A descoberta da gravidez é um momento mágico para qualquer casal.
Acompanhar a gestação do bebê e presenciar seu nascimento é uma experiência única, mistura de sensações e emoções que tomam conta de nós desde o início da jornada.
Automaticamente passamos a sonhar e fazer planos, criar expectativas para a criança que está por vir. Mas e quando as coisas não saem bem do jeito que você sonhou e esperou?
Em 2018, já éramos pais da Carolina, na época com 6 anos, e do Felipe, então com 3. Minha esposa Marina estava praticamente na reta final da terceira gestação. Quem estava chegando para aumentar a família era o Pedro.
Foi a gestação mais tranquila dela. Marina se sentiu muito bem e disposta, realmente iluminada. Realizamos todos os exames que são rotina no acompanhamento pré-natal e todos os resultados foram normais.
Durante uma consulta, a médica nos avisou que o fluxo do cordão umbilical não estava tão bacana, então o bebê não estava se mexendo muito. Ela nos recomendou fazer o parto no mesmo dia. Eram 36 semanas e 6 dias de gestação.
Tivemos algumas intercorrências ao chegar no hospital. O bebê não mexia, Marina recebeu medicamentos e ele voltou a reagir.
Nossos dois outros filhos haviam nascido de parto normal e o do Pedro deveria ser assim também. Estávamos um pouco tensos com esse momento, mas tudo foi evoluindo bem e o parto ocorreu de forma normal e rápida.
Depois do nascimento, percebi que a pediatra que examinou o Pedro começou a olhar muito pra ele. Voltou várias vezes para examiná-lo achei um pouco estranho. Afinal, já era o terceiro, sabíamos quais eram os procedimentos “padrão”
No dia seguinte nossa médica obstetra foi quem veio dar a notícia. Ela disse: “Vocês acreditam que a pediatra está achando que o Pedro nasceu com Síndrome de Down?”
Eu saí do quarto, procurei a médica pediatra que tinha examinado o Pedro e perguntei: “Quem mais examinou ele além de você?”. Seis médicos haviam examinado o nosso bebê e nenhum deles teve nenhuma dúvida com relação ao diagnóstico.
Voltei pro quarto e disse: “Má, é isso”. Nos abraçamos, começamos a chorar pelo banho de água fria do diagnóstico. Não por ser bom ou ruim, é claro, mas simplesmente por ser diferente e algo que não estávamos esperando.
Os principais indícios para a equipe médica ter percebido a Síndrome de Down foram a hipotonia — os bebês com essa condição são mais “molinhos” — e uma elasticidade diferente, maior que os outros bebês. No pé, o dedão era mais afastado dos demais, a orelha com uma dobra característica, a linha única na mão e a língua protusa.
Depois disso, vieram os exames. Vários deles foram feitos para analisar a possibilidade de problemas no coração, nos intestinos, na visão…
Aí começamos a pensar: “Será que o nosso filho vai ter problemas, não vai enxergar direito? Como será a qualidade de vida dele?”.
Nesse momento, perto de todas as “consequências” que essa condição pode trazer para a saúde dele, o Down virou apenas um detalhe.
Começamos a oferecer todos os estímulos necessários para que Pedro se desenvolvesse bem. Fisioterapeutas, fonoaudiólogos, tudo o que percebemos ser necessário para sua evolução.
E essa evolução foi muito nítida depois que ele começou a fazer os exercícios.
Quando o Pedro nasceu, encontramos uma certa falta de informação para quem não tem amigos ou parentes no seu círculo de amizades com Síndrome de Down.
Ao mesmo tempo, tivemos uma amiga que nos fez perceber que o Pedro faria tudo o que os irmão ou nós fazemos, mas por causa da sua condição, da trissomia do 21, existiriam trocas que só ele poderia ter.
Isso abriu nossos olhos de tal forma que pensamos em transmitir esse pensamento para as outras pessoas. E o nosso jeito de fazer isso foi passar a compartilhar o dia a dia do Pedro nas redes sociais, em um perfil no Instagram
Além disso, sabemos que muitas pessoas não têm condições de proporcionar aos seus filhos com Síndrome de Down o que nós oferecemos ao Pedro. Então, mostrando a nossa rotina e um pouco do que aprendemos e aplicamos com ele, podemos contribuir com essas pessoas. E essa troca tem valido muito a pena.
Eu fui criado em uma família que sempre me ensinou a respeitar as diferenças, mas que não me proporcionou explorá-las mais a fundo durante minha infância e adolescência.
Mesmo quando me tornei um adulto, mais consciente e independente, tampouco me envolvi de fato com pessoas ou ideias muito diferentes das minhas.
Fui entender a potência e a necessidade de fazê-lo aos 38 anos, após receber a notícia do diagnóstico da Síndrome de Down do Pedro. Desde então, tenho tentado “correr atrás do prejuízo”.
Assim, fui em busca de estudar o ecossistema da inclusão de pessoas com deficiência.
Me envolvi em alguns trabalhos voluntários em associações que acolhiam pessoas com deficiência intelectual e pude perceber que a realidade do Pedro não era a realidade da maioria das pessoas com deficiência no Brasil
Essa vivência somada à visibilidade que tivemos com a conta no Instagram fizeram com que eu desse um passo adiante e fundasse o Instituto Serendipidade.
Atuamos com iniciativas próprias para transformar o olhar da sociedade para o tema da inclusão.
O Projeto Laços, por exemplo, é uma rede de apoio que tem a proposta de acolher voluntariamente pais e mães que recebem a notícia de que seu filho tem alguma deficiência ou doença rara e buscam pessoas que passaram por uma história semelhante para compartilhar angústias e experiências.
Já o Programa de Envelhecimento atende adultos e idosos com deficiência intelectual, com programas de bem-estar e contribuição para o envelhecimento saudável, com protagonismo, autonomia profissional e para o desenvolvimento de protocolos de atendimento a essa parcela da população.
Trabalhamos principalmente com dois pilares: educação e conscientização de uma forma leve, positiva e propositiva, que combina muito com o nosso olhar sobre o fato de ter um filho com necessidades específicas.
O segundo pilar é o fomento de ocasiões de convívio inclusivo, naturalizando a presença de pessoas com deficiência na sociedade em geral — nas escolas, no mercado de trabalho, nos esportes, na arte, na cultura em geral.
A inclusão nos ensina a enxergar o mundo através de outras perspectivas, a nos colocarmos no lugar do outro, a respeitarmos as individualidades alheias. Afinal, todos temos as nossas, umas mais aparentes do que as outras
Revisitar conceitos tão básicos da natureza humana, muitas vezes esquecidos neste mundo em que vivemos, faz da diversidade uma poderosa ferramenta de engrandecimento pessoal.
CONSEGUIMOS ENTREGAR AÇÕES QUE GERAM VALOR DE MERCADO ATRAVÉS DA INCLUSÃO
Em 2022, resolvemos promover um evento para angariar fundos que seriam destinados as nossas iniciativas próprias, que são oferecidas à comunidade de forma gratuita.
No primeiro ano de realização do Virada de Chave, contamos com a presença do apresentador Luciano Huck, que destacou a importância da inclusão e transformação na prática.
Já na segunda edição do evento, no ano passado, Edu Lyra, criador da ONG Gerando Falcões, trouxe toda a sua expertise na temática da inclusão de pessoas que geralmente estão à margem da sociedade.
Nas duas edições do evento, contratamos pessoas com deficiência para trabalhar e fazer parte das atrações culturais, valorizando o protagonismo e a identidade.
A principal forma de arrecadação foram leilões beneficentes, em que tivemos arrecadação recorde para o setor: mais de 1 milhão de reais foram alcançados graças ao público presente e aos patrocinadores
Antes dessas duas edições já havíamos realizado outros eventos que contaram com a participação da Xuxa, como embaixadora do Serendipidade, e outros parceiros como Disney, Life By Vivara, Reserva e Reserva Mini, EspaçoLaser e Leiturinha.
Além deles: Machado Meyer Advogados, KPMG, Ambev, PHA Advogados, Arymax, Hospital Israelita Albert Einstein, Green Mining, OOH Brasil, Instituto Bandeirantes, Instituto Grupo Boticário, Plié, Highstil, Five Coaching Group e muitos outros que abraçam essa causa.
Esse tanto de patrocinadores mostra como o Instituto Serendipidade é capaz de entregar ações que geram valor de mercado através da inclusão, que chamam a atenção do setor privado e ajudam a disseminar a ideia de inclusão e apoio a iniciativas que desenvolvam pessoas com deficiência.
Aprendemos que há outras formas de se existir, de se viver. Quando a nossa chave virou, Marina e eu fizemos uma promessa:
Se depender de nós, mais ninguém olharia para esse grupo de pessoas da mesma forma que nós olhávamos antes, involuntariamente, por pura falta de informação e oportunidade de convívio
E é esse o nosso papel com o Instituto Serendipidade, que hoje acolhe 309 pais de pessoas com Síndrome de Down através do Projeto Laços.
Finalizo convidando você, leitor, a apreciar a força da diversidade. Reconheça a riqueza de criar um ambiente que escuta, acolhe e respeita individualidades.
Inclusão não é favor, inclusão é oportunidade e todos merecem ter as suas!
Henri Zylberstajn é pai de Carolina, Felipe e Pedro. Ao lado de Marina Zylberstajn, fundou o Instituto Serendipidade.
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