — e o INSS vem registrando recordes subsequentes

No ano passado, foram 288 mil pessoas afastadas, 38% de crescimento em relação a 2022. Pelo que estou vendo, este ano vai pelo mesmo caminho. Tem empresa com 40% de crescimento. A conta vai ficar cara.

Se as empresas não cuidarem [da saúde mental], elas não vão ter eficiência, porque vão parar. Com o avanço tecnológico e a Inteligência Artificial, temos muitos cargos e profissões novas que usam a nossa capacidade cerebral.

Então, cada vez mais vamos depender do nosso potencial cognitivo. Se eu estiver prejudicado em relação a ele, como vou ser criativa? Como vou inovar? Como vou construir um algoritmo?

Em 2020, quando a pandemia começou, a Vittude já estava atuando com B2B. Foi um período em que os problemas de saúde mental explodiram e a Vittude também cresceu muito, indo de quatro para 200 clientes em 2022. Qual foi o real impacto da pandemia para a Vittude? As empresas tiveram um aumento real nos problemas de saúde mental, ou agiram preventivamente, com medo de que isso acontecesse?
Eu acho que naquele primeiro momento teve uma sobra de budget em todo lugar. Ninguém investia em saúde mental porque não tinha dinheiro.

Quando a pandemia chegou, coisas como viagem e eventos ficaram congeladas e várias empresas alocaram esses investimentos em saúde ou benefícios novos. Mas também tivemos aqueles picos de 4 mil mortes por dia — e, ali, as empresas tinham dores reais, como acolher um familiar com luto

Então teve, de forma muito genuína, as empresas que se prepararam para cuidar das pessoas naquele período mais crítico e que, ao final da pandemia, simplesmente pararam de investir. Era algo momentâneo para aquela dor. E tivemos cancelamentos de contratos no pós-pandemia.

Vocês já estavam esperando isso?
Acho que foi muito mais um entendimento e um amadurecimento do perfil de cliente.

Quando entramos na pandemia, vendemos para todo e qualquer tipo de empresa. Então, tinha empresas de dez colaboradores que contrataram a Vittude, e tinha empresas de 90 mil colaboradores.

Com o fim da pandemia, a saída das empresas em volume foi até significativa, mas em massa monetária, quase nada. Porque, na verdade, quem começou a cancelar foram as pequenas empresas que estavam fazendo algum tipo de conserto.

Foi quando a gente percebeu qual era o nosso cliente ideal. Então, as empresas grandes, de fato, estão com a gente até hoje. E as pequenas, não mais.

O que fica claro é que as empresas menores nem sequer têm maturidade pra falar de saúde mental ainda. Muitas vezes, uma empresa abaixo de mil colaboradores nem tem RH estruturado. E não tem ainda a área de saúde, que é o nosso grande comprador

A nossa persona principal é o médico do trabalho, que conhece esses números de afastamento, esses dados de custo previdenciário. E, no Brasil, você só é obrigado a ter um médico do trabalho acima de mil colaboradores.

Então, hoje, o nosso perfil de clientes são empresas com mais de mil colaboradores.

E como você cuida da sua saúde mental hoje em dia? 
Ah, eu acho que tenho alguns bons hábitos de saúde que servem tanto para saúde mental quanto para saúde física.

Quatro vezes por semana tenho meu horário bloqueado para ir ao Parque Ibirapuera fazer meu treino. Fiz recentemente a meia maratona no Rio.

Também cuido do sono, porque a coisa mais simples que você pode fazer pela sua saúde mental é dormir.

Então, tento fazer um processo de não ficar conectada com o celular ou TV depois das nove da noite. Tenho até um despertador que toca por volta das 21 horas para me lembrar de já me distanciar das telas

Faço terapia uma vez por semana, o que me ajuda demais em termos de elaboração, de olhar para as coisas que estou fazendo. E também cuido da alimentação, principalmente da ingestão de carboidrato e açúcar.

No fim, não é um cuidado muito diferente daquele que temos com a saúde integral.

COMPARTILHAR

Confira Também: