Enquanto caminhava pelas ladeiras da Vila Madalena no fim de tarde da quarta-feira, 20 de maio, imaginava o que poderia ser um “encontro de Startups” e formei algumas imagens mentais baseadas nos meus preconceitos sobre o tema. Tentei esquecer esses preconceitos e apenas ir lá, na edição de maio do Circuito Startup São Paulo, que começaria às 18h no bar The Orleans, esquina da rua Girassol com a Wisard, no coração da Vila, e observar o que de fato ia rolar.
Ao chegar, antes mesmo de entrar na casa — um bem montado e escuro pub decorado com instrumentos musicais e fotos de lendas do blues, jazz e rock and roll como B.B. King, Rolling Stones e Louis Armstrong — recebo o primeiro pedaço de papel da noite. Não era um cartão de visitas, mas uma tira de papel mesmo, onde estava escrito: “ANJOS DO BRASIL / A/C(INVESTIDORES) – PÁRA-CHOQUE DE MOTO E CATAMARÃ PARA KITE SURF” e tinha contatos de email e celular. O que pude decifrar dessa mensagem críptica é que me foi passada por um investidor, espécime muito procurado por ali.
Entrando no bar, em volta do balcão adornado por garrafas de bebidas de inúmeras cores e formatos, umas 30 pessoas pediam algo para molhar a boca e conversavam animadamente em grupos de dois a cinco participantes. O clima era de balada, com o ambiente escuro e a música, não muito alta, pois o propósito ali era conversar. Meus preconceitos imaginavam um ambiente predominantemente masculino e isso foi confirmado parcialmente, mas até que havia mais meninas do que imaginei.
Dava para notar tendências predominantes no estilo dos que vieram participar do encontro que pretende reunir, mensalmente, empreendedores, desenvolvedores, prestadores de serviços e, claro, investidores. Havia os mais tipicamente “nerd”, muitos de camisa xadrez e barba, alguns com vestuário típico do ambiente corporativo, e até um ou outro de terno e gravata, inclusive um rapaz alto e louro com sotaque estrangeiro, talvez alemão? Poucos negros mas, também, mais do que imaginei.
Logo o organizador do evento, o carioca Tiago Asevedo, pega o microfone e chama a turma para o terceiro andar da casa. Lá, explica como seria a dinâmica da noite. Cada participante ganha uma etiqueta com seu nome e empresa, para grudar na lapela e facilitar as apresentações. E funciona. Quem chega, olha o nome na etiqueta e já se apresenta, ‘Prazer fulano, eu sou o sicrano’, quebrando o gelo na hora.
O terceiro andar é o espaço do networking propriamente dito. A ideia é usar o clima descontraído de happy hour para “lubrificar” a interação social e os participantes devem se apresentar e puxar assunto com quem estiver por perto. “Nada de ficar no canto só olhando, como se você estivesse numa balada chata”, brinca. No segundo andar, aconteceriam as mentorias. Profissionais de destaque em áreas como marketing, vendas, jurídico e desenvolvimento, ouviriam os empreendedores e dariam dicas para a startup crescer. No final da noite, no primeiro andar, haveria um talk com alguns desses mentores no palco. Ao sinal dele, começou a sessão de “networking intensivo”.
A cena impressiona. É impossível não se deixar levar pelo entusiasmo e vontade daqueles jovens, e nem tão jovens, empreendedores loucos para mudar o mundo e ganhar um bom dinheiro no processo
Percebi que o ideal seria eu me misturar e puxar papo, como se fosse um deles, e não um jornalista que iria “cobrir o evento” de maneira tradicional. Afinal, quem sabe eu não sairia dali mais um “startupeiro”? O primeiro a estabelecer contato visual foi o Pedro Chaves, um garoto bem jovem, de camisa e calça social. Ele é da Liga e Empreendedorismo da PUC-SP e havia se inscrito como voluntário para ser um dos “facilitadores” do encontro, ou seja, estava ali para ajudar a gente a fazer contatos e aproveitar o evento da melhor forma.
Logo chegaram dois rapazes com estilo mais descolado. Eram o André e o Álvaro Gabriele, da Trixter, uma empresa que desenvolve games com propósito educacional. Eles foram os primeiros de pelos menos mais três startups que conheci e que se dedicam de alguma forma a projetos na área de educação. A dupla foi conversar com outras pessoas, me aproximei do balcão do bar e pedi algo para beber. Logo chega uma moça alta e elegante. Era a Maria Luíza, advogada. Pois é, outra tendência observada: os escritórios de advocacia estão despertando para esse mercado que precisa bastante de aconselhamento jurídico e regulatório para sobreviver no Brasil e suas leis kafkianas.
READY, SET, GO!
Conversamos um pouco sobre isso e chega o Adriano Levy. De jeitão bem nerd, ele era desenvolto e de papo fácil. Desenvolvedor, tem a Goodinfo, empresa de soluções de TI que atende escolas e hospitais (área da saúde, junto com a educação, atraindo gente boa querendo solucionar seus nós, outro ótimo sinal). Em seguida aparece outra moça elegante, acompanhada de um rapaz com estilo moderninho. Ela era a Carol Kaphan Zullo, arquiteta, sócia do estúdio Mínima, que está desenvolvendo um espaço de coworking na região da Berrini e procurava interessados. Ela mostrou o espaço, em 3D num iPad, e parecia muito bonito. Mas Adriano, que já havia desenvolvido sistemas para espaços de coworking e, segundo ele, “conhecia todos os espaços de coworking de São Paulo”, disse que todos têm uma falha fundamental: as pessoas que os usam não se conversam, perdendo o principal benefício de um espaço como esse.
“A pessoa sai do home office porque tem a necessidade de se relacionar com outros. Mas chega no coworking, liga seu computador e fica lá como se estivesse em casa”, diz ele. A solução, que pareceu óbvia a todos, seria promover happy hours, eventos como palestras e workshops e outros momentos de socialização. Outra ideia: um grande mural no espaço, onde as pessoas colocariam os projetos em que estão trabalhando e que tipo de profissional precisam para complementar equipes. Ou seja, transformar os coworkings em um espaço de sinergias. Carol pareceu genuinamente estar diante da ideia que vai dar ao seu coworking uma vantagem competitiva enorme, talvez gerar matérias em revistas, e eu pensei “É para isso que serve isso aqui, então!”, gerar a tal serendipidade, novas ideias surgindo das trocas espontâneas.
Continuei circulando e conversando. Havia uma mescla equilibrada de empreendedores, desenvolvedores e prestadores de serviços, em diversos graus de desenvolvimento de suas startups, desde um rapaz desenvolvedor que nem ideia propriamente tinha e estava lá só para absorver a “atmosfera startup”, por assim dizer, até as meninas do Mandaê, empresa que embala e envia objetos facilitando a vida de quem não quer ir até o correio despachar encomendas. “Conseguimos uma parceria com os Correios para ter desconto no volume, e utilizamos essa diferença para investir na embalagem”, contou a Jaqueline Alves, coordenadora de marketing da Mandaê. E revelou: “Acabamos de receber um investimento de 5 milhões de dólares”. Lá estava o exemplo da startup que “deu certo” e hoje é uma realidade.
EM DOIS ANOS, O MERCADO EVOLUIU DEMAIS — APESAR DA CRISE ATUAL
Desci para o segundo andar, onde rolavam as mentorias. Meia dúzia de mesas com pessoas conversando animadamente, afinal ninguém ali tinha tempo a perder. Eles iriam mudar o mundo, e rápido! Esperei até o fim do tempo disponível para as mentorias, pois queria conhecer melhor um mentor de startups. Comecei pelo Geraldo Santos, sócio da DemoBrasil, uma plataforma de lançamento para tecnologias e tendências emergentes. Ele foi falar sobre o desenvolvimento do modelo de negócios, prospecção de clientes, venda, ou seja, “o que realmente vai fazer uma ideia se transformar em um produto e uma empresa de fato”. E disse estar otimista com o perfil dos empreendedores que conheceu.
“Claro que tem gente em todos os níveis de desenvolvimento de uma ideia. Mas o mercado está amadurecendo rápido. De dois anos pra cá, a coisa deu um salto de qualidade muito grande. Não vemos mais aventureiros nem gente que acha que vai virar o próximo Zuckerberg. Vejo pessoas querendo trazer soluções focadas e que resolvam problemas reais. De resto, o ecossistema está muito mais desenvolvido e organizado. Vemos associações surgindo, espaços como esse”, afirmou. Ele concorda que Educação e Saúde são dois setores que estão recebendo muita atenção de gente disposta a aplicar soluções inovadoras para desatar seus nós, e adicionou também o Varejo e o setor Financeiro.
Em seguida, sentei na mesa do Paulo Quirino, analista de Pesquisa & Desenvolvimento no relacionamento com Startups e Business Alignment na Samsung e que estava mentorando em Plano de Negócios. Há três anos trabalhando diretamente com startups, ele está convencido de que “a cultura empreendedora é possível no Brasil”, confirmando o clima de otimismo do evento, apesar do momento delicado da economia brasileira. Para Paulo, inclusive, os tipos de negócios que surgem deste ecossistema startup são essenciais para o futuro do Brasil.
“O que vemos aqui é a incubação de empresas de alto valor, inovadoras, que vão fazer o Brasil ser competitivo na economia global”, diz ele. Paulo atua bastante com universidades e demonstra entusiasmo ao falar de como jovens ainda na graduação estão criando e implantando coisas novas antes mesmo de se formarem. “Já conheci garotos que tiveram até que trancar a matrícula pois já estavam faturando mais de 500 mil reais por mês e simplesmente não tinham como continuar com as aulas”, contou. Sobre a importância desse tipo de evento ele afirma que, apesar da aura de “mentor”, ele vem tanto para aprender quanto para ensinar. “Tenho minha área de conhecimento, que domino, mas aprendo muito sobre todas as outras áreas.” Pouco depois, ele reafirmaria isso no talk junto com outros mentores e o organizador Tiago Asevedo.
Ainda conversei rapidamente com o Willian Sertório, que estava representando o Neue Labs como mentor e foi falar de experiência de usuário e filosofia lean, algo que ele resumiu a uma equação bem simples: “Conhecer bem quem é o seu público-alvo e falar a língua dele”. Também falei com Alex Anunciato, que mentorou em Marketing e afirmou que sua área precisa criar algo útil e de valor para o cliente. “Por exemplo, muitos me perguntam se email marketing ainda é válido. Respondo que só vale se entregar algo de útil para o destinatário. Se não, não.”
ALGUMAS DICAS PARA TER EM MENTE
A conversa final serviu para dar uma conclusão a todo aquele turbilhão de conversas, encontros e trocas de ideias. Respondendo a perguntas sobre temas como composição de preços, targeting e estratégias de crescimento, os mentores deixaram alguns pontos-chave para o pessoal voltar para casa e trabalhar em cima. Vale destacar alguns:
1) Comece pequeno e vá escalando. Dois dos empreendedores estavam criando apps para redes de supermercado e de estacionamentos. A dica é, antes de ir bater nas portas das grandes redes desses segmentos, vá ao mercadinho da esquina ou ao estacionamento local. Ofereça a solução, teste, veja o resultado. Se o produto for bom e funcionar, aí pode apresentar para os grandes players.
2) Forme equipes multidisciplinares, com competências complementares.
3) Seja otimista. Lembre-se da evolução do mercado brasileiro nos últimos anos, da organização do ecossistema de startups, inclusive a partir de agências governamentais. E lembre-se que há dinheiro disponível para investimento.
4) Investidores querem retorno e inovação é sempre garantia de retorno.
Já eram quase 23h quando acabou e, na fila do caixa, ainda conheci a última empreendedora da noite. A Patrícia Quadri, do Studio Quadri, não tinha dinheiro vivo para pagar o estacionamento e se ofereceu para pagar minha comanda no cartão em troca de dinheiro para o estacionamento. Contou que está criando uma rede social para quem gosta de cozinhar em casa. Achei promissor e disse que eu toparia seria membro, pois gosto de cozinhar. Me despedi e voltei para casa pensando que talvez devesse tirar da gaveta aquele projeto de startup que apresentei na minha pós, no Senac, há dois anos e que nunca saiu do papel. Fui contagiado pelo clima, o entusiasmo, a vontade de fazer acontecer, comum a todos que estavam ali. Cheguei como repórter, saí como mais um potencial startupeiro.
Onde mesmo eu guardei aquela filipeta com o contato do investidor?
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