Por que a participação feminina ainda é menor do que a masculina em cargos de liderança? De acordo com um levantamento do Instituto Ethos (2016), apenas 11% das mulheres ocupam posições de alto comando nas 500 maiores empresas do país.
Por que as mulheres ainda ganham menos do que os homens, mesmo quando ocupam a mesma função? Segundo estudo do IBGE (2018), elas recebem 22% menos (e conforme o cargo aumenta, a disparidade também sobe).
Por que a Síndrome do Impostor (no caso, impostora) é mais incidente em mulheres? Um estudo publicado na revista Science (2017) mostra que desde os 6 anos de idade meninas se veem como menos brilhantes do que seus colegas do sexo oposto.
Parte dessas perguntas encontra resposta nas diferenças da educação recebida por mulheres e homens, um fator intimamente relacionado ao machismo. Como afirma Carine Roos, cofundadora da Escola de Liderança e Desenvolvimento ELAS:
“A gente não é educada para ousar, liderar ou arriscar. Já os homens são sempre incentivados a levantar a mão e dizer o que pensam”
Essa dinâmica, diz Carine, muitas vezes restringe a mulher a voltar seus esforços de desempenho para um papel que ainda é o do cuidado, da casa, do filho. “Se ela sai desse estereótipo e é mais assertiva na sua fala, é chamada de agressiva.” Nessa busca por “equilibrar os pratinhos”, acaba tendo a autoestima e a autoconfiança abaladas.
Carine cita um estudo da HP que mostra as diferenças de postura em um processo seletivo. Enquanto as mulheres tendem a se candidatar às vagas anunciadas apenas quando reconhecem que tem 100% dos requisitos exigidos, os homens já estão se arriscando com 60%. “Isso mostra como nós somos autocríticas em relação a nossas habilidades.”
Para acabar com esse tipo de comportamento e combater o machismo no universo corporativo, Carine e a sócia Amanda Gomes fundaram, em 2017, a ELAS, que se intitula a primeira escola de liderança feminina do país, com foco no “desenvolvimento pessoal e profissional” de mulheres.
A construção do negócio tem muito a ver com as inseguranças, as dores e os preconceitos que elas mesmas sentiram atuando em cargos de liderança. “Acho que todas as mulheres no começo pensam ‘eu não sou boa o suficiente’”, diz Carine. “Até vermos que existe uma questão estrutural na sociedade.”
Ela e Amanda perceberam que não estavam sozinhas nessa batalha de se provar diariamente como profissional competente. E decidiram unir forças para ajudar mais mulheres.
DURANTE O MVP, ELAS FECHARAM A PRIMEIRA TURMA DA ESCOLA
Carine se formou em Comunicação Social e Sociologia e atuou por dez anos com comunicação digital, especializando-se em Equidade de Gênero e Inovação. Ela passou por diversas agências de publicidade, pelo Hospital Albert Einstein até chegar à UNICEF e à UNESCO, lugares em que se identificou com o propósito de gerar mudanças e impactar a sociedade.
Apesar da área de comunicação ser bem feminina, a parte tech é majoritariamente masculina e técnica. Mesmo trabalhando em locais que visam o propósito e a igualdade, ela vivenciava o preconceito:
“Sentia minha voz sendo tolhida, minha capacidade intelectual sendo questionada, projetos meus sendo creditados a outros colegas”
A partir desse incômodo, começou a se envolver mais a fundo nessa questão, criando uma organização sem fins lucrativos para ajuda a fomentar mulheres no setor tech, o MariaLab, e a consultoria de liderança Technology UP[W]IT (Unlocking the Power of Women in Technology).
Amanda, por sua vez, veio de uma jornada de 20 anos no mundo corporativo, sendo 17 deles dentro da área comercial em empresas como Oracle, Dia e Ultragaz. Formada em Administração de Empresas, ela desabafa:
“O divisor de águas foi quando assumi uma função de gerência. O primeiro grande entrave na carreira de uma mulher, que impacta na questão da autoconfiança, é quando ela assume uma posição de liderança”
E prossegue: “Para mim foi caótico, justamente por ter que me provar em diversas condições. Tive, inclusive, um episódio de assédio moral que quase me fez desistir da minha carreira”. Mas ela seguiu em frente, foi em busca de autoconhecimento e desenvolvimento e galgou posições ainda maiores, sempre sendo a única mulher em cargos de liderança nas empresas em que trabalhou.
Sua última passagem como contratada, após a licença maternidade, foi como diretora de estratégias e desenvolvimento da fintech Avista Cartões, ocasião em que teve a oportunidade de criar um treinamento interno de liderança para líderes da companhia. Apaixonada por essa área, decidiu desenvolver um programa online de treinamento e começou a frequentar organismos de empoderamento feminino.
Após um convite de Carine para que Amanda palestrasse em um dos eventos que ela promovia, o inconformismo das duas se somou e deu início ao projeto da ELAS. No primeiro treinamento que realizaram juntas, em agosto de 2017, o MVP do negócio, apresentaram um pitch do que seria a escola. No mesmo dia, oito mulheres se interessaram e compraram a ideia.
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“Aplicamos mais duas palestras gratuitas e fechamos a primeira turma com 24 mulheres”, lembra Amanda. Em março de 2018, o negócio começou a operar. De lá para cá, a escola já formou 18 turmas (13 no B2C e cinco no B2B) e ganhou recentemente uma certificação internacional, a Women Owned da WEConnect Internacional, gerenciada pelo WBENC e pelo WEConnect International, duas organizações sem fins lucrativos dedicadas a promover o sucesso das Empresas de Mulheres (WBEs) nos Estados Unidos e em todo o mundo.
A MENSURAÇÃO É O GRANDE DIFERENCIAL DO NEGÓCIO
Mais de 7 mil mulheres já foram impactadas pelos treinamentos e workshops da ELAS. De acordo com as sócias, 70% das participantes têm entre 27 e 40 anos e estão decidindo se vão para uma carreira de gestão ou de especialista. Muitas estão em posição de liderança ou nível sênior e questionam suas capacidades. As outras 30% são altas executivas acima dos 40 anos, fundadoras ou mulheres em transição de carreira, em busca de empreender ou de um propósito. A maioria faz parte do universo corporativo, mas mulheres de outras áreas também procuram os treinamentos.
Para saber como cada uma dessas alunas se desenvolveu durante os cursos, Amanda e Carine realizam a aplicação de um questionário de mensuração antes e depois da experiência.
Dessas avaliações, por exemplo, elas constaram que das 700 mulheres que já passaram pelo principal treinamento da escola, 30% foram promovidas ou receberam aumento salarial.
A cada turma, as sócias também analisam mais de 50 métricas relacionadas a competências socioemocionais. A avaliação é feita pelas participantes, mas também no ambiente de trabalho, para saber como seus pares e líderes perceberam a evolução. Entre os dados coletados, foi possível entender em uma das turmas (a 11ª) que, em três meses, as participantes aumentaram em 57% a capacidade de administrar conflitos e atingir seus objetivos, em 48% o nível de confiança e em 58 % a propensão de superar bloqueio.
Além de oferecer os cursos no B2C, a escola disponibiliza os treinamentos no B2B. A Accenture, por exemplo, recorreu aos serviços da ELAS porque tem como meta global ter 50% dos líderes do sexo feminino até 2025. Já no caso do Banco de Brasília, a contratação ocorreu porque o CEO pretendia criar um pipeline dentro da empresa, que nunca teve uma mulher presidente. Outro case é o da Ogilvy, que buscou a ELAS porque as mulheres na liderança não se sentiam confiantes.
O treinamento mais pedido, tanto no B2C como no B2B, é o Programa ELAS (4 597 reais), uma formação de 54 horas de duração distribuídas em três meses e módulos, que trabalham o autoconhecimento, forças/fraquezas e técnicas de negociação e de influência. Mas a escola oferece também uma imersão de apenas um dia (ELAS Day), além de workshops menores, de duas horas, com foco em autoconfiança, poder de influência e autoridade, e autoestima da mulher negra.
COMO AJUDAR MULHERES A SE DESENVOLVEREM NO DISTANCIAMENTO SOCIAL
As empreendedoras acreditam que os deslizes nos outros negócios que tiveram evitaram novos erros com a ELAS. Amanda, que teve seu primeiro negócio aos 23 anos, diz:
“A escola é um efeito de frustrações e aprendizados dos nossos empreendimentos anteriores. Na minha outra empresa, investi todo recurso em estratégia digital sem ter muito embasamento nisso. Quando a gente montou a escola, não tinha nenhum recurso. Colocamos nossa bagagem e nosso tempo, 20 horas de trabalho por dia, mas não tinha um real”
Essa mentalidade fez com que, no início, as sócias reinvestissem todo o lucro e fizessem a primeira retirada apenas um ano depois. Para elas, mesmo a pandemia está trazendo bons aprendizados.
“Hoje, com a Covid, muitas startups têm um processo curto de vida pensando nas finanças e acho que a forma como a gente geriu os primeiros anos deu fôlego para aguentarmos esse momento sem impactar nossos colaboradores e nossa entrega”, conta Carine.
Antes da crise, as empreendedoras tinham certa resistência em entrar no universo online por acreditarem que o diferencial da proposta estava justamente no encontro olho no olho. Mas o adiamento dos treinamentos por causa do distanciamento social fez as sócias repensarem.
Em três dias, elas disponibilizaram os cursos e workshops de forma virtual para quem já era aluna. E, aos poucos, foram abrindo para novas clientes. Em duas semanas, 70 mulheres se cadastraram. Assim, nasceu a plataforma Comunidade ELAS, que já está sendo procurada pelas empresas que antes tinham adiado seus treinamentos.
“A Covid veio bem no mês das mulheres, em março, quando tínhamos uns 30 eventos agendados. Todos foram prorrogados para maio, mas muitas empresas já estão aderindo agora ao formato online”, diz Amanda. “A plataforma funciona como uma nova entrada de produto na escola e mostra que a gente pode alcançar não só mulheres de São Paulo, mas do Norte, do Nordeste e até de outros países.”
As sócias admitem, no entanto, que se não houvesse crise, a entrada no mundo digital seria bem mais lenta. “Fomos provocadas a fazer essas mudanças e estamos tendo muitos aprendizados e adaptações no meio de tudo isso”, afirma Carine. E complementa:
“É um contexto complexo, muitas alunas foram demitidas e tiveram redução de salário. Ao mesmo tempo, elas estão num momento de ansiedade, de sobrecarga com as tarefas de casa e de entenderem como navegar nesse novo normal”
Sobre os impacto do coronavírus no faturamento, a dupla acredita que o crescimento projetado de 1,12% não seja alcançado em 2020 e chegue no máximo a 0,8%. Mas o faturamento não deve cair e, sim, se manter, ficando na marca do que foi conquistado no ano passado, 1,3 milhão de reais. Elas também botam fé que a aceleração pela qual estão passando, do Quintessa, ajude a encontrar novas fórmulas e garantir a perenidade da empresa.
“É difícil mensurar o impacto porque ainda estamos sentindo como as coisas vão se desenrolar”, diz Amanda. “Reduzimos nosso salário, sem mexer no da equipe e diminuímos em 50% os custos do negócio. Calculamos que mesmo que o ritmo só volte ao normal em outubro, teremos como manter a sustentabilidade.”
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