Curitibano, filho de pai nordestino, morador do Rio de Janeiro e responsável por um programa de acesso à água potável no Brasil. Esta é a descrição atual de Rodrigo Brito, 35, gerente de Operações do Instituto Coca-Cola, onde coordena o programa Água+Acesso, iniciativa voltada a ampliar o acesso à água. O papel de Rodrigo é identificar e articular parceiros de campo, de apoio e coinvestidores, além de ser responsável pelo desenho e implantação da operação.
Mas antes de trabalhar de mãos dadas com uma corporação global, Rodrigo construiu uma carreira notável como empreendedor social. Ele se formou em administração na UFPR (Universidade Federal do Paraná) e optou pelo caminho mais atípico da época: trabalhar com projetos sociais. Ele é cofundador da Aliança Empreendedora, uma organização criada em 2005 para apoiar microempreendedores de baixa renda. Nove anos depois, em 2014, mudou-se para a capital paulista disposto a transformar o “deserto da inovação tecnólica não digital” em oportunidades de transformação, dentro da World-Transforming Technologies (organização especializada em avaliar, comparar e selecionar tecnologias para impacto socioambiental).
Em janeiro de 2017, Rodrigo e a noiva mudaram-se para a Cidade Maravilhosa. É do Rio que ele conversou com o Draft: “Estou adorando a cidade. Até agora, só tive boas impressões, mesmo com esse momento de violência. Quando fui de Curitiba para São Paulo, senti muito a mudança de ritmo, a correria de trabalho e mais trabalho. Quando vim para o Rio, senti um equilíbrio maior entre trabalho e vida pessoal”.
Além das mudanças de cidade e de guarda-roupa (sim, ele sente falta do frio de Curitiba), usar o crachá da Coca-Cola trouxe estranhamentos típicos de alguém que não tem experiência corporativa: não saber agendar uma sala de reunião, ter dificuldade com ramais de telefone e precisar ligar para o México (padrão na empresa) para resolver um problema com internet. Todos os tropeços foram encarados com bom-humor porque, como ele diz, a pergunta que sempre o persegue é: Como fazer algo relevante com seu trabalho e com seu tempo, permanecendo no Brasil? Ele cita esse tema porque vê “muita gente indo embora do país”. E conta mais, sobre si mesmo e a nova vida que decidiu abraçar. A seguir, os principais trechos da conversa dele com o Draft.
Como você avalia as transições que fez em sua trajetória profissional: da Aliança Empreendedora para a WTT e, depois, para o Instituto Coca-Cola?
Não vejo como transições. Encaro mais como uma reverberação, como aquelas ondas que se formam ao jogar uma pedra numa lagoa. A minha primeira escolha, e a principal, foi quando eu estava na empresa júnior da faculdade. Lá, vi muita gente boa ir trabalhar como trainee em grandes empresas e se deixar “apagar”, perder o sonho. Quando saí da empresa júnior eu tinha duas opções: entrar em programas de trainee ou prestar concurso público. Ainda não existiam aceleradoras, coworkings, nem o termo negócio social e o Muhammad Yunus ainda não tinha ganho o Prêmio Nobel da Paz pelo microcrédito. Escolhi o caminho de empreender e criar algo que deixasse um legado, uma contribuição para o país e não só pensar na minha carreira individual. O mais difícil, na época, foi escolher entre seguir uma trilha mais conhecida e previsível ou empreender. Essa foi a decisão original e as que vieram depois, seguem sendo a mesma decisão.
E por que iniciar uma ONG, a Aliança Empreendedora?
A escolha original foi fazer algo que eu sentia e via que era necessário e que, se ninguém fizesse, eu ficaria muito frustrado. Além de ser uma necessidade do país, era também uma grande oportunidade. Ninguém trabalhava, falava ou fomentava empreendedorismo em favela, em área rural ou com catadores de lixo.
Empreendedorismo era uma coisa para capa de revista de negócios: um homem branco e engravatado. A questão era popularizar, democratizar e ampliar acessos e capital.
Essa é a grande missão da Aliança Empreendedora. Eu queria colocar meu tempo, dedicação e talento em algo que florescesse. Em 2005 criamos — eu, Lina Maria Useche Jaramillo, Helena Casanovas Vieira, Eduardo Gomes Camargo, Norma Hitomi Ikeda, Maria Fernanda Cordeiro e Luís Alberto Ribeiro Paschenda — a Aliança Empreendedora porque já tínhamos a visão de que era preciso haver microcrédito no Brasil.
Em que momentos da trajetória de empreendedor social você teve medo? De quê?
Tinha muitos medos. Em casa, meu pai falava: “Agora que você podia ser presidente da empresa júnior, você larga para montar uma ONG?”. Nos dois primeiros anos, meus amigos estavam em bons empregos e a gente, na Aliança, ainda marcava reunião em um café de Curitiba só porque tinha wi-fi! Batemos em milhares de portas e recebemos muitos e muitos nãos. Ouvimos que éramos jovens e idealistas por querermos apoiar empreendedores pobres sem condições de montar um negócio e nem de fazer um plano de negócios. Houve ocasiões em que não passamos nem da secretária.. Uma vez, um cara não recebeu a gente e ficou vendo jogo do Guga (Gustavo Kuerten, tenista) na TV!
Meu maior medo era desistir e nunca saber como teria sido. Medo de levar uma vida pautada pelo próprio medo e ser levado para um caminho que me deixasse infeliz
O medo de levar uma vida sem sentido superava todos os outros. E claro, eu nunca estive sozinho, o grupo de fundadores se apoiava muito e depois surgiram outros empreendedores. Havia um senso de corresponsabilidade para não desistir.
Por que, então, você saiu da ONG que você mesmo idealizou?
Pessoalmente, eu analisava que o ecossistema do empreendedorismo do Brasil tinha avançado muito. Com o passar dos anos, já havia muitos atores, exemplos e bastante organizações de apoio. Mesmo em termos de legislação, estávamos avançando com o Programa Crescer de microcrédito, a Lei do Microempreendedor Individual, a faixa de faturamento do Supersimples. Com isso, me vi em um novo deserto, que é o deserto da inovação tecnológica não-digital. Existe uma comunidade de cientistas que pode ser conectada a iniciativas de impacto e ninguém fazia isso. O que me fez ir para a WTT é que eu estava muito incomodado porque éramos um país focado no empreendedorismo tradicional: franquia de macarrão, salão de beleza e negócios tradicionais, sem nenhum diferencial.
Um país que não valoriza o papel dos inovadores fica refém de ter uma economia com negócios de baixo valor agregado
Hoje, estamos com dificuldade de sair da crise porque não temos alto valor agregado. Só em 2015, 50 mil cientistas foram embora do país. Eu queria dedicar os meus anos seguintes para melhorar o sistema relacionado a inovação tecnológica com viés de impacto. Fui presidente da Aliança Empreendedora até 2011. Em 2013, saí da linha de frente e fui para o Conselho. Foram dois anos tranquilos de processo porque nunca personalizamos a organização. A Aliança nunca foi a ONG do Rodrigo, nem a ONG da Lina, nada de “celebridade social”. O destaque sempre foi para a marca da organização, tanto que ela continuou, e continua, crescendo muito. Tem uma equipe boa, uma marca e uma metodologia consistente.
Como é ser “refém” de doações por ser ONG, comparando a ser um negócio social, que gera sua própria viabilidade financeira?
De 2005 a 2009 vivemos de doações na Aliança. Até então, éramos reféns só que não éramos bons em conseguir doadores institucionais e não tínhamos doadores pessoa física, tipo herdeiros ou grandes empresários. Então, desde o início tivemos que construir a capacidade de estruturar e vender projetos financiados a partir de doações de empresas, institutos empresariais e fundações. Também nunca buscamos captar recursos públicos pela dificuldade que se apresenta. Em 2009, tivemos apoio da Ashoka e da McKinsey em uma consultoria de sete meses e tivemos uma sacada: precisávamos deixar de ser uma organização sem fins de lucro e passar a operar como uma organização sem fins de prejuízo!
Viver de doação é uma maluquice… não conseguíamos reter bons talentos, tínhamos uma eterna insegurança por não conseguirmos fazer uma reserva de caixa
Percebemos que o know-how que construímos em trabalhar com negócios inclusivos, microempreendedores de baixa renda, grupos, jovens e empreendedores individuais tinha alto potencial para ser serviço e não só projetos de doação. Daí começamos a linha de trabalho em modelo de negócio inclusivos, em que as empresas contratam o serviço de estruturar cadeias, programas de apoio e avaliar o impacto de microempreendedores. Dali em diante, passamos a ter um orçamento anual em que, rapidamente, 50% vinha de serviços, em que se tinha lucro, e 100% desse lucro era reinvestido. Uma associação não é sem fins lucrativos, ela não pode distribuir os lucros entre seus associados, mas tem que gerar lucro, porque se não, não cresce, não escala.
Como foi a aproximação com a WTT?
No Brasil, tínhamos o que chamo de “vale da morte da inovação”. Um vácuo para um tipo de inovador que preferisse a pesquisa ao empreendimento. Não existe recurso público para pesquisas e o dinheiro de investidor-anjo e de venture capital aparece só lá na frente, quando o negócio só tem risco de mercado e não tem mais risco tecnológico. Por isso, em 2013, comecei, junto com um amigo a desenhar uma espécie de fundo para investir em pesquisas de alto potencial para impacto social e ambiental e não só em negócios, um Research Capital. Ao mesmo tempo, surgiu o convite para entrar no time da WTT.
Então, em 2014, eu me mudei para São Paulo e ingressei na WTT, que foi criada pela Fundación Avina e pelo Guilherme Leal, logo em seu terceiro mês de existência. A missão do time – eu, Andre Wongtschowski e Maneto (Valdemar de Oliveira Neto) – era buscar parceiros e clientes para apoiar as tecnologias e os projetos do portfólio inicial, com foco em inovação tecnológica. Já tinha havido investimento de 2 milhões de dólares em seis tecnologias. Nos três anos que fiquei lá, conseguimos trazer outros 14 milhões de dólares para essas seis tecnologias. Uma das linhas estratégicas da WTT era selecionar e investir em soluções tecnológicas para ampliar acesso a água nas comunidades. A outra linha era a área de energia limpa.
Por que você escolheu a linha de trabalho com água?
Primeiro, meu pai é do sertão do Rio Grande do Norte. Ele tem 14 irmãos e tenho mais de 50 primos espalhados pelo Nordeste. Desde criança, em muitas das minhas férias, eu ia a São João do Sabugi (RN) e via tios e primos chorarem de alegria quando chovia. Em Curitiba é o contrário, a gente chora quando chove porque não para de chover. Outro ponto é que já existia um ecossistema invisível de acesso a água no país. Organizações não tão conhecidas como a Saúde e Alegria, a FAS e o SISAR do Ceará (Sistema Integrado de Saneamento Rural). Havia um ecossistema enorme que podia integrar, gerar visibilidade e alavancar investimentos para levar a solução para a ponta através de uma rede. Por fim, o outro ponto que me levou a trabalhar com água é que soluções tecnológicas na área de energia levam, em média, 10 anos para chegar a uma maturidade tecnológica e requerem uma captação de recursos muito mais astronômica. Quis atuar em soluções que estivessem mais próximas de chegar ao mercado.
E como foi, então, deixar a WTT para embarcar no Instituto Coca-Cola?
Percebi que eu não queria mais dedicar meu tempo para buscar clientes. Ao mesmo tempo, não desejava começar uma organização do zero e refazer todo o caminho que fiz na Aliança Empreendedora. Um dos parceiros com quem voltei a ter contato foi o Instituto Coca-Cola. Eu já conhecia o Pedro Massa e a Claudia Lorenzo e durante o The Boat Challenge de 2016 (evento da Coca-Cola que reúne startups da região amazônica), apresentei a eles as tecnologias de água que estávamos vendo na WTT e falei do projeto que queria construir junto com o Instituto Coca-Cola.
Esse projeto encantou o Pedro e a equipe que já estava planejando colocar o foco de investimento dos próximos anos em acesso a água, como um compromisso de longo prazo. O sistema Coca-Cola percebeu que era um pilar importante com o qual ainda não trabalhava. A companhia já trabalhava com eficiência, neutralidade e reposição dentro de fábricas, mas não tinha nada voltado a acesso. Chegamos à conclusão de que a melhor forma para o país de fazermos isso era através de uma grande aliança. Então, saí da WTT para tocar o programa Água+Acesso de dentro da Coca-Cola.
Quais são as suas impressões da vida de intraempreendedor?
Está muito legal. Quando entrei já conhecia muita gente da equipe, mas não imaginava como era trabalhar num instituto que faz parte de um ecossistema maior, uma organização com 11 empresas (a Coca-Cola tem um sistema de franquias com fabricantes e distribuidores). Eu imaginava que seria mais burocrático, que teria um ambiente corporativo. O que estou sentindo desde que cheguei é muita abertura e entusiasmo para fazer, errar e aprender. É o mesmo clima da Aliança Empreendedora. O diferente é que se tem mais alinhamentos internos de como se pode fazer, a melhor forma, quais os riscos. Tem-se também um cuidado sempre grande com o que se fala porque tem muito mais visibilidade e há muita gente envolvida: clientes, fornecedores.
Por outro lado, tenho muito mais suporte de outras áreas. No programa Água+Acesso tenho muito apoio da área técnica, de gente que trabalha com teste e qualidade de água há muitos anos, além das áreas de Comunicação, Governo e Inovação. Eu achava que trabalharia muito restrito ao Instituto, mas é muito legal trabalhar com todas essas áreas que trazem um olhar diferente para o programa e como intraempreendedor eu também consigo influenciar e oferecer uma visão diferente para outras áreas da empresa.
Há quem diga que Negócios Sociais são uma ilusão, porque uma vez que resolvem um problema outro maior se apresenta. Como você enxerga isso?
Assim como a startup, o negócio social, para muita gente, se transformou em uma bala de prata. Mais legal do que questionar é trazer o impacto para o centro das decisões e do próprio desenho do que é o seu negócio, seja ele qual for. Para as ONGs, o conceito de negócio social é saudável porque faz elas abrirem o olho, buscarem ajuda e apoio e pensarem modelos que as tornem autossustentáveis e economicamente viáveis. O que é sustentável – e não precisa ser um negócio social para ter isso – é o valor que se entrega para a sociedade e que ela percebe. É quando você faz com que a sociedade queira que o seu negócio ou operação continue e cresça.
No fim das contas, é muito parecida a dinâmica de sustentabilidade de crescimento de uma ONG com a de um negócio social. Às vezes, o negócio não se preocupa em como ser mais relevante para o cliente. Então, mesmo que ele seja for-profit, ele não vai crescer nem ser sustentável. Mas, a meu ver, o “hype” dos Negócios Sociais já passou. Teve muita bolha de sabão e, hoje, o ecossistema está mais maduro e o caminho para quem quer começar está mais claro.
E qual é a nova onda?
Vejo várias ondas surgindo. Antes, as empresas estavam operando seus próprios programas e o relacionamento delas com o setor social e de impacto permeou as estruturas. Hoje, vejo o movimento de empresas trabalhando mais em rede, formando e somando forças para causas em conjunto com outros atores, em vez de divulgar os seus projetos. Isso já está acontecendo.
Quando se fala em Nova e Velha Economia, ONG, empresa, grande empresa, governo… esses são termos já simbolicamente tão estabelecidos em nosso imaginário que já vêm carregados com um monte de vieses. Cinco anos atrás, a galera jovem queria entrar para área de impacto, empreender, mas ninguém queria ir para governo. A situação ficou tão crítica que hoje se vê movimentos como o Acredito e Vetor Brasil e um monte de gente nova que saiu de empresas juniores e universidades optando por entrar em governo para mudá-lo e influenciá-lo.
E vejo as empresas passando por isso. Empresas são formadas por pessoas, e as pessoas estão procurando empresas que conversam com aquilo que elas acreditam. Então, as corporações também passam a ser ambientes que pensam em gerar um impacto que seja bom para a organização e também bom para o indivíduo.
Talvez a onda do momento seja derrubar esses preconceitos e pensar como fazer algo mais misturado para criar soluções mais consistentes e coletivas
Quais são os três conselhos essenciais, ou dicas, que você daria a uma pessoa de 20 e poucos anos e quer gerar impacto social?
Se você está na faculdade e na empresa júnior, aproveite para testar, se desafiar e errar. É o tempo de acelerar a curva de erro e aprendizagem. Saiba que é preciso construir uma curva de rede, conhecer gente de ONGs, de empresas inovadoras, cientistas e outros jovens. Se você circula e participa desses movimentos, em 5 ou 10 anos, terá uma rede de contatos que será um ativo para o resto da sua vida. Chamo essa rede de “fábrica da sorte”: quanto mais contatos se tem, mais oportunidades você terá de conseguir o que procura, seja um lugar para dormir ou um know-how. A rede é o espaço de troca, onde nascem as oportunidades. Por fim, o terceiro conselho é que quando você se dispõe a fazer algo que pouca gente faz isso diminui muito o número de concorrentes. Muita gente diz que empreender é difícil, e é verdade. Eu também falei dos meus medos, e eles existem. Mas o resultado paga muitas vezes.
Vendedores ambulantes e catadores de resíduos estão na ponta da cadeia da indústria cervejeira. Gerente executiva do Instituto Heineken, Vânia Guil fala sobre os projetos em andamento para capacitar e fortalecer esses trabalhadores informais.
Cada vez mais, as corporações buscam consolidar sua relação com a comunidade e sua imagem como parceiras de negócios. Saiba como a Coca-Cola vem estimulando o empreendedorismo feminino (e o que falta para dar um salto nessa estratégia).
Renato Shiratsu conta como é trabalhar em uma grande companhia com metodologia ágil, contato direto com o consumidor e projetos de curta duração, como o refrigerante Yas, que já está no mercado.