Meu nome é Flávia, sou mãe do Sérgio e da Tatiane.
Meu marido, Cláudio, era um paciente com E.L.A. (Esclerose Lateral Amiotrófica). Cuidamos dele por 12 anos, fazendo tudo o que podíamos para proporcionar qualidade de vida a ele.
Em 2020, contei aqui no Draft como o Cláudio foi diagnosticado em 2010 e, mesmo diante das adversidades, escreveu e ilustrou dois livros (um deles com o pé) sobre a sua relação com a doença.
E hoje, venho aqui atualizar essa história.
Nos últimos anos de convivência com a doença, tivemos que lidar com a pandemia de Covid-19, que trouxe mudanças significativas para a nossa rotina.
Os cuidados com Cláudio foram redobrados e, mesmo com a ajuda reduzida, continuamos a viver com E.L.A.
Mas, em outubro de 2020, Cláudio teve uma dessaturação, que provavelmente causou uma isquemia, levando à perda total da capacidade de comunicação e de desenhar.
Apesar dessa nova barreira, seguimos nossa caminhada e, aos poucos, descobrimos outras maneiras de nos comunicarmos, embora tudo fosse muito mais complicado.
Muitas vezes, nossas trocas pareciam baseadas no “achismo”, pois não conseguíamos entender o que ele pedia ou queria
Criamos então uma espécie de checklist para tentar eliminar as inúmeras possibilidades e decifrar o que ele realmente queria, por tentativa e erro.
Tudo o que podíamos fazer era estar ali ao lado dele e dar todo apoio, mesmo não compreendendo completamente suas vontades.
Cláudio desenhou até a dessaturação de 2020 e, depois, passou a pintar. Tanto os desenhos quanto as pinturas eram feitos na terapia ocupacional.
A terapeuta adaptou os materiais para que ele pudesse segurá-los com o pé direito, que ainda tinha algum movimento. O último trabalho dele foi feito dez dias antes de sua passagem — e é a capa do meu livro
Dias, meses e anos se passaram. E a cada dia, tudo ficava mais difícil…
Em março de 2021, decidi que eu mesma daria os banhos em Cláudio, e assim fiz quase diariamente até que ele partiu, em 19 de maio de 2022.
Aprendemos muito, choramos muito, sofremos, mas com certeza, todos que tiveram a oportunidade de conviver com Cláudio têm hoje algo a contar e compartilhar.
Continuamos vivendo sem E.L.A, mas com o coração repleto de gratidão.
O fim não foi fácil. Continuamos com o tratamento paliativo, oferecendo conforto, amor e muito do que ele queria.
Sempre focamos em dar o melhor e cuidar dele, e podemos dizer que nos tornamos especialistas em cuidados paliativos.
Tenho muito orgulho dos meus filhos e de tudo que eles representaram nesse processo. Nossos corações estão cheios de gratidão, pois fizemos tudo com Cláudio, por ele e para ele, cumprindo de maneira mais que honrosa o processo de cuidados paliativos
Quem acha que cuidados paliativos significam “não ter mais o que fazer” está totalmente equivocado. Cuidados paliativos são sobre dar conforto e qualidade de vida àquele que está em condição terminal.
Esse final de vida pode durar dias, meses ou até anos, como foi o caso do Cláudio. Compartilhar a vida com ele, mesmo com E.L.A, nos fez ver a vida de uma perspectiva com lentes diferentes.
O mais importante foi dar a ele a oportunidade de voltar a desenhar, sua maior paixão, e vê-lo colocar no papel aquilo que estava vivenciando.
Estivemos sempre presentes e carinhosos com ele, e acredito que todo o processo da doença nos aproximou muito. O amor prevaleceu.
Hoje, sei que Cláudio viveu durante oito anos em cuidados paliativos, mesmo sem termos essa visão na época.
Cuidados paliativos significam cuidar e permitir que a pessoa viva com qualidade, sem tratamentos invasivos que não trazem resultados reais. É cuidar com amor, aproveitando a vida e cada momento, criando memórias
Cuidados paliativos são sobre viver além do diagnóstico de uma doença terminal, sem antecipar a morte. É cuidar respeitando as limitações — mas não limitando a vida. Viver cada momento, pois ele é único, sem tentar manter a pessoa viva a qualquer custo.
Pouco menos de um ano depois de sua partida, resolvi contar nossa história sob outra perspectiva, através das minhas lentes.
Assim surgiu “Vivendo Sem E.L.A”, livro em que conto nossa história e minha interpretação do que vivemos, inclusive o dia da morte e como temos encarado tudo desde sua partida
Meu coração se enche de gratidão por ter tido a oportunidade de conviver com ele, cuidar dele e concluir que o amor sempre vence e sempre nos dá força.
Essa ideia surgiu por incentivo de amigos e com a ajuda dos meus filhos. Pude colocar a escrita em andamento durante umas férias que passei na casa dos meus pais norte-americanos, com quem morei durante um intercâmbio em 1982.
Eles me acolheram de uma maneira tão amorosa e tão significativa que o livro nasceu dos dias em que fiquei com eles (e foi finalizado meses depois de meu retorno).
Quero com o livro mostrar que uma doença terminal não precisa ser um atestado de morte, mas sim uma possibilidade de viver de maneira diferente.
(Para quem quiser adquirir o livro, ele custa 45 reais com o envio — basta me enviar uma mensagem.)
Meu maior objetivo é auxiliar outras pessoas a enfrentar situações semelhantes com um olhar diferente e mostrar o verdadeiro significado dos cuidados paliativos.
O livro foi lançado em maio deste ano e tem sido gratificante ouvir os comentários das pessoas que leram e saber que a nossa história tem ajudado de diversas maneiras
Isso me conforta e me engrandece, mostrando que nossa jornada não foi em vão.
Te convido também a conhecer essa história que mostra o quanto o amor é importante para enfrentar as adversidades da vida.
Flávia Tafner é professora de inglês e autora do livro Vivendo sem E.L.A.
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