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“Tive que sacrificar minha segurança e boiar por aí no vazio, até me encontrar em um novo setor”

Fernanda Véga - 29 dez 2017 Fernanda Véga não amava o trabalho mas estava satisfeita com ele. Até que a crise do setor petroleiro lhe deu uma rasteira. Demitida, sem grana, deprimida, ela conta como se reergueu.
Fernanda Véga não amava o trabalho mas estava satisfeita com ele. Até que a crise do setor petroleiro lhe deu uma rasteira. Demitida, sem grana, deprimida, ela conta como se reergueu.
Fernanda Véga - 29 dez 2017
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por Fernanda Véga

Tudo parecia bem. Aos 38 anos, eu ocupava um cargo de liderança bem remunerado. Vinha batendo ponto há quase 20 anos em um setor (o petroleiro) com o qual não amava trabalhar, em um mercado altamente rígido e hermeticamente fechado à criatividade, mas a vida seguia equilibrada: saúde OK, família OK, desejos de consumo devidamente atendidos.

A falta de realização profissional era sistematicamente compensada com uma viagem de férias para bem longe todo ano, uma pós graduação interessante aqui, um curso holístico ali… Até que aquela tal marolinha foi substituída por um tsunami que assolou a economia do país. De repente, lá estava eu, boiando como uma geladeira na enchente.

Em meio à catástrofe, fiquei sem rescisão, simples assim: o setor de petróleo & gás quebrou e não foi diferente na empresa onde eu atuava. Em seguida, consegui um emprego no qual receberia a metade da minha remuneração anterior. Ali, passei três meses de imersão absoluta para entender uma cultura organizacional estranha e, logo, senti o famoso gosto biliar de rejeição e inadequação da primeira demissão, que, afinal, a gente nunca esquece.

Nesse meio tempo, meu marido recebeu uma expatriação para França pela multinacional (também do setor de petróleo & gás) em que trabalha. Pronto! Seria o scape perfeito! Já com as malas prontas, a expatriação virou pó do dia para noite. Com a crise instalada no país e o preço do barril de petróleo no chinelo, as diretrizes da empresa tinham mudado e lá vinha outro caixote. A mim, só restou assistir a tudo tentando não afundar junto com o inferno astral da economia, do setor de energia, e do Rio de Janeiro.

Então, em algum momento de 2016, eu me permiti desabar. Sucumbi len-ta-men-te. Começou com a minha tireoide colapsada e a falta de vontade de levantar da cama. Minhas reservas zeraram e passei a depender do meu marido para pagar a fatura do meu cartão de crédito todo mês. Sim, para mim, isso representava o fundo do poço. Nada contra algumas amigas que não trabalham, em um arranjo familiar incrível e consensual entre as partes, mas este não era um formato no qual eu me reconhecesse.

As pessoas perguntavam sobre planos — para amanhã, para o segundo semestre, para a minha carreira, para concretizar meu propósito de vida — e eu só tinha que levar e buscar meu filho no colégio e passar no supermercado. O resto estava oco. Sem respostas

Cheguei a tal ponto de vulnerabilidade que só me restou juntar os caquinhos do meu fracasso. Nessa hora, instintivamente comecei a reativar meu networking. No meu caso, este era um valioso ativo, pois sempre apreciei o “material humano”, conjugava o verbo “empatizar” nos trabalhos e projetos que participei. Em algumas circunstâncias, claro, não provoquei e não senti toda essa empatia, mas o fato é que sempre fui ligada em apoiar pessoas e grupos a expressarem suas potencialidades através da criatividade, de inclusão, de espontaneidade, por mais rígidos e cinzas pudessem ser os ambientes em que atuei.

Foi em uma tarde, fazendo leitura de aura na Ilha da Gigoia (micro arquipélago na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro) junto com uma amiga com quem trabalhei antes, Marcelli Tavares, que pintou a ideia de fazermos um projeto voltado para mobilização de cadeia produtiva de cerveja artesanal.

Por que não replicar o nosso expertise de rodadas de negócios e desenvolvimento de fornecedores do setor de energia para o ecossistema de cerveja artesanal?

Marcelli tinha acabado de sair de um projeto onde conheceu a “tribo” craft beer carioca e, a essa altura, já tinha sido abduzida pela cultura colaborativa e vibrante dessa galera, que começou a fazer história há pouquíssimo tempo, coisa de sete anos para cá. 

Os passos seguintes foram de planejamento do projeto, mapeamento de gargalos e oportunidades, articulação junto a entidades de classe que pudessem apoiar a ideia de um evento de nicho para o negócio da cerveja artesanal; corpo a corpo com dezenas de expoentes da cerveja artesanal; viagens de prospecção e participação em muitos eventos para construir um novo networking.

O projeto Craft Beer Business (CBB) saiu do papel em abril deste ano, inclusive em eventos corporativos que conectam o meu novo job com o mercado tradicional de onde vim. Foi muito legal ver, de outro lugar, os velhos amigos do petróleo fazendo negócio com o meu copo de cerveja artesanal na mão.

Tenho um mentor, Marc Dias, quem defende que a bagagem de cada pessoa é única e valiosa. Nessa linha, comecei a conectar minhas vertentes de economia, moda, antropologia do consumo e marketing. Comecei a conectar varejo e corporativo, encontrando o nexo entre minhas experiências no mercado tradicional e a transição para o próximo projeto profissional, e de vida, que entendo ser voltado para o que chamo de “criatividade empática”. Também brinco que sou uma “nexalista”, por sempre descobrir novas possibilidades de conexão entre parceiros às vezes inesperados.

O meu novo setor é composto de cervejeiros ciganos (aqueles sem fábrica própria), cervejarias com linha de produção própria, fornecedores de insumos, equipamentos, distribuidores, designers (que fazem rótulos incríveis) e vários outros. Nossa intenção, com o CBB, é fomentar negócios do malte à torneira. A cultura cervejeira artesanal por aqui ainda tem muito malte para colher e o kick-off já foi dado.

Quanto a mim, tive que sacrificar minha segurança e boiar por aí no vazio. Por sorte e por fé, me mantive fiel à minha criatividade e ao meu interesse por novas pessoas e suas histórias

Graças a tudo isso, pude fazer virem à tona insights mais fortes e visões mais amplas de mim mesma. Agora, espero muito mais cor e vida para a próxima temporada.

 

 

Fernanda Véga, 40, é mãe do Guilherme, casada com Eduardo, economista de formação (muito mais ligada em criatividade e gente do que em índices financeiros) e profissional de marketing por convicção. É fundadora do Craft Beer Business, projeto que visa fomentar o mercado cervejeiro artesanal brasileiro.

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