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“Um abraço entre mulheres é um ato político”: conheça a Lúcidas, uma plataforma com a missão de fortalecer amizades femininas

Dani Rosolen - 16 out 2023
Larissa Magrisso, fundadora da plataforma Lúcidas (foto: Camila Vieira).
Dani Rosolen - 16 out 2023
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Desde a infância, mulheres são bombardeadas por dicas sobre como manter o corpo perfeito, de que forma conquistar o relacionamento romântico ideal, quando saber que é hora de ter filhos etc. Era assim ontem, nas chamadas “revistas femininas”; é assim hoje, nas redes sociais.

Pouco ou nada se fala, porém, sobre como as mulheres podem valorizar e preservar suas amizades, além de como fazer novas amigas. É o que afirma a jornalista Larissa Magrisso:

“Se as mulheres tivessem crescido lendo sempre matérias sobre amizades — como liam artigos de relacionamento, de dieta, de maternidade, carreira —, acho que as nossas vidas seriam bem mais equilibradas…”

Essa reflexão foi um dos motivos que levaram Larissa, 43, a fundar a Lúcidas, que se posiciona como a primeira plataforma do Brasil a aprofundar a conversa sobre as amizades femininas.

A proposta do projeto é convidar mulheres a colocar intenção na criação e manutenção desses vínculos, da mesma forma como fazem com as relações amorosas e familiares.

A CIÊNCIA JÁ PROVOU O IMPACTO POSITIVO DAS AMIZADES PARA AS MULHERES

Segundo uma pesquisa da antropóloga Mirian Goldenberg, especializada em longevidade e etarismo, a principal fonte de cuidado e felicidade para as mulheres — sobretudo na velhice — não são os companheiros ou filhos adultos, mas as amigas.

Apesar disso, essas relações muitas vezes não são priorizadas como deviam. Larissa teoriza:

“Não é conveniente para o patriarcado e para o capitalismo que as mulheres descubram isso. O quanto da economia é movimentada porque as mulheres acham que precisam estar de certa forma [disponíveis] para atender aos homens, cuidar deles, da família — em vez de entenderem que têm o direito a se divertir, a se cuidar”

A amizade, para Larissa, simboliza também esse cuidado. “Porque é uma energia que você coloca em outra pessoa, mas que diretamente volta para você. Não é como cuidar de uma casa, de uma criança… Nada contra, sou casada, numa relação monogâmica heteronormativa — mas sou contra essas estruturas do patriarcado.”

Além do cuidado, a jornalista vê a amizade feminina como um ato político. “Costumamos dizer que um abraço entre mulheres é um ato político, porque se trata do toque físico sem um interesse de sedução ou de procriação.”

AGREGADORA DESDE SEMPRE, LARISSA COMEÇOU A INVESTIGAR O PODER DAS AMIZADES FEMININAS DURANTE A PANDEMIA

Larissa conta que sempre foi aquela pessoa que cuida e tem amigas de diferentes grupos. Desde criança, seu pai costumava destacar o perfil “agregador” da filha.

O pai de Larissa morreu no fim de maio de 2022, inspirando uma bonita homenagem. Hoje ela reflete a respeito das lições que ele deixou:

“Pelo olhar dele, entendi o quanto as amigas são uma parte tão grande não só da minha vida, como da minha personalidade. Não sei se desenvolvi isso por mim ou porque eu ouvia que era algo que meu pai admirava…”

Porém, foi durante a pandemia — enquanto pipocavam notícias e pesquisas sobre os efeitos do isolamento em nossa saúde mental — que ela entendeu a importância de investigar a fundo esse tema:

“Comecei a ler alguns artigos e a perceber que é um assunto que só cresce lá fora, com vários livros lançados e matérias sendo publicadas praticamente todos os dias, como editorias [específicas] no New York Times, no The Atlantic e outros veículos.”

Na época, Larissa atuava com criação em uma agência e estava há um tempo afastada da escrita jornalística. Achou que colocar no papel suas ideias sobre o assunto seria uma boa forma de voltar a escrever. “Comecei a juntar informações e links, artigos e criei um plano de um newsletter”, diz. “Mas daí escrevi uma edição, não mandei para ninguém e deixei a ideia engavetada…”

OUTRO ESTALO VEIO QUANDO ELA DESCOBRIU COMO HISTÓRIAS DE AMIZADES FEMININAS FORAM APAGADAS POR HOMENS

Nestas investigações, lendo o livro The Social Sex: A History of Female Friends, Larissa descobriu também como as histórias de amizades entre mulheres haviam sido apagadas ao longo da história, por não serem do interesse do olhar masculino.

“As autoras desse livro falam que aparecem indícios na Bíblia de que Isabel e Maria se encontraram quando Maria estava grávida. Então, existia uma relação ali… Se ela estava grávida e encontrou outra mulher que tinha um filho, quão rico foi esse diálogo? E por que não está registrado?”

As autoras, segundo Larissa, também reúnem relatos de que filósofos da Grécia Antiga acreditavam que as amizades eram essenciais para o desenvolvimento da sociedade — mas que as mulheres não tinham capacidade intelectual e moral para cultivá-las.

Isso hoje soa absurdo, mas ideias assim eram tidas como verdade há pouco tempo. A divulgação de narrativas escritas por mulheres que provam que suas histórias de amizade são interessantes por si só, não pela perspectiva do olhar masculino, começaram a ganhar destaque apenas nas últimas décadas.

Entre os exemplos de sucesso estão a série Sex & the City e o livro A Amiga Genial, best-seller que compõe a tetralogia “Série Napolitana”, da escritora italiana Elena Ferrante.

É SOBRE A LUCIDEZ DE SABER O QUE É SER MULHER E APOIAR OUTRAS MULHERES EM SUAS JORNADAS  

Apesar de todo o material acumulado, foi só em 2023 — quando decidiu fazer uma pausa na carreira e deixar a agência W3haus, onde trabalhava há 14 anos — que Larissa decidiu pôr as energias no projeto.

O nome Lúcidas se conecta com a proposta de fomentar as amizades femininas, e surgiu a partir de uma história de família. Larissa conta que sua tia-avó Irma foi sempre “muito despachada, falava umas coisas engraçadas, meio sem noção”. Irma também era muito ativa e tinha um grupo de amigas da igreja, fazia voluntariado. Depois dos 90 anos, porém, ela perdeu a autonomia e foi morar em um residencial de idosos.

“A história que nos contam é que, chegando lá, minha tia-avó reconheceu uma amiga de infância. E com aquele jeitão dela, meio sem noção, a primeira pergunta que fez foi: ‘Amiga, tu tá lúcida?’. É muito interessante ela ter pensado: será que a gente vai pode trocar?, será que ela vai ser uma companhia para mim aqui…?”

A frase virou bordão na família e entre as amigas de Larissa. Hoje, dá nome à plataforma.

“O projeto é sobre essa lucidez de entender que as amigas é que vão nos manter sãs mesmo quando estivermos loucas”, diz. “É esse paradigma de a gente abraçar e celebrar a loucura de ser mulher e saber que uma vai apoiar a outra nesta jornada.”

INVESTIGAÇÕES, CONTEÚDO E EXPERIÊNCIAS: O TRIPÉ DA LÚCIDAS, TOCADA POR UM TRIO DE FUNDADORAS

Uma plataforma sobre amizades não poderia ter sido construída sozinha – e sem fortalecer vínculos. Depois de organizar a proposta da Lúcidas, Larissa dividiu a ideia com Egnalda Côrtes, Jéssica Almeida e Ana Briza, com quem já havia trabalhado em algumas agências.

Egnalda acabou saindo para tocar outros projetos, mas Jéssica e Ana se envolveram-se tanto que acabaram virando cofundadoras. Além de colaborarem com as pautas abordadas, ambas têm cada uma a sua função: Ana cuida da identidade visual do projeto e Jéssica é responsável pela redação de materiais.

O trio só se conhecia pela via do trabalho e à distância (Larissa é porto-alegrense, mas vive em São Paulo; Ana fez o caminho inverso e hoje mora Porto Alegre; Jéssica vive em Salvador). Mesmo assim, foram construindo uma relação de afeto junto com a plataforma. Segundo Larissa:

“O próprio desenvolvimento dessa amizade entre as cofundadoras é um objeto de estudo da Lúcidas”

Hoje, a plataforma tem três pilares. O primeiro é de investigação, com seleção e curadoria de artigos, estudos e livros sobre o tema. A ideia é transformar esse material em um banco de dados acessível e, futuramente, lançar uma pesquisa proprietária sobre a amizade feminina no Brasil.

A partir da esq.: Larissa, Jéssica e Ana.

O segundo é de produção de conteúdo, com publicações relacionadas ao tema no Instagram, TikTok, no site e em uma newsletter quinzenal. São posts e artigos que trazem entrevistas com  mulheres para entender a importância das amigas na vida delas, levando em conta recortes de raça, classe social, faixa etária, além de reflexões e dicas sobre como manter uma amizade à distância, como fazer novas amizades em qualquer fase da vida, como ajudar uma amiga que está vivendo a maternidade, como dizer não para uma amiga etc. (Um podcast também está nos planos.)

Por sua vez, o terceiro pilar é focado em experiências de conexão, criando oportunidade para as mulheres se encontrarem e falarem sobre amizade. “A ideia é a gente exercitar essa questão, porque não existe esse espaço, não tem isso de ir na casa uma da outra para falar sobre este assunto”, diz Larissa. “Queremos aprender juntas o que é essa relação.”

EM INHOTIM, NO FESTIVAL MECA, A LÚCIDAS MOSTROU A IMPORTÂNCIA DA INTENÇÃO NA HORA DE SE CONECTAR COM AS AMIGAS  

Até o momento foram realizadas duas experiências deste tipo. A primeira aconteceu em Salvador, em julho deste ano, para celebrar a criação da plataforma, lançada em maio.

“Convidamos seis mulheres e cada uma podia convidar uma amiga. Para esse grupo levamos a tenente coronela Denice Santiago, que cuida da Ronda Maria da Penha na Bahia, para falar sobre o cuidado entre as mulheres, sobre solidariedade.”

Primeiro evento da Lúcidas, em Salvador (foto: Ligia Rizerio).

O evento também contou com a presença da escritora Cris Lisbôa, que abordou como demonstrar a admiração pelas amigas em palavras. Por fim, a terapeuta Fernanda Lisbôa fez uma respiração guiada, um exercício de presença com as participantes. “Foi um momento de celebração das amigas, uma apresentou a outra. Teve muita choradeira e risadas.”

Já no Instituto Inhotim, em Brumadinho (MG), durante o Meca, festival realizado no museu a céu aberto, as idealizadoras da Lúcidas propuseram o social fitness, conceito presente no livro Uma Boa Vida, baseado em estudos de Harvard sobre a importância de se cultivar os vínculos como uma das principais decisões relacionadas à saúde.

“Esse conceito nos dá essa noção de que é algo que a gente precisa realmente colocar atenção, exercitar o ‘músculo da amizade’… Tem que ter intenção, não é algo que se pode deixar rolar”

No encontro, elas levaram outros exercícios presentes no livro ou criados por Larissa com base no livro, incluindo um que ela chama de “Inventário de afetos”, que ajuda a traçar um panorama das redes de relações e como elas estão hoje, e outro batizado de “Curiosidade radical”:

“A proposta desse exercício era desenvolver a curiosidade pelo outro para não ficar naquela coisa de ‘tudo bem, como você está?’ Ou ‘como estão as crianças?’, sem aprofundar o diálogo.”

Para isso, Larissa usou cartinhas com ideias para disparar conversas (por exemplo: “qual foi a última vez que você teve uma grande vitória? E como podemos celebrá-la juntas?”) e propôs que duplas de amigas respondessem às perguntas.

DEPOIS DE PROMOVER O LETRAMENTO SOBRE O TEMA, O PRÓXIMO PASSO É ENCONTRAR UM MODELO DE NEGÓCIO

A missão e principal desafio da Lúcidas, segundo Larissa, é mostrar a importância do tema que aborda para as pessoas, furando a bolha de quem já dá valor ao assunto.

“A amizade feminina é algo que faz parte da vida e é tão importante quanto a família, o trabalho, o corpo… Queremos primeiramente fazer um letramento sobre a necessidade de se cuidar intencionalmente dessas relações”

Superada essa fase de letramento, a empreendedora diz que o próximo passo será definir um modelo de negócio. Os caminhos, por enquanto, ainda estão abertos. Hoje há até projetos imobiliários pensados para amigas. Por que não prestar consultoria para empreendimentos assim? É uma possibilidade.

“Eu não tenho essa necessidade imediata de virar um negócio escalável, com investidores e tudo mais”, diz Larissa. “Mas entendo que existem oportunidades de criar eventos proprietários, fazer projetos com marcas… Ou estudar e mostrar os impactos na economia que essa noção [da valorização da amizade feminina] vai despertar.”

 

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