Enfrentar a hegemonia da cerveja, da vodca, da caipirinha, do Corote, do Xeque Mate, do vinho e de todas as bebidas alcoólicas presentes no dia a dia do brasileiro tem sido o grande desafio dos dois controladores, cofundadores e gestores da Kiro, uma bebida “para adultos” sem álcool, 100% nacional e que já vai para seu oitavo ano de vida.
Segundo Roberto Meirelles, 39, e Leeward Wang, o Lee, 38, esse desafio transcende o escopo do marketing e chega à esfera cultural. “O álcool é unanimidade. Fomos educados a termos um acompanhamento etílico para cada ocasião de nossas vidas, nas vitórias ou nas derrotas”, escreveu Roberto, recentemente, nas redes sociais da empresa. “Nosso desafio é cultural, econômico, político e social.”
O duo não enxerga seu produto a concorrer com sucos, chás, kombuchas, água de coco ou refrigerantes, daí o “para adultos”; e daí, também, a contínua menção às bebidas alcoólicas. Segundo Roberto:
“Não é refrigerante, não é chá, não é um ginger ale. Nosso produto é um grande ornitorrinco”
Tecnicamente, Kiro é um switchel, bebida cuja origem é incerta, mas que, segundo fontes citadas por Lee, tem desde priscas eras os ingredientes utilizados por eles: água, gengibre, vinagre de maçã e um adoçante natural. Mas switchel é um nome “difícil de falar e de escrever”, como reconhece Roberto, e essa categorização vem sendo deixada de lado pela empresa.
Alguns componentes do produto foram mudando ao longo dos anos: por razões econômicas, saiu o mel, entrou o suco integral de cana e depois de maçã; dançaram ainda as garrafas, vieram as latas de alumínio; e, mais importante, com a troca de embalagem a bebida passou a ser gaseificada – sem gás no início, havia a sugestão de ser servida em copos com gelo, como um drinque longo.
Em janeiro de 2018, quando apareceu pela primeira vez aqui no Draft, a Kiro produzia 9 mil garrafas por mês. Desde 2023, a produção é terceirizada, a cargo de duas pequenas unidades fabris (uma antiga cervejaria e uma fábrica de molhos), de onde saem, mensalmente, 60 mil latas.
Num momento de ascensão da cerveja “zero” e do desinteresse crescente do consumidor jovem pelas bebidas com álcool, talvez seja o caso de problematizar esse campo de batalha programático de Roberto e Lee.
Só que há seis ou sete anos, o cenário era outro, e a espera por essa mudança de shift ideológico e narrativo no gosto pelo álcool orientou os passos da Kiro até aqui.
“Nosso cuidado até hoje foi de entender o momento certo [para o investimento forte na Kiro]. Se você abrir o Instagram agora vai encontrar um monte de matérias sobre bebidas sem álcool – algo que não existia há seis anos. Fala-se muito em product market fit, ajustar o produto ao mercado – mas no nosso caso seria mais correto dizer market product fit, a adequação de um mercado ao nosso produto”
Para Roberto, essa adequação do mercado está finalmente acontecendo. “A onda chegou. Hoje você tem Ambev, Coca, Diageo, todas essas companhias com projetos relevantes de bebidas não alcoólicas”. O empreendedor crê que seria “tiro no pé” colocar esse mesmo pé no acelerador antes que a “onda” viesse.
É verdade que é difícil cravar se esse tempo, ou a aurora dele, de fato chegou, mas em 2025 o duo começa a pensar em investimentos mais ousados. Até aqui não houve rodadas de captação à maneira das startups, e sim financiamentos conservadores junto a bancos e programas governamentais como o Pronampe, além de vaquinhas com familiares e amigos.
O que pode vir por aí é um reposicionamento da estratégia financeira e operacional, além do lançamento de uma linha com preços mais acessíveis, agora não mais com o gengibre em natura, mas como extrato. Não está descartada a retomada da fábrica própria.
Uma inspiração, hoje, para o Kiro é um produto similar lançado (em 2018) nos Estados Unidos: o Olipop, que se define como um “novo tipo de soda”, com probióticos e menos açúcar.
O Olipop “mexeu no mercado”, nas palavras de Roberto. Trata-se, segundo ele, de uma espécie de refrigerante para adultos com “mais sofisticação de paladar” e “ingredientes melhores”.
“A gente sempre foi mais conservador financeiramente”, diz. “Os anos de 2020 e 2021 foram de boom do venture capital, víamos empresas captando caminhões de dinheiro, mas essa nunca foi a nossa.” E emenda:
“Tínhamos a convicção de que seria difícil empurrar goela abaixo um novo produto, uma nova proposta que exigia repensar a relação com o álcool. Sempre foi uma história complexa de ser contada, por isso entendemos que o tempo era o componente mais valioso dessa jornada”
Ser uma bebida “para adultos” sem álcool implica ainda algumas complicações adicionais de marketing, especialmente em relação à exposição e à promoção – um dos famosos quatro “pês” do cânone da disciplina, preceito popularizado pelo estadunidense Philip Kotler na década de 1960.
Nos supermercados, pode-se encontrar Kiro ao lado de chás e kombuchas, embora ele não seja infusão nem fermentado; e nas pesquisas de mercado, diz Roberto, o produto aparece agrupado com as bebidas alcoólicas.
Quatro sabores estão atualmente em linha, mas regularmente são produzidas edições especiais e “collabs”. Não há conservantes, estabilizantes nem cafeína na receita; cada lata (de 310 ml) tem 62 calorias.
Espécies da biodiversidade brasileira entram na composição da bebida, incluindo ingredientes de origem amazônica, como cupuaçu (em polpa), semente de cumaru e pimenta jiquitaia.
O uso desses ingredientes amazônicos se inscreve no que Roberto e Lee chamam de “utopia de um mundo melhor”, que inclui a opção exclusiva pela agricultura familiar no fornecimento dos insumos.
Por isso o produto tem o selo SENAF, com o qual o governo brasileiro reconhece as empresas que participam dessa cadeia; a Kiro está também no Sistema B, certificadora que exige da empresa pleiteante o cumprimento de uma extensa pauta ESG; e ainda há o selo de produto vegano pela Sociedade Vegetariana Brasileira.
Porém, segundo Roberto, quando o consumidor se vê diante do dilema do preço, ele acaba desconsiderando muitas dessas chancelas.
“Grande parte não sabe, por exemplo, o que significa ser uma empresa B. Ter esses selos talvez não seja uma vantagem competitiva… Devolver para a sociedade exige força de vontade, e tudo isso entra um pouco na nossa utopia de empreendedores, de [colocarmo-nos como] uma ferramenta para um mundo melhor. O discurso soa piegas, mas é muito sincero”
Segundo Roberto, as bebidas alcoólicas transitam num segmento com menos obrigatoriedades, até mesmo em relação aos descritivos de embalagem. A coisa é diferente para o switchel.
Uma profissional de marketing, replicando postagem de Roberto no LinkedIn, escreveu que por conta do gengibre, a bebida, de que se confessa fã, é “santo remédio para enjoos de quimioterapia”.
Agradecido, o executivo treplicou mencionando as muitas mensagens que recebe de “pessoas que bebem Kiro para controlar enjoo, inclusive grávidas”. Mas que, por questões regulatórias, não pode comunicar isso na embalagem nem em peças de divulgação.
Neste ano de 2025, a dupla Roberto e Lee realizou um movimento inédito: abrir espaço, no único PDV próprio da Kiro – uma antiga banca de jornal transformada em quiosque da marca (na Rua Cônego Eugênio Leite, em Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo) –, a outras bebidas da categoria “para adultos” sem álcool.
Na convocatória postada nas redes sociais, Roberto já havia circunscrito sua grande questão: “Uma andorinha só não faz verão. A iniciativa pode parecer contraintuitiva, mas nosso desafio vai além de trabalhar para que a receita supere os custos e despesas no final do mês (…). Vender bebidas sem álcool para que adultos consumam socialmente é um pepino bem maior do que parece”.
Ao todo, onze marcas aterrissaram na “Bankiro”, entre elas Baer Mate, Wewi, Matury, Etapp e Joy. Na conversa com este repórter, Roberto celebrou a boa resposta da parceria:
“Um monte de marcas pequenas, cada uma com uma voz muito baixa, a união gerou uma amplificação dessa mensagem em escala que não seria possível antes. Acho que há muita gente que está repensando o consumo excessivo do álcool depois da iniciativa da banca.”
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