A Fabenne não transforma água em vinho, mas promete um “milagre” quase tão bom: um vinho que não vira vinagre depois de aberto — mesmo fora da geladeira.
Com uma embalagem em formato de bag (uma bolsa plástica com torneirinha acoplada dentro de uma caixa de papelão), a empresa vende vinhos com validade de até 30 dias após a primeira taça.
Hoje, são quatro tipos: os tintos Cabernet Sauvignon e Cabernet Sauvignon Seleção Especial, o branco Moscato Giallo e ainda o Rosé — todos produzidos pela cooperativa São João, de Farroupilha (RS).
A Fabenne começou a operar em 2017 no food service, com um investimento family and friends de 710 mil reais. Em 2020, a quarentena por conta da pandemia levou a empresa a pivotar. O foco mudou dos restaurantes para o consumidor final, com vendas pela internet.
Segundo o CEO Adriano Santucci:
“Atendemos desde o consumidor que toma vinho só no fim de semana, mostrando que ele pode consumir também no dia a dia, ao quem já consome um vinho de 50 reais durante a semana e no fim de semana tem uma adega para explorar — mas pode economizar durante a semana com a Fabenne”
A adoção do modelo B2C se mostrou um acerto. No ano passado, foram 40 mil bags vendidas (o equivalente a 800 mil taças), o dobro do resultado de 2019. A empresa fechou 2020 com faturamento de 4 milhões de reais — e planeja quadruplicar essa cifra em 2021.
SEGUNDO O CEO, O BAG-IN-BOX TEM VANTAGENS LOGÍSTICAS E ECOLÓGICAS
Dos três sócios, Adriano é o único com passagem pelo mercado de bebidas: foi gerente de marcas da Brown-Forman (que tem diversos destilados no seu portfólio, com destaque para o tennessee whiskey Jack Daniel’s). É, também, o único dedicado à empresa em tempo integral.
Completam o trio Thiago Santucci, executivo da Natura, e Arthur Garutti, sócio da ACE. Com escritório na Mooca, Zona Leste de São Paulo, a Fabenne é um “negócio em família”: Adriano é primo de Thiago e cunhado de Arthur.
Cansados de perder bons vinhos depois de abertos, eles começaram a pesquisar maneiras de conservação. Foi assim que descobriram o modelo de bag-in-box (popular, segundo Adriano, em países tão distintos como Austrália e Suécia).
A embalagem em si não é uma novidade:
“O bag-in-box surgiu na década de 1960 para transportar baterias de lítio. No caso do vinho, a resina do saco ajuda a manter as características da bebida e a torneirinha acoplada no bag evita a entrada de ar”
De acordo com Adriano, outra vantagem do bag-in-box é ser 50% menos poluente do que uma garrafa, na perspectiva de emissão de CO2:
“A emissão é menor não só pela produção do vidro versus à do bag, mas também do ponto de vista do transporte. A logística é muito mais barata: o transporte é facilitado, já que o peso é menor; e o estoque se torna mais simples pois economiza espaço.”
COMO DESGOURMETIZAR A EXPERIÊNCIA COM O VINHO
Embora o consumo no Brasil tenha crescido 18,4% em 2020, segundo a Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), o país responde apenas por 2% do consumo global de vinhos.
Segundo Adriano, o mercado ainda mantém uma pegada “super premium”, com vinhos de nomes “impronunciáveis”, enquanto o brasileiro médio dá preferência ao despojamento (vide a cerveja e a caipirinha).
“Vimos que o bag-in-box- poderia ser uma oportunidade de trazer um discurso mais casual para esse consumo, diminuindo a barreira de entrada para o potencial consumidor que não sabe que vinho tomar, como tirar a rolha ou degustar”
A ideia, então, era desgourmetizar esse mercado. Um bag de 3 litros de vinho da Fabenne custa hoje 99 reais.
“A gente costuma se comparar, em termos de qualidade, ao vinho de entrada chileno”, diz Adriano. “Estamos falando de vinhos que custam 60 reais a garrafa [de 750 mililitros].”
A IMAGEM DA NONNA AJUDA A DAR UM AR DE CASUALIDADE AO VINHO
A persona que interage com os clientes da Fabenne nas redes sociais é a Nonna. Não é uma pessoa real, mas uma criação inspirada na figura idealizada da matriarca italiana que atribui o segredo de sua longevidade a “uma tacinha de vinho por dia”.
Há, porém, um fundo de verdade por trás da Nonna da Fabenne.
“Eu e o Thiago crescemos com a nossa nonna, que deixava a gente tomar vinho durante o almoço aos 14 anos. Era aquele vinho doce, de galão, super causal… Nunca foi um negócio chique. Para os italianos, vinho é um alimento”
O nome Fabenne, aliás, é uma brincadeira com a expressão italiana mangia che te fa bene (“coma, que te faz bem”). Segundo Adriano, a ideia por trás da Nonna da empresa é dar uma “permissão” para o consumo cotidiano da bebida.
“É como se ela falasse que ‘tudo bem tomar uma taça na segunda-feira’… Para que as pessoas fiquem mais tranquilas e levem os problemas menos a sério.”
A PANDEMIA FEZ A FABENNE TROCAR OS RESTAURANTES PELO CLIENTE FINAL
Em 2019, a Fabenne chegou a ter 360 restaurantes em sua base de clientes ativos. Uma ou outra venda direta para os clientes era feita pelo site da empresa, mas o acumulado nos meses bons chegava a no máximo a 2 mil reais.
Já em 2020, com a pandemia e as restrições de funcionamento de bares e restaurantes, a Fabenne viu esse número de clientes no B2B despencar.
“Nunca vou me esquecer que em março do ano passado saímos de uma inadimplência de 3% para quase 68%. Tivemos que agir muito rápido e decidimos focar no consumidor final pelo e-commerce”
Apostar nesse público era uma ideia prevista apenas para 2022. A Covid antecipou a guinada, que contou com outro impulso: um investimento de 1 milhão de reais (captado no começo do ano passado) especificamente para investir no e-commerce.
A Fabenne cresceu 315% de 2019 para 2020, conquistando 10 mil usuários. As vendas para restaurantes caíram muito, mas não foram paralisadas por completo; nessa frente, a empresa investe em projetos de construção de marca.
“Temos uma parceria com o L’Entrecôte de Paris, nosso maior cliente no B2B, para fornecer nosso vinho no delivery deles em uma garrafinha de 200 mililitros”, diz Adriano.
O ISOLAMENTO AJUDOU O CONSUMO DE VINHO A GANHAR FORÇA
Para Adriano, a quarentena contribuiu para a classe média entender que a experiência do vinho não precisa ser algo sofisticado — ao mesmo tempo em que inviabilizou eventos sociais aos quais o consumo de outras bebidas está associado:
“A cerveja está muito vinculada a churrasco, barzinho… Já os destilados, às festas, baladas, casamentos”, diz Adriano. “Nada disso pode mais: a diversão saiu da rua e foi para dentro de casa. Mas é difícil tomar uísque toda hora. E a cerveja empapuça…”.
Havia aí uma oportunidade de posicionar o vinho como uma opção cotidiana.
“As pessoas começaram a entender que o vinho é um grande aliado para esse consumo mais intimista: tem um teor alcoólico relativamente baixo, geralmente está vinculado a uma refeição e o consumo é feito com parcimônia. Ninguém toma vinho para ‘ficar bêbado’ — o que infelizmente ocorre com outras bebidas”
Hoje, além de vender pelo site (que recebe aproximadamente 3 mil visitantes diários), a Fabenne disponibiliza seus produtos na Amazon. Em breve, deve entrar nos marketplaces do GPA e do Mercado Livre, atendendo o Brasil todo.
A EMPOLGAÇÃO COM AS PRIMEIRAS VENDAS RESULTOU NUM ERRO DE CÁLCULO
Perguntado sobre desafios e erros na jornada empreendedora, Adriano mostra a careca como resultado dessas “dores de cabeça”. Brincadeiras à parte, diz que ele e os sócios cometeram alguns equívocos.
No começo, testando a venda direta para clientes finais, em dezembro de 2017, os sócios se animaram com as primeiras vendas: 500 bags em dois dias. Acharam que continuariam nesse ritmo e triplicaram a encomenda de vinho do fornecedor. “Só que as pessoas tinham comprado o vinho para o Natal e não iam adquirir tão cedo de novo… E a gente não tinha outra base de clientes a quem recorrer”, diz Adriano.
Resultado: no fim de janeiro de 2018, eles tinham uma conta de 21 mil reais para acertar com a vinícola — e apenas 5 mil reais no caixa.
Outro erro de percurso foi exagerar no pedido da quantidade de embalagens. Lá atrás, a Fabenne acabou encomendando caixas em número suficiente para dois anos de vendas — o que teve a desvantagem de atrasar a reformulação da marca.
Assim, só recentemente eles puderam modernizar a identidade visual, como pretendiam. As novas caixas foram lançadas no começo de 2021.
“As embalagens ganharam um ar mais moderno. Tínhamos um logo muito tradicional e queríamos algo mais disruptivo, que falasse no mesmo tom de voz despojado da Nonna.”
O ENCONTRO COM UMA NONNA DE VERDADE GEROU UMA REFLEXÃO INTERNA
Por falar em nonna… Em fevereiro deste ano, uma senhora de 101 anos, moradora de Promissão (SP), ganhou destaque na mídia — e a atenção da Fabenne.
Mesmo centenária, Maria Cardoso vinha enviando currículos e buscando emprego para poder comprar seus próprios vinhos, sem depender da família. A história repercutiu nas redes do Razões para Acreditar, e um internauta marcou a Fabenne, que foi atrás de dona Maria e a presenteou com vários bags.
O caso gerou uma reflexão entre os sócios, diz Adriano.
“A gente já tinha ideias incubadas de como falar diretamente com esse público. Depois disso, começamos a pensar em um pilar social, ainda em estruturação, de doação a casas de repouso e asilos, para que nosso carinho pela Nonna não fique só no discurso”
Enquanto esse “pilar social” não sai do papel, a empresa segue entregando o que faz de melhor. Em 20 dias, deve lançar três novos produtos.
“Depois de ouvir os pedidos dos clientes, decidimos incluir no catálogo um Malbec, um Chardonnay e uma evolução do Cabernet Sauvignon, criados em parceria com a vinícola São João”, revela Adriano.
Às vezes, mastigar dados com tecnologia não basta para conhecer o seu público. Julia Ades e Helena Dias estão à frente da Apoema, uma empresa de pesquisa low-tech que busca conexões nas entrelinhas e atende marcas como Nike e Natura.
Nossa vida ultraconectada gera uma montanha de lixo eletrônico. Diante desse cenário, Rodrigo Lacerda criou a Händz, que produz cabos, carregadores, fones e caixas de som com materiais como algodão, bambu, cortiça e grãos de café.
O Brasil é um país de leitores? Tainã Bispo acredita que sim. Ela migrou de carreira, criou duas editoras independentes (a Claraboia, que só publica mulheres, e a Paraquedas), um selo editorial e um serviço de apoio a escritores iniciantes.